quinta-feira, 31 de março de 2022

O Boato

    O salsicheiro Nhô Zeca era um homem feliz. Trabalhava muito e gostava tanto do seu trabalho que só trabalhava cantando assim: "Tiroliroleca, eu sou o Nhô Zeca/ Tiroliroliça, eu encho linguiça/ Tirolirolom, meu trabalho é bom/ Tirolirolima, canto e faço rima".

    A única coisa que perturbava a felicidade de Nhô Zeca era seu vizinho Nhô Juca, falastrão e fofoqueiro. Esse Nhô Juca também gostava de encher, mas não era salsicha nem linguiça e sim, a paciência do bom Nhô Zeca. Com suas fofocas intermináveis, interrompia-lhe o trabalho e a alegre cantoria. Até que um certo dia, na véspera do 1º de maio, quando o salsicheiro tinha mais trabalho do que de costume, ele perdeu a paciência e decidiu se livrar do vizinho importuno, nem que fosse só por um dia. Então, quando Nhô Juca entrou, Nhô Zeca deixou-o falar um pouco e de repente bateu com a mão na testa:

    - Ó, Nhô Juca, desculpa se te interrompo, mas eu quase ia me esquecendo de contar uma coisa muito importante: eu soube que lá na praça do mercado estão distribuindo cestas básicas de graça para as pessoas nascidas nesta aldeia, como tu, Nhô Juca!

    - Cestas básicas de graça! Oba!, gritou Nhô Juca, já se voltando para correr. Obrigado pela informação, Nhô Zeca.

    - De nada, os amigos são para isso, gritou Nhô Zeca no encalço do vizinho, que logo sumiu de vista.

    Nhô Zeca, satisfeito por ter-se livrado do outro pelo menos por aquele dia, voltou ao trabalho, cantando sua musiquinha. O trabalho rendia, as salsichas e as linguiças se sucediam, suculentas e rechonchudas. Nhô Zeca entretido, nem sentia o tempo passar. E até se esqueceu do chato do vizinho, quando, de repente, viu passar um homem todo esbaforido, correndo a toda. Logo depois uma mulher também passou correndo e, em seguida, outro homem e mais outro, todos muito apressados e afobados. Até que Nhô Zeca não resistiu à curiosidade e segurou pelo braço um gorducho que corria, bufando:

    - Desculpa, amigo, mas o que está acontecendo para tanta gente assim, na mesma direção?

    - Como, arfou o gorducho, enxugando o suor da testa, tua não sabias? Lá na praça do mercado estão distribuindo cestas básicas de graça! Vou correndo, senão elas acabam!

    - Cestas básicas de graça?!, espantou-se Nhô Zeca. Eu é que não vou perdeu uma boca-livre dessas. As salsichas que me esperem!

    E Nhô Zeca, esquecendo-se até de fechar a porta, disparou para a praça do mercado, correndo a bom correr. E caindo no engodo do boato que ele próprio inventara, soltara e deixara se espalhar pela boca do fofoqueiro Nhô Juca!


Conto de Tatiana Belinky retirado da revista Nova Escola, Maio de 1997. Fundação Victor Civita. Editora Abril.

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