quinta-feira, 3 de março de 2022

O Pássaro do Poente

    Esta lenda, acontecida muito tempo atrás, começa numa manhã de inverno, quando um jovem socorre uma cegonha que havia sido atingida por uma flecha.

    Sendo humilde, bom e trabalhador, fica comovido com o profundo olhar de gratidão que recebe da cegonha antes dela alçar voo para os ares.

    Dias depois, já a avançadas horas da noite, alguém bate à sua porta. Uma linda e delicada moça, que havia se perdido no caminho devido ao mau tempo, vem lhe solicitar abrigo por apenas uma noite.

    Imediatamente acolhida pelo bondoso rapaz, ela vai se aquecer ao pé do fogo que crepitava alegremente na lareira. E como o inverno era muito rigoroso, a moça foi ficando. Preparava deliciosas refeições.

    Conversando muito, um se sentindo alegre na companhia do outro, acabaram se apaixonando. E resolveram se casar.

    Quando chega a primavera, a jovem esposa faz um pedido ao marido:

    - Gostaria de possuir um tear. Você poderia vender na cidade os tecidos que eu fizesse.

    Com prontidão, seu pedido foi atendido.

    Construído o quarto do tear, a mulher avisa que se trancaria durante três dias para realizar sua tarefa e impõe uma condição ao marido:

    - Jamais você deverá olhar enquanto eu estiver tecendo. Curiosíssimo, o marido esperou os três dias passarem e ficou maravilhado com o tecido que a mulher trazia nas mãos.

    A delicadeza das estampas e a leveza do pano imediatamente atraíram um comprador, que por ele pagou várias moedas de ouro.

    O homem voltou correndo para casa, trazendo as boas novas para a esposa, que prometeu tecer outro pano no dia seguinte.

    Repetindo a recomendação de jamais poder ser observada enquanto tecia, a mulher trancou-se novamente no quarto.

    Quando saiu, com um trabalho ainda mais deslumbrante que o primeiro, estava pálida e abatida.

    O marido nada percebeu, ansioso que estava pelo tilintar das moedas de ouro em seu bolso.

    Pela terceira vez ela se trancou no quarto, repetindo a mesma recomendação. Mas, desta vez, o marido não resistiu. A curiosidade dominou seu coração e ele foi espiar pelo buraco da fechadura, tratando de aquietar sua consciência:

    - Que mal poderá fazer uma olhadinha apenas? Assim pensou e assim fez. Lá dentro viu uma cegonha frente ao tear, arrancando suas próprias penas para entremeá-las aos fios e compor os desenhos.

    Ao final do terceiro dia, trazendo nas mãos o tecido acabado, a mulher disse, com muita tristeza nos olhos e na voz:

    - Sou aquela cegonha salva por você na neve. Voltei, transformada em mulher, para agradecer aquele seu ato de amor espontâneo e desinteressado. Agora que você já sabe de tudo, não posso continuar vivendo aqui.

    As súplicas e rogos do marido de nada adiantaram. Ele viu, por entre as lágrimas, uma cegonha magra e já quase sem penas voando em linha reta, com muita determinação, em direção ao poente.


Uma lenda japonesa adaptada por Sylvia Manzano. Retirado da Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Agosto de 1994.

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