sexta-feira, 18 de março de 2022

O Samurai e a Cerejeira

    No distrito de Iyo, no Japão, existe uma árvore antiquíssima. É chamada de "cerejeira do 16º dia" porque, nesse dia do primeiro mês do ano lunar, ela se cobre de flores - e somente nesse dia. As cerejeiras costumam florir na primavera, mas essa árvore é diferente: floresce no inverno, porque dentro dela habita o espírito de um ser humano.

    Sobre ela conta-se curiosa história. Havia muitos e muitos séculos, a cerejeira crescia no jardim de um samurai (guerreiro), que a amava muito. Durante muitos anos, ele se deliciou com a formosa e perfumada florada no 16º dia do primeiro mês de cada ano.

    O samurai teve vida longa. Viveu tanto tempo que viu morrer toda a sua família: pais, irmãos, filhos, netos e até bisnetos. Ficou muito velho e muito só, sem ninguém a quem dedicar afeto e carinho. Vira a cerejeira crescer e florescer desde criança. Os pais e os avós dele já haviam brincado à sombra da árvore.

    Na sua solidão de ancião, todo o amor do samurai se voltou para aquela cerejeira já bem velha, mas que ficava viçosa e florida sempre no mesmo dia, todos os anos, para alegria e consolo de seu coração solitário.

    Os anos foram passando. Até que, num certo 16º dia do primeiro mês de certo ano, a cerejeira amanheceu nua e seca. O velho caiu em profunda tristeza. Não deixou que arrancassem a árvore morta, na esperança de que no ano seguinte ela revivesse. Mas a pobre cerejeira ficava cada vez mais seca.

    O samurai ficou tão abatido que os vizinhos se condoeram e lhe deram de presente uma cerejeira nova, a mais bonita que puderam encontrar. O velhinho agradeceu, fingindo ficar satisfeito com o presente, mas no fundo da alma continuava roído de tristeza. Sentia saudade da florada de inverno da árvore amada.

    Dia e noite ele pensava na cerejeira, inconsolável. Mas, no ano seguinte, quando chegou o 16º dia do primeiro mês, teve de repente uma ideia que lhe pareceu feliz: lembrou-se de uma coisa na qual todos, naquela região, acreditavam. Era que, quando alguém o desejava muito, e os deuses o permitiam, a pessoa podia fazer uma permuta: trocar a sua própria vida pela de uma planta, de um animal ou mesmo de um inseto!

    Então, o velho samurai saiu para o jardim e, ajoelhado junto à cerejeira seca e morta, falou com ela, suplicando:

    - Por favor, minha cerejeira amada. Eu te imploro. Tem pena de mim e atende ao meu humilda pedido: floresce só mais uma vez, para que eu possa morrer em teu lugar!

    Depois da súplica, voltou para casa e lá pegou os seus mais alvos lençóis e seus mais ricos tapetes, que estendeu ao pé da árvore seca. Então, solenemente, sentou-se no tapete e, sem hesitar, fez o haraquiri, rasgando o próprio ventre com a sua espada, conforme a tradição dos samurais. E morreu feliz, com um sorriso nos lábios.

    No mesmo instante, o espírito do velho saiu de seu corpo e entrou na árvore seca. A cerejeira morta reviveu. Fresca e viçosa como antes, cobriu-se de flores lindas e perfumadas.

    Desde então, com a neve ainda atapetando o chão, a antiquíssima cerejeira continua florescendo a cada 16º dia do primeiro mês de cada ano novo, vestindo-se de flores e enchendo o jardim de perfume e beleza.

    E de todas as partes, dos povoados mais distantes, sai gente nesse dia para ver a cerejeira florir milagrosamente - e fazer toda sorte de pedidos ao espírito do velho samurai que nela se abriga.


Lenda do folclore japonês recontada por Tatiana Belinky. Retirado da Revista Nova Escola. Fundação Victor Civita. Editora Abril. Março de 1996.

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