segunda-feira, 21 de março de 2022

O Banquete da Vingança

    Há muitos séculos, em Mênfis, a opulenta capital do antigo Egito, o rei, um jovem faraó, foi traiçoeiramente assassinado. A bela rainha Nicrotis, viúva do faraó, aceitou o trono que seus súditos lhe ofereciam. Imediatamente, marcou a data da sua coroação, tão cedo que o povo até estranhou, pois parecia que ela esquecera depressa demais seu jovem esposo, traído e assassinado.

    A rainha queria celebrar de forma excepcionalmente suntuosa sua ascensão ao trono egípcio e, para os esplêndidos festejos, mandou construir um enorme salão subterrâneo, ricamente decorado. Nele iria recepcionar, em nababesco banquete, especialmente convidados, grandes e importantes personagens do reino. Seria um banquete do qual ninguém iria se esquecer. Ela prometeu que, após o festim, o povo poderia apreciar um grande espetáculo.

    As obras começaram em ritmo acelerado, com milhares de escravos trabalhando. O suntuoso salão ficou pronto em tempo recorde.

    Logo chegou o dia marcado para o grande festim e os convidados foram chegando, animados e ricamente ataviados. Prontamente, começou o banquete, de requintadas iguarias e capitosas bebidas, em meio à maior magnificência e solenidade.

    A rainha Nicrotis presidia o banquete, mais formosa do que nunca, imponente e majestosa, com um fulgor estranho nos grandes e majestosos olhos negros.

    O festim já andava pelo meio quando, de repente, se ouviu um ruído formidável, um fragor ensurdecedor, enquanto uma grande e feroz alegria inundava as harmoniosas feições da rainha. Ao mesmo tempo, os rostos dos convivas ficavam lívidos de espanto e pavor. É que, presos naquele subterrâneo, eles acabavam de se dar conta de haver caído numa armadilha. Perceberam que, reunidos naquele salão, estavam apenas aqueles cortesãos e nobres da corte que haviam tramado a traição e perpetrado o assassinato do jovem faraó. E agora se cumpria a vingança da rainha Nicrotis: ela mandara construir o salão subterrâneo cercado de enormes bocas de água, disfarçadas de tapadeiras decorativas nas paredes. Tapadeiras essas que, a um sinal da rainha, caíram, deixando entrar torrentes de água por todos os lados, invadindo e inundando o salão, que só tinha uma entrada - fechada - e nenhuma saída.

    Em poucos minutos, o grande salão subterrâneo estava inundado. Os convidados, condenados a morrer afogados, só tiveram tempo de ouvir a voz da rainha Nicrotis proclamando triunfante:

    - Os traidores devem morrer traídos!

    Ninguém conseguiu escapar, ninguém se salvou. O teto do subterrâneo desabou, afundando e cobrindo para sempre aquele enorme tanque, submergindo naquela líquida sepultura, para sempre, todos os que ali se encontravam, inclusive a rainha, que pereceu junto com os traidores.

    No dia seguinte, conforme fora prometido, o povo de Mênfis pôde ver o lugar do trágico banquete da coroação. Todos os corações se encheram de admiração pela coragem da rainha Nicrotis, que não hesitara em sacrificar sua própria vida para que todos os traidores e assassinos do jovem faraó seu esposo tivessem a sorte e a morte que mereciam.

    Foi esse banquete da vingança da rainha Nicrotis.


Conto egípcio recontado pela escritora Tatiana Belinky. Retirado da Revista Nova Escola. Fundação Victor Civita. Editora Abril, Maio de 1996.

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