sexta-feira, 25 de março de 2022

Como os Campos

    Preparavam-se aqueles jovens estudiosos para a vida adulta, acompanhando um sábio e ouvindo seus ensinamentos. Porém, como fizesse cada dia mais frio com o adiantar-se do outono, dele se aproximaram e perguntaram:

    - Senhor, como devemos vestir-nos?

    - Vistam-se como os campos, respondeu o sábio. Os jovens então subiram até uma colina e durante dias olharam para os campos. Depois dirigiram-se à cidade, onde compraram tecidos de muitas cores e fios de muitas fibras. Levando cestas carregadas, voltaram para junto do sábio.

    Sob o seu olhar abriram os rolos das sedas, desdobraram as peças de damasco e cortaram quadrados de veludos e os emendaram com retângulos de cetim. Aos poucos, foram recriando em longas vestes os campos arados, o vivo verde dos campos em primavera, o pintalgado da germinação. E entremearam fios de ouro no amarelo dos trigais, fios de prata no alagado das chuvas, até chegarem ao branco brilhante da neve. As vestes suntuosas estendiam-se como mantos. O sábio nada disse.

    Só um jovem pequenino não havia feito sua roupa. Esperava que o algodão estivesse em flor para colhê-lo. E, quando teve os tufos, os fiou. E, quando teve os fios, os teceu. Depois vestiu sua roupa branca e foi para o campo trabalhar.

    Arou e plantou. Muitas e muitas vezes sujou-se de terra. E manchou-se do sumo das frutas e da seiva das plantas. A roupa já não era branca, embora ele a lavasse no regato. Plantou e colheu. A roupa rasgou-se, o tecido puiu-se. O jovem pequenino emendou os rasgões com fios de lã, costurou remendos onde o pano cedia. E, quando a neve veio, prendeu em sua roupa mangas mais grossas para se aquecer.

    Agora a roupa do jovem pequeno era de tantos pedaços que ninguém poderia dizer como havia começado. E estando ele lá fora uma manhã, com os pés afundados na terra para receber a primavera, um pássaro o confundiu com o campo e veio pousar-se no seu ombro. Ciscou de leve entre os fios, sacudiu as penas. Depois levantou a cabeça e começou a cantar.

    Ao longe, o sábio, que tudo olhava, sorriu.


Conto de Marina Colasanti pertencente ao livro inédito Longe Como O Meu Querer, vencedor da primeira edição do Prêmio Latinoamericano de Literatura Infantil Y Juvenil Norma - Fundalectura de que participaram 141 obras de 13 países, em maio. Retirado da Revista Nova Escola. Outubro de 1996. Fundação Victor Civita. Editora Abril.

O livro de Marina Colasanti foi lançado em 1997 pela Editora Ática na Série Sinal Aberto.

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