segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

O Amazonas e a Amazônia

    Um dia, as índias que viviam perto de um rio cuja nascente provinha de uma lágrima da Lua ficaram seriamente zangadas com seus maridos.

    Eis como tudo aconteceu:

    Os índios, segundo uma lei imemorial, foram caçar: trouxessem ou não algum animal, a cada vez, assim que voltavam, ordenavam à mulher que lhes desse imediatamente algo para comer. Mas elas que não pensassem em lhes colocar sob o nariz aqueles beijus comuns, senão eles começavam a dar altos brados, e as infelizes não paravam de chorar.

    Isso vinha acontecendo desde sempre, até aquela manhã na qual, quando os índios saíram da aldeia, Toenza, a esposa do próprio chefe, convocou as outras índias para um Conselho.

    E esse Conselho foi um verdadeiro sucesso, pois a mulher do chefe entendia desses assuntos melhor do que o marido.

    - Por que, durante todo o dia, pilamos mandioca para fazer farinha, preparamos as flechas e as lanças, consertamos as cabanas, tratamos de cozinhar, enquanto os homens não fazem coisa alguma, e à tarde não trazem nada, nem um papagaio? Sabemos de tudo isso muito bem, e sem eles estaríamos bem mais felizes do que com eles...

    As outras a aprovaram com entusiasmo, pois aquelas palavras vinham do coração. Por isso, a mulher do chefe malhou o ferro enquanto ele ainda estava quente.

    - Escutem o meu plano. Hoje à noite, quando os homens voltarem, encontrarão preparadas as melhores comidas e as bebidas de que mais gostamos. Depois, dormirão bem depressa, e então nós tomaremos os arcos, as zarabatanas, as flechas e as redes deles e fugiremos...

    - Mas para onde? Seja onde for, eles nos encontrarão..., murmurou uma jovem índia, que acabava de se casar.

    - Conheço um lugar que todo mundo desconhece. E, caso nos encontrem, com certeza levaremos a melhor sobre qualquer intruso, respondeu, segura de si, a mulher do chefe.

    As outras não fizeram mais perguntas; já estavam bem felizes de pensar que, no final de tudo aquilo, logo não teriam mais nada a ver com os homens.

    Naquela noite, quando os caçadores retornaram ao acampamento, como de costume, quase de mãos abanando, seus olhos se arregalaram de espanto e, já de longe, as bocas se encheram d'água.

    Diante das fogueiras, as índias temperavam um filhote de pecari, peixes e ovos de tartaruga. Havia beiju de mandioca espalhado por toda parte em abundância e as moringas estavam cheias do delicioso e capitoso álcool de coco.

    Os índios começaram a comer com formidável apetite e suas esposas, todas sorridentes, lhes traziam carne e mais carne, e não esqueciam de servir bebida. Elas próprias se mantinham respeitosamente um pouco afastadas, e não comiam sequer uma migalha da comida.

    Não demorou muito para que, por todo acampamento, ecoassem roncos satisfeitos.

    Era o que Toenza esperava. A um sinal dela, as mulheres se apossaram das armas dos índios e do seu curare, o temível veneno que eles passavam na ponta das flechas; carregaram as redes de dormir às costas e, em fila indiana, saíram do acampamento em silêncio.

    Durante dias e noites, a mulher do chefe as guiou através da floresta; elas atravessaram um grande rio e chegaram ao sopé de rochedos selvagens.

    - É aqui, nas Montanhas das Virgens! Aqui estaremos ao abrigo dos homens! - declarou Toenza. E elas sabiam muito bem do que Toenza estava falando.

    Os índios, abandonados por suas mulheres, logo encontraram o rastro delas e tentaram, pela doçura ou pela força, convencê-las a voltar com eles. Mas as mulheres, como feras, os obrigavam a fugir, ameaçando-os com suas flechas envenenadas.

    Montanhas das Virgens porque nenhum homem pode chegar lá. E, por causa do nome de Toenza, que foi sendo deformado, hoje se chamam Amazônia, e o grande rio em cujas margens aconteceu esta história se chama Amazonas.


Texto retirado do livro Alguns Contos e Fábulas - Contos da América do Sul, Volume 4. Tradução de Thereza Christina F. Stummer, Paulus Editora, São Paulo, 2002.

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