quinta-feira, 10 de março de 2022

A Mamãe Leopoldina

Sou a senhora Leopoldina

locomotiva muito faceira,

solto fumaça, fico zangada,

vou chique-chique pela estrada.


Ando nervosa, nervosa eu fico,

dou o meu grito quando apito!


Pois o meu filho, o Zé Vagão,

me atormenta... Quem aguenta?

Ele só vive na contramão!


Se vou pra baixo, ele escorrega, 

o seu traseiro no trilho esfrega!


Se vou pra cima, ele reclama,

tem dor na rosca e só quer cama!


Quando eu paro na estação,

o meu filhote faz confusão:

come pipoca, cachorro-quente,

come cocada, pede empada,

fica doente, o Zé Vagão,

reclama tanto de indigestão...


E o meu filho, ai, o meu filho,

vai poluindo toda a estrada,

pingando óleo por todo o trilho!

O que é que eu faço com o Zé Vagão?

Estou cansada, puxo o menino,

ser mãe sofrida é meu destino?


O Zé Vagão, passado um tempo,

foi se tornando diferente...

O vagãozinho, muito esticado,

de bigodinho adolescente?


Estou sofrida, estou exausta,

puxo o vagão pelo caminho,

ai, a ladeira é longa e alta!


O Zé Vagão salta do trilho,

sai aos pulinhos, ali na roça, 

fica flertando com uma carroça?


Eu dou apito, grito que grito,

pego o danado desse meu filho,

volto com ele num choque-choque,

o danadinho requebra um roque?


Passou um tempo, fiquei velhota,

o meu filhote ficou ativo.

apita e grita, corre que corre, 

virou um pai Locomotiva.


Ele implicam com meu netinho,

o meu netinho Zé Vagãozito,

puxa a criança pela estrada,

eu não admito, fico zangada:


- Deixa o meu neto, ele é criança,

não atormenta o pobrezito,

o vagãozinho tem dor na rosca,

o coitadinho é tão fraquito!


Aí eu compro na estação

muito sorvete, pé-de-moleque,

compro empada, dou bombonzinho,

encho a pança do meu netinho.


Se pinga óleo... ai, que gracinha,

eu limpo o trilho, mudo a fraldinha.

Sou Leopoldina, vovó ativa,

velha senhora locomotiva.


História criada por Sylvia Orthof e retirada na Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Abril de 1995. 

quarta-feira, 9 de março de 2022

O Olho Cobiçoso

    Certa vez, na volta para a sua Macedônia, Alexandre Magno, rei grego e grande conquistador, passou por um rio que não conhecia. Apeou da sela e tirou da sacola um peixe salgado para o seu almoço. Mas quando se abaixou na margem do rio a fim de dessalgá-lo antes de comer, viu espantado que o peixe morto, ao ser tocado pela água corrente, súbito reviveu e saiu nadando.

    - Este rio só pode ter a sua nascente no Paraíso - pensou o rei - vou segui-lo até chegar lá.

    Tornou a montar no seu cavalo e partiu a galope, para pouco depois se ver diante dos esplêndidos portais do Paraíso, que estavam fechados. Ali, gritou autoritário:

    - Abram-se já, portais do Paraíso, para Alexandre Magno, o rei!

    Imediatamente uma voz profunda lhe respondeu:

    - Os portais da eternidade só se abrem para os pios e os puros.

    Percebendo que ele, guerreiro arrogante, jamais poderia entrar, Alexandre pediu mais humilde:

    - Deem-me ao menos alguma coisa para eu poder provar que estive diante dos portais celestiais!

    Então entreabriu-se uma pequeníssima fresta e um olho humano saiu rolando em direção ao rei. Alexandre recolheu o olho e, intrigado, retomou seu caminho de volta à Macedônia. Lá chegando, convocou os sábios do reino e perguntou-lhes o significado daquele estranho presente. Depois de pensar muito, o mais velho deles disse:

    - Pegue este olho, ó rei, e coloque-o sobre um dos pratos da grande balança do tesouro. No outro prato, ponha esta peça de ouro. Veremos qual dos dois pesa mais.

    Alexandre fez o que o sábio sugeriu e constatou, surpreso, que o pequenino olho pesava mais que a grande peça de ouro. Ele pôs outra moeda na balança e viu que o olho ainda pesava mais. Continuava mais pesado depois de um punhado de moedas e até de um barril e outro e mais outro cheios de ouro e joias!

    Vendo o espanto de Alexandre, o velho sábio disse:

    - Que isto lhe ensine uma lição, ó rei! Saiba que o olho humano nunca fica satisfeito com o que vê. Por mais tesouros que lhe mostrem, ele sempre quererá mais e sua cobiça pesará cada vez mais e mais.

    - Dá-me uma prova do que dizes - falou Alexandre, incrédulo.

    - Muito bem - retrucou o sábio. - Mande tirar da balança tudo o que fizeste colocar nela e substitua por um punhadinho de terra.

    Novamente, Alexandre seguiu a sugestão do sábio. No mesmo instante o prato com a terra desceu e levantou facilmente aquele do pequenino olho, que antes pesara mais do que todo o tesouro real.

    - Agora compreendi o significado disto! - exclamou o rei. - Enquanto o homem está vivo, sua cobiça não tem limites e seu olho nunca fica saciado e satisfeito. Mas assim que o homem morre e se transforma no pó da terra, seu olho perde a força e o peso. Não pode mais desejar nem cobiçar nada...


História da tradição judaica, recontada por Tatiana Belinky; retirada da Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Março de 1995.

terça-feira, 8 de março de 2022

O Gozador e o Duque

    O ex-palhaço de circo Till "Espelho de Coruja" Eulenspiegel percorria a Alemanha medieval a pé, pregando peças a torto e a direito, sempre escapando dos castigos e "rindo por último".

    Ele já havia aprontado poucas e boas no ducado de Luneburg, do qual fora expulso pelo duque, que prometera enforcá-lo caso se atrevesse a tornar a pôr os pés em suas terras. Till sumiu por algum tempo, mas um dia, para não ter de dar uma volta maior, decidiu atravessar as terras do duque, apesar da ameaça. Para isto, inventou um jeito: arranjou um burrico e uma carrocinha, comprou baratinho um pouco de terra de um lavrador que estava arando, encheu a carrocinha, subiu e se cobriu de terra até o pescoço. Assim entrou no território proibido. Mas, quando já estava quase saindo do ducado, teve o azar de cruzar com o próprio duque, que estava caçando na região. Este o reconheceu apesar do "disfarce" e gritou furioso:

    - O que fazes aqui, malandro? Desce já daí, para seres enforcado! Bem sabes que estavas proibido de pôr os pés nas minhas terras!

    - Eu não estou pisando nas vossas terras, Excelência! - retrucou Till. - A terra onde estou sentado é minha, comprei-a de um camponês, com o meu dinheiro, e agora ela é minha, legalmente. Portanto, não transgredi vossa lei e proibição.

    O duque não teve outro jeito senão responder, raivoso:

    - Manda-te já pra fora da minha terra, com a "tua" terra, ó sacripanta! Mas se ousares mostrar este teu focinho descarado aqui outra vez, serás enforcado na hora, sem perguntas, com carroça, burrico e tudo o mais!

    Till Eulenspiegel não se fez de rogado, é claro. E foi assim que, mais uma vez, escapou do castigo e riu por último.


História do folclore alemão recontada pela escritora de Literatura Infantil Tatiana Belinky. Retirado da Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Dezembro de 1994.

segunda-feira, 7 de março de 2022

Sintonia Moral

    As leis de afinidade ou de sintonia, que vigem em toda parte, respondem pela ordem e pelo equilíbrio universal.

    Pequena alteração para mais ou para menos, entre os fenômenos do eletromagnetismo e as forças da gravitação universal, tornaria as estrelas gigantes azuis ou pequenas astros vermelhos, perdidos no caos.

    Transferidas para a ordem moral, as leis de afinidade promovem os acontecimentos vinculando os indivíduos, uns aos outros, de forma que o intercâmbio seja automático, natural.

    Mentes especializadas mais facilmente se buscam, em razão do entendimento e interesse que as dominam na mesma faixa de necessidade.

    Sentimentos viciosos encontram ressonância em caracteres morais equivalentes, produzindo resultados idênticos.

    O homem colérico sempre encontrará motivo para a irritação; assim como a pessoa dócil com facilidade identifica as razões para desculpar e entender.

    Há uma inevitável atração entre personalidades de gostos e objetivos semelhantes, como repulsa em meio àqueles que transitam em faixas de valores que se opõem.

    Na área psíquica, o fenômeno é idêntico.

    Cada mente irradia-se em campo próprio, identificando-se com aquelas que aí se expandem.

    O psiquismo é o responsável pelos fenômenos físicos e emocionais do ser humano.

    Conforme a expansão das ideias, vincula-se a outras mentes e atua na própria organização fisiológica em que se apoia, produzindo manifestações equivalentes à onda emitida.

    Assim, os pensamentos positivos e superiores geram reações salutares, tanto quanto aqueloutros de natureza perturbadora e destrutiva produzem desarmonia e insatisfação.

    No campo das expressões morais, o fenômeno prossegue com as mesmas características.

    Os semelhantes comportamentos entre os homens e os Espíritos jungem-se, impondo-lhes interdependência de consequências imprevisíveis.

    Se possuem um teor elevado, idealista, impelem os seres encarnados quão desencarnados a realizações santificantes, enquanto que os de caráter vulgar facultam intercâmbio obsessivo ou tipificado pela burla, mentira, insanidade...

    É portanto, inevitável afirmar-se que as qualidades morais do médium são de alta importância para o salutar intercâmbio entre os homens e os Espíritos.

    Somente as entidades inferiores se apresentam por intermédio dos médiuns vulgares, insatisfeitos, imorais...

    Os mentores, como é natural, sintonizam com aqueles que se esforçam por melhorar-se, empenhados na sua transformação moral, que combatem as más inclinações e insistem para vencer o egoísmo, o orgulho, esses cânceres da alma que produzem terríveis metástases na conduta do indivíduo.

    Pode-se e deve-se, pois, examinar o valor e a qualidade das comunicações espirituais, tendo-se em conta o caráter moral do médium, seu comportamento, sua vida.

    Jesus, o excelente Médium de Deus, demonstrou a grandeza da Sua perfeita identificação com o Pensamento Divino, através da esplêndida pureza e elevação que O caracterizavam.


Retirado do livro Momentos de Meditação; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.

domingo, 6 de março de 2022

Libertação

    A finalidade precípua e mais importante da reencarnação diz respeito ao processo de autoiluminação do espírito.

    Herdeiro de suas próprias experiências, mantém atavismos negativos que o retêm nas paixões perturbadoras, aturdindo-se com frequência, na busca frenética do prazer e posse. Como consequência, as questões espirituais permanecem-lhe em plano secundário, sem conceder-se ensejo de crescimento libertador.

    Indispensável que se criem as condições favoráveis ao desenvolvimento dos seus valores éticos e espirituais que não devem ser postergados. Somente através desse esforço - que é o empenho consciente para o autoencontro, o denodo para romper com as amarras selvagens da ignorância, da acomodação, da indiferença - que o logro se torna possível.

    Há pessoas que detestam a solidão, afirmando que esta lhes produz depressão e angústia, sensação de abandono e de infelicidade.

    Outras, no entanto, buscam-na como terapia indispensável ao refazimento das forças exauridas, caminho seguro para o  reexame de atitudes, para a reflexão em torno dos acontecimentos da vida.

    A solidão, todavia, não é boa nem má. Os valores dela defluentes são sentidos de acordo com o estado de espírito de cada ser.

    O silêncio produz em alguns indivíduos melancolia e medo. Parece sugerir-lhes um abismo apavorante, ameaçador.

    Em outras pessoas, faculta a paz, o processo de readaptação ao equilíbrio, abrindo espaço para o autoconhecimento.

    O silêncio, no entanto, não é positivo ou negativo. Conforme o estado íntimo de cada um, ele propicia o que se faz necessário à paz, à alegria.

    Muitos homens se atiram afanosamente pela conquista do dinheiro, nele colocando todas as aspirações da vida como a meta única a alcançar. fazem-se, até mesmo, onzenários.

    Inúmeros outros, todavia, não lhe dão maior valor, desperdiçando-o com frivolidade, esbanjando-o sem consideração. Terminam, desse modo, na estroinice, na miséria econômica.

    O dinheiro, entretanto, não é essencial ou secundário na vida. Vale pelo que pode adquirir e segundo a consideração de que se reveste transitoriamente.

    É indispensável que inicies o processo da tua libertação quanto antes.

    Faze um momento habitual de solidão, onde quer que te encontres. Não é necessário que fujas do mundo, porém que consigas um espaço mental e doméstico para exercitares abandono pessoal e aí fazeres silêncio, meditando em paz.

    Não digas que o tempo não te faculta ocasião.

    Renuncia a alguma tarefa desgastante, a alguma recreação exaustiva, ao tempo que dedicas ao espairecimento saturador e aplica-o à solidão.

    Nesse espaço, isola-te e silencia.

    Deixa que a meditação refunda os teus valores íntimos e logre libertar-te das paixões escravizantes.

    Considera o dinheiro e todos os demais valores como instrumentos para finalidades próximas, cuidando daqueloutros de sabor eterno e plenificador, que se te fazem essenciais para o êxito na tua jornada atual, a tua autoiluminação libertadora.


Texto retirado do livro Momentos de Felicidade; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 5ª Edição, 2014.

sábado, 5 de março de 2022

Arte e ciência de ajudar

    A indiferença ante a dor do próximo é congelamento da emoção, que merece combate.

    À medida que o homem cresce espiritualmente, mais se lhe desenvolvem no íntimo os sentimentos nobres.

    Certamente não se deve confundi-los com os desregramentos da emotividade; igualmente não se pode controlá-los a ponto de tornar-se insensível.

    No bruto, a indiferença é o primeiro passo para a crueldade, porta que se abre na emoção para inúmeros outros estados de primitivismo.

    A indiferença coagula as expressões da fraternidade e da solidariedade, ensejando a morte do serviço beneficente.

    O antídoto para esse mal, que reflete o egoísmo exacerbado, é o amor.

    Se não pretendes partilhar do sofrimento alheio, ao menos minora-o com migalhas do que te excede.

    Se não queres conviver com a dor do teu irmão, ajuda-o a tê-lo diminuída com aquilo que te esteja ao alcance.

    Se defrontas multidões de necessitados e não sabes como resolver o problema, auxilia o primeiro que te apareça, fazendo a tua parte.

    Se te irrita a lamentação dos que choram, silencia-a com o teu contributo de amizade.

    Imagina-te no lugar de algum deles e saberás o que fazer, como efeito natural do que gostarias que alguém fizesse por ti.

    Ninguém está seguro de nada, enquanto se encontra na Terra.

    A roda das ocorrências não para.

    Quem hoje está no alto, amanhã terá mudado de lugar e vice-versa.

    E não só por isso.

    Quem aprende a abrir a mão em solidariedade, termina por abrir o coração em amor.

    Dá o primeiro passo, o mais difícil. Repete-o, treina os sentimentos e te adaptarás à arte e ciência de ajudar.

    Há quem diga que os infelizes de hoje estão expiando os erros de ontem, na injunção de carmas dolorosos. Ajudá-los, seria impedir que os resgatassem.

    É correto que a dor de agora procede de equívocos anteriores, porém, a indiferença dos enregelados, por sua vez, lhes está criando situações penosas para mais tarde.

    Quem deve, paga, é da Lei. Mas quem ama dispõe dos tesouros que, quanto mais se repartem, mais se multiplicam. É semelhante â chama que acende outros pavios e sempre faz arder, repartindo-se, sem nunca diminuir de intensidade.

    Faze, pois, a tua opção de ajudar, e o mais a Deus pertence.


Texto retirado do livro Momentos de Meditação; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª edição, 2014.

sexta-feira, 4 de março de 2022

Issum Boshi, o Polegarzinho

    Um casal que viveu muito tempo atrás ia sempre ao templo orar e rogar por um filho, mesmo que ele fosse do tamanho de um dedo.

    Seu desejo foi atendido. O filho que nasceu era do tamanho de um polegar e recebeu um nome tão bonito quanto ele: Issum Boshi. Era esperto e saudável, embora permanecesse sempre do mesmo tamanho.

    Viviam os três muito felizes na mesma casa, mas um dia chegou a hora de ele partir. Issum Boshi queria conhecer a capital.

    Muito pesarosos, os pais não tiveram como dissuadi-lo da ideia. De uma agulha de costura fizeram para ele uma espada, única arma para defender-se dos perigos que teria de enfrentar.

    Viajando num barco pouco maior que um dedal, contornando o rio que corria ao lado de sua casa, enfrentando as carpas que queriam devorá-lo, desviando-se das pedras e tomando cuidado para não despencar nas cachoeiras, Issum Boshi finalmente chegou à capital.

    Teve de ficar muito atento para não ser pisoteado por aquela quantidade tão grande de pessoas até atingir as portas de um grandioso palácio. O senhor que o atendeu a muito custo conseguiu divisá-lo junto aos seus chinelos de madeira, mas ouviu atentamente o que ele lhe dizia, com muita convicção:

    - Senhor, é nesta casa que quero trabalhar. Sei que aqui poderei prestar serviços valiosos.

    Foi contratado para servir a linda filha do senhor, que era muito dedicada à arte de caligrafia. Ao preparar-lhe as tintas para o treino diário, foi logo tratando de aprender todos os passos do ofício.

    Certo dia a moça decidiu ir ao templo para fazer suas orações acompanhada de Issum Boshi e de alguns fiéis empregados.

    Confiante e corajosa, partiu também disposta a enfrentar um perigosíssimo gigante, armado com um martelo, que vivia por aquela região.

    Já estavam voltando das orações quando o gigante surgiu diante deles. Todos fugiram, apavorados. Só Issum Boshi, com sua espada feita de agulha de costura, enfrentou o perigoso inimigo. Zombando muito dele, o gigante o engoliu inteirinho.

    Polegarzinho não perdeu tempo. Desceu goela abaixo do gigante, espetando-o sem parar. Do estômago subiu para a garganta, provocando intensa dor e obrigando o gigante a cuspi-lo e a fugir espavorido para as montanhas.

    Na pressa, o inimigo esqueceu o martelo.

    A jovem patroa de Polegarzinho, vendo o martelo, disse as palavras que soaram como música aos seus ouvidos:

    Ouvi falar da existência de um martelo que tem o poder de atender a qualquer pedido ao se dar marteladas com ele. Quer fazer um pedido, Issum Boshi?

    - Ah! Eu gostaria imensamente de crescer.

    A moça bateu de leve com o martelo em sua cabeça, fazendo o pedido com muita suavidade.

    - Cresça, Issum Boshi. Cresça!

    Ele foi crescendo e crescendo e se transformou no rapaz mais bonito que a filha do senhor tinha visto em toda a sua vida.

    Issum Boshi chamou os pais e todos viveram juntos e felizes por muitos e muitos anos.


Uma lenda japonesa adaptada por Sylvia Manzano. Retirado do revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Setembro de 1994.

quinta-feira, 3 de março de 2022

O Pássaro do Poente

    Esta lenda, acontecida muito tempo atrás, começa numa manhã de inverno, quando um jovem socorre uma cegonha que havia sido atingida por uma flecha.

    Sendo humilde, bom e trabalhador, fica comovido com o profundo olhar de gratidão que recebe da cegonha antes dela alçar voo para os ares.

    Dias depois, já a avançadas horas da noite, alguém bate à sua porta. Uma linda e delicada moça, que havia se perdido no caminho devido ao mau tempo, vem lhe solicitar abrigo por apenas uma noite.

    Imediatamente acolhida pelo bondoso rapaz, ela vai se aquecer ao pé do fogo que crepitava alegremente na lareira. E como o inverno era muito rigoroso, a moça foi ficando. Preparava deliciosas refeições.

    Conversando muito, um se sentindo alegre na companhia do outro, acabaram se apaixonando. E resolveram se casar.

    Quando chega a primavera, a jovem esposa faz um pedido ao marido:

    - Gostaria de possuir um tear. Você poderia vender na cidade os tecidos que eu fizesse.

    Com prontidão, seu pedido foi atendido.

    Construído o quarto do tear, a mulher avisa que se trancaria durante três dias para realizar sua tarefa e impõe uma condição ao marido:

    - Jamais você deverá olhar enquanto eu estiver tecendo. Curiosíssimo, o marido esperou os três dias passarem e ficou maravilhado com o tecido que a mulher trazia nas mãos.

    A delicadeza das estampas e a leveza do pano imediatamente atraíram um comprador, que por ele pagou várias moedas de ouro.

    O homem voltou correndo para casa, trazendo as boas novas para a esposa, que prometeu tecer outro pano no dia seguinte.

    Repetindo a recomendação de jamais poder ser observada enquanto tecia, a mulher trancou-se novamente no quarto.

    Quando saiu, com um trabalho ainda mais deslumbrante que o primeiro, estava pálida e abatida.

    O marido nada percebeu, ansioso que estava pelo tilintar das moedas de ouro em seu bolso.

    Pela terceira vez ela se trancou no quarto, repetindo a mesma recomendação. Mas, desta vez, o marido não resistiu. A curiosidade dominou seu coração e ele foi espiar pelo buraco da fechadura, tratando de aquietar sua consciência:

    - Que mal poderá fazer uma olhadinha apenas? Assim pensou e assim fez. Lá dentro viu uma cegonha frente ao tear, arrancando suas próprias penas para entremeá-las aos fios e compor os desenhos.

    Ao final do terceiro dia, trazendo nas mãos o tecido acabado, a mulher disse, com muita tristeza nos olhos e na voz:

    - Sou aquela cegonha salva por você na neve. Voltei, transformada em mulher, para agradecer aquele seu ato de amor espontâneo e desinteressado. Agora que você já sabe de tudo, não posso continuar vivendo aqui.

    As súplicas e rogos do marido de nada adiantaram. Ele viu, por entre as lágrimas, uma cegonha magra e já quase sem penas voando em linha reta, com muita determinação, em direção ao poente.


Uma lenda japonesa adaptada por Sylvia Manzano. Retirado da Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Agosto de 1994.

quarta-feira, 2 de março de 2022

Santo Antônio dá fogo aos homens

    No tempo em que não existia o fogo, os homens, desesperados, foram implorar ajuda a Santo Antônio. O fogo se achava no inferno e Santo Antônio, apiedando-se dos homens, resolveu ir buscá-lo.

    Santo Antônio trabalhara como guardião de porcos e um dos seus leitões o acompanhava sempre. Então lá foram eles: Santo Antônio, o leitão e seu bastão de férula. Assim, apresentou-se na porta do inferno:

    - Tenho frio e quero me esquentar. Abram para mim.

    - Não. Nós não o reconhecemos. Não abrimos pra você. O porco, é claro, deixamos entrar. Você, não!

    E foi aí que tudo começou: o porco, assim que se viu no inferno, começou a aprontar uma grande confusão. Os diabos não conseguiam agarrá-lo nem expulsá-lo e acabaram apelando para Santo Antônio, que ficara do lado de fora da porta:

    - Venha buscar aquele seu porco maldito.

    Santo Antônio entrou mais que depressa no inferno, tocou o porco com seu bastão e ele aquietou-se imediatamente.

    - Bom - disse o santo homem -, já que estou aqui, vou me sentar um pouco e esquentar as minhas mãos.

    A todo instante passava um diabo correndo para contar a Lúcifer sobre almas que ele fizera cair em tentação. Santo Antônio aproveitava para dar-lhe pancadas nas costas com seu bastão de férula.

    - Abaixe imediatamente esse bastão - disseram os diabos. - Não gostamos dessas brincadeiras.

    Santo Antônio, que na verdade era muito brincalhão, pousou o bastão a seu lado e o primeiro diabo que passou correndo para dar uma boa notícia a Lúcifer tropeçou e deu de cara no chão.

    - Já perdemos a paciência com esse bastão. Vamos queimá-lo já.

    Dizendo isso, os diabos colocaram a ponta dele nas chamas. O porco, como que avisando, começou a revirar tudo: montes de lenha, ganchos, tochas.

    Santo Antônio, muito calmo, disse apenas:

    - Se quiserem que o acalme é só me devolverem o bastão.

    Dito e feito. O bastão foi devolvido e o porco acalmou-se novamente.

    Para alívio de todos os diabos, lá se foram Santo Antônio, o bastão e o porco. O que eles não sabiam é que o bastão era de férula, uma madeira que apresenta a seguinte propriedade: por ter o miolo poroso, se uma centelha penetra nela, fica queimando escondida, sem que se perceba.

    Vendo-se em liberdade, Santo Antônio girou o bastão pelos ares, as centelhas começaram a voar e, para grande alegria dos homens, a partir daquele instante houve fogo na terra.

    Feliz, Santo Antônio voltou ao seu deserto para meditar. Junto com seu porco, é claro.


Uma lenda italiana adaptada por Sylvia Manzano. Retirado da Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Junho de 1994.

terça-feira, 1 de março de 2022

A lenda do galo de Barcelos

    Barcelos é uma bela cidade povoada de inúmeros monumentos, que fica na região do Minho, norte de Portugal. O mais consagrado de todos os monumentos é um simples e pequeno galo: em barro, multicolorido, cabeça erguida e um certo ar viril de desafio. As características do verdadeiro galo de Barcelos são:

* corpo preto com bordas multicoloridas;

* crista vermelha

* corações vermelhos, símbolo do amor, circundados por bolinhas brancas, símbolo da paz;

* trevo de quatro folhas, símbolo da sorte;

* folhas verdes imitando as folhas de oliveira;

* miosótis coloridos, símbolo silvestre.

    Conta a lenda que toda a aldeia de Barcelos andava alarmada com um crime praticado nessas terras.

    Certo dia apareceu ali um galego (nome depreciativo dado aos nascidos na Galícia), que se tornou imediatamente suspeito de tal crime. As autoridades resolveram prendê-lo e, apesar dos seus juramentos de inocência, ninguém acreditou nele.

    O galego se dirigia a São Tiago de Compostela em cumprimento de uma promessa. Era fervoroso devoto do santo que se venerava em Compostela, assim como de São Paulo e de Nossa Senhora.

    Mesmo assim foi condenado à forca.

    Antes de ser enforcado, pediu que o levassem à presença do juiz quew o condenara.

    De má vontade, o magistrado, que nesse momento estava no meio de um banquete com alguns amigos, atendeu àquele pobre homem.

    O condenado voltou a reafirmar sua inocência perante o incrédulo público, dizendo: - É tão certo eu estar inocente, como certo é esse galo cantar quando me enforcarem.

    Risos e comentários não se fizeram esperar, mas, pelo sim e pelo não, ninguém tocou no galo.

    Então, o que parecia impossível tornou-se realidade. Amanheceu e o peregrino estava pra ser enforcado. O galo assado ergueu-se na mesa e cantou.

    Já ninguém duvidava da inocência do condenado.

    O juiz, homem temente a Deus e temeroso de cometer semelhante injustiça, vestido ainda de camisolão, correu desabalado até a forca.

    Com espanto viu o pobre homem com a corda ao pescoço. Gritando desesperadamente "soltem este homem, soltem este homem", viu finalmente o homem ser solto e mandado embora em paz.

    Passados anos, o homem voltou a Barcelos e fez erguer o monumento em louvor  à Virgem e a São Tiago.


Uma lenda portuguesa adaptada por Sylvia Manzano. Retirado da Revista Nova Escola, Março de 1994. Fundação Victor Civita. Editora Abril.