quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

A Pérola Fosforescente

    O Rei dos Dragões vivia, muito tempo atrás, bem distante daqui, no mar Ocidental. Ele tinha uma filha muito linda e ajuizada, que só lhe dera satisfação e alegria. Mas agora, com quase dezoito anos, começava a lhe dar preocupações. O rei dos dragões queria lhe dar um esposo, as ela teimava em não querer se casar. Um pretendente era magro demais, o outro muito gordo, o terceiro muito tolo, e assim por diante.

    Um dia o Rei, que não aguentava mais todas aquelas recusas, disse à filha:

    - Minha filha querida, diga-me afinal: que tipo de homem você deseja para esposo?

    - Não quero um homem rico, nem um alto funcionário; o que desejo é um rapaz honesto e corajoso - respondeu a donzela, corando um pouco.

    O Rei dos Dragões ordenou então a seus conselheiros que começassem a procurar um noivo como a sua filha queria. O general Caranguejo apresentou-se, mas a moça não o aceitou; o ministro Rã veio lhe propor alguém, mas a princesa só fazia sacudir a cabeça em sinal de recusa, até que, finalmente, o general Lagosta veio anunciar, todo glorioso, que havia encontrado o noivo ideal: um órfão, chamado A-eul, que morava não muito longe dali, no golfo; pobre, sim, mas com um coração de ouro e que não tinha medo de nada.

    Um noivo assim não podia agradar exageradamente ao Rei dos Dragões. Ele mandou chamar a filha e lhe disse:

    - Minha filha, é verdade que esse noivo não me agrada nem um pouco. Quem sabe como é de fato essa famosa coragem dele? Além disso, ele não tem sangue real, e não convém à nossa família.

    Mas a moça cismou que era aquele o noivo que ela esperava. Fugiu para o seu quarto, recusando-se a sair de lá, e começou a se lamentar e a derramar tantas lágrimas que isso fez o nível do mar subir.

    O Dragão, seu pai, não sabia o que fazer. Mandou chamar os seus conselheiros mais fiéis e conversou demoradamente com eles. Finalmente o general Lagosta teve uma ideia.

    Naquela noite A-eul, que morava não muito longe de lá, bem na curva do golfo, teve um sonho. Viu surgir um ancião de cabelos brancos, que lhe disse:

    - A-eul, vá depressa até a margem do rio, pois a sua noiva o espera lá.

    Naquele instante, acordou e contou o sonho ao irmão, que dormia na mesma cama. Mas aquele irmão mais velho tinha um temperamento invejoso. Ele esfriou depressa o entusiasmo do caçula:

    - O que está pensando? Como se uma noiva pudesse estar esperando por você! Quem iria aceitá-lo como noivo, pobre como você é? Durma, é melhor.

    A-eul voltou a dormir e o irmão aproveitou para se levantar sem fazer barulho e ir depressa até a beira do rio. Mas A-eul acordou e sentiu o lugar vazio ao seu lado. Lembrou-se então da visão que tivera e, para tirar tudo a limpo, também correu até o rio. Seu irmão saíra primeiro, mas ele foi tão rápido que os dois chegaram ao mesmo tempo.

    A água do rio estava calma e parecia adormecida e sua superfície irradiava uma luz prateada que se espalhava ao longe. A lua estava suspensa bem alto no céu, brilhante como uma moeda de ouro. Nas ondinhas murmurantes que vinham tocar de leve na margem banhava-se uma linda jovem e seus longos cabelos flutuavam ao sabor das ondas que a embalavam.

    - Bela donzela, você me aceita como seu marido? - perguntou-lhe ousadamente A-eul.

    - Não, ele não; escolha a mim! - exclamou depressa o irmão mais velho.

    - Eu me casarei com aquele que me trouxer a pérola fosforescente - declarou a jovem.

    - E onde se encontra essa pérola? - perguntaram, ao mesmo tempo, os dois irmãos.

    - Está escondida no palácio do meu pai, o poderoso Rei dos Dragões. Vou dar a cada um de vocês um grampo que lhes permitirá acalmar as águas agitadas do mar - disse ela.

    E enquanto falava, tirou dos cabelos dois grampos de prata, deu um a cada um dos irmãos e desapareceu, mergulhando nas águas do rio.

    Juntos, os dois irmãos se inclinaram diante do lugar onde a princesa dos Dragões tinha desaparecido e se puseram a caminho na mesma hora. Um deles tomou emprestado do vizinho um cavalo veloz e foi a galope para o mar Ocidental. A-eul vestiu o seu grande chapéu de palha, calçou suas sandálias de fibra de cânhamo e se pôs a caminho ao longo do rio, rumo ao Oriente.

    Era longo o caminho até o mar Ocidental do Rei dos Dragões, um caminho difícil, cheio de emboscadas assustadoras. Depois de passar muitos dias galopando, o mais velho dos irmãos foi parar num vilarejo totalmente invadido pelas águas, com todas as suas casas inundadas; as pessoas tinham de se movimentar de barco. O cavaleiro perguntou o que tinha acontecido e lhe responderam:

    - Faz dez dias que fortes chuvas fizeram o rio sair do leito, e agora, apesar do bom tempo, ele não quer voltar para lá; pelo contrário, a água continua subindo. Que coisa horrível! Parece que existe um jeito de fazer o rio voltar ao seu leito: batendo nele com a vara de ouro que se encontra no palácio do Rei dos Dragões.

    - É justamente para lá que estou indo - respondeu, todo orgulhoso, o irmão mais velho. - Vou trazer-lhes essa vara de ouro.

    E A-eul, que estava a pé, chegou pouco depois àquele mesmo vilarejo inundado. Ao saber do desastre que havia atingido aquele infeliz povoado, também prometeu trazer a vara de ouro do palácio do Rei dos Dragões, se porventura conseguisse obtê-la. Em seguida, retomou o seu caminho e, finalmente, chegou à beira do mar Ocidental. Mas, e o que foi que viu? Seu irmão, que tinha saído bem à sua frente, lá estava, parado, olhando a água que rugia, as ondas que arrebentavam como se estivessem furiosas.

    - Não tenha medo! - disse A-eul ao irmão e atirou com força nas águas fervilhantes o grampo que a princesa lhe dera.

    No instante em que o grampo tocou na primeira onda, a água se acalmou como que por encanto e abriu-se um caminho no mar, para permitir que os dois irmãos penetrassem no reino das águas.

    No palácio, foram recebidos pelo Rei dos Dragões em pessoa. Os dois irmãos lhe apresentaram educadamente o pedido: desejavam levar a pérola fosforescente para obter a mão de sua filha.

    - Sei o que os traz aqui - disse-lhes o Rei. - E vou realizar o desejo de vocês. Mas, neste reino das águas, a lei só permite que um mortal leve consigo um único objeto, apenas um tesouro. Portanto, escolham bem!

    Depois de falar assim, o Rei os levou até a câmara dos tesouros. Quando lhes abriu a porta, os dois irmãos prenderam a respiração, de tão admirados. As paredes eram todas incrustadas de pedras preciosas, o chão era feito de jade, e por onde se olhasse só se viam mil cintilações de diamantes, de ouro e pérolas. No centro de todo aquele esplendor, um brilho superava todos os outros: o da pérola mais rara, da pérola que brilha na noite, a pérola fosforescente!

    A-eul contemplou aquela maravilha, que poderia lhe valer a mão da sedutora princesa, mas, infelizmente, não podia levar a pérola! Na aldeia inundada o aguardavam, cheias de esperança e confiança, as pessoas a quem ele havia prometido, se pudesse, levar a vara de ouro que faria o rio retornar ao seu leito. Sem hesitar mais, foi para ela que se dirigiu, pedindo educadamente ao Rei:

    - Se Vossa Majestade permitir, levarei esta vara de ouro.

    No mesmo instante, o irmão mais velho se precipitava sobre a pérola fosforescente, apossando-se dela e por nada deste mundo a soltaria!

    - Levem cada um de vocês o seu tesouro. Talvez ele lhes traga a felicidade! - disse o Rei dos Dragões, com um estranho sorriso.

    Com isso, os dois irmãos saíram juntos do palácio.

    Quando chegaram à margem, o mais velho pulou para a sela e retomou a galope o caminho de volta. Não demorou a chegar ao vilarejo inundado, onde foi logo cercado pelos seus infelizes habitantes.

    - A vara de ouro, - gritaram - trouxe a vara de ouro?

    - Não, o Rei dos Dragões não deixou que a trouxesse - respondeu o jovem, que incitou o cavalo a continuar o seu caminho.

    Nesse meio-tempo, A-eul vinha vindo. Estava a pé, teve de caminhar muitos dias e noites, mas finalmente chegou ao vilarejo, onde a água subia cada vez mais.

    - Meus amigos, - gritou de longe - eu lhes trouxe a vara de ouro, a abençoada vara de ouro que me foi dada pelo Rei dos Dragões!

    Enquanto falava, debruçou-se sobre a água e começou a chicoteá-la com a vara de ouro. E - milagre dos milagres! a água começou imediatamente a recuar, a descer para o seu leito, onde retomou tranquilamente o seu curso de antes. O reconhecimento da população não tinha limite.

    - Como poderemos lhe retribuir tamanho favor, nosso jovem amigo e protetor?

    Tinham lágrimas nos olhos, por estarem em tal estado de pobreza que nenhum deles tinha nem mesmo um pequenino presente para dar ao jovem. Mas um deles viu, no lodo deixado pelo rio, uma grande concha. Abrindo-a, descobriu uma pérola negra, toda suja, mas afinal de contas uma pérola.

    - Rapaz, não temos nada apropriado para lhe dar, mas lhe pedimos que leve esta pérola como uma lembrança nossa.

    A-eul recebeu a pérola, agradeceu, e retomou seu caminho, dizendo com seus botões que a pérola que a princesa queria não era uma pobre pérola como aquela. Apesar de tudo, o sentimento de ter praticado uma boa ação o consolava.

    Nesse meio-tempo, o irmão mais velho já havia chegado ao golfo, onde encontrara a princesa. Inclinando-se profundamente diante dela, disse:

    - Princesa, trago-lhe a pérola fosforescente. Peço-lhe, então, que seja a minha mulher.

    - Volte à noitinha - respondeu ela. - Somente  a noite pode decidir se esta que você me traz é realmente a pérola fosforescente ou apenas uma pérola comum.

    Quando veio a noite, o irmão mais velho voltou à beira do rio com seu tesouro. Mas - oh, espanto! - a pérola brilhante, a pérola de oriente luminoso, não emitia o menor raio na escuridão da noite.

    - A pérola que você me trouxe não é a verdadeira - zangou-se a princesa.

    - Mas isso é impossível - disse zangado o irmão mais velho.

    Pegou a pérola da mão da princesa, para vê-la melhor, e, de repente, a pérola estourou. Na palma da mão do moço havia agora apenas uma gota de água.

    Alguns dias depois foi a vez de A-eul chegar à beira do golfo. Ele disse logo à princesa:

    - Peço-lhe que não me queira mal, princesa, mas não pude trazer-lhe a pérola do palácio real.

    - E o que traz aí, amarrado na ponta do seu lenço? -  perguntou ela curiosa.

    - Não é grande coisa, princesa. Apenas uma pérola bem comum, que me foi dada por uma boa gente, a caminho daqui.

    - Dê-me a pérola - disse a princesa, que a pegou e a colocou delicadamente na mão dele, que ela lhe pedira que estendesse.

    A-eul arregalou os olhos como duas rodas de carroça. Sim, era a formosa pérola, a pérola que ilumina a noite, a pérola fosforescente! Parecia que a luz viera pousar na sua mão. Dela saíam raios luminosos, que iam se perder na distância, fazendo brilhar toda a superfície do golfo.

    A princesa dos Dragões pegou então a pérola e a atirou para o alto, bem alto nos ares. A-eul olhava o que estava acontecendo, não acreditando no que via, todo estupefato. Acima de suas cabeças, ergueu-se nos ares um palácio encantado e no seu ponto mais alto cintila a pérola fosforescente, que parece indicar-lhes o caminho.

    A princesa segurou A-eul pela mão, dizendo com voz suave:

    - Olhe lá, no alto, é o seu coração bom e corajoso que está resplendendo!

    E o levou consigo para o seu palácio aéreo.


Um conto chinês; texto retirado do livro Alguns Contos e Fábulas, Volume 3; tradução de Thereza Christina F. Stummer, Paulus Editora, São Paulo, 2002.

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