quinta-feira, 17 de março de 2022

A Barrica Curandeira

    Um rapaz trabalhou durante muito tempo numa cervejaria e, quando se despediu do patrão, recebeu em recompensa pelos bons serviços uma barrica de cerveja. O moço a pôs nos ombros e partiu, alegre. Mas quanto mais caminhava mais pesada ficava a barrica. O moço ia ficando cansado de carregá-la, quando cruzou no caminho com um velho de longas barbas brancas.

    - Aceitas beber um pouco desta cerveja comigo? - perguntou o rapaz. - A barrica me pesa tanto que gostaria de aliviá-la.

    - Chega na hora certa - disse o velho. - Estou com uma sede brava.

    - E quem és tu, vovozinho?

    - Sou o Destino.

    - Então não quero beber contigo, porque és injusto com os homens: a uns dás alegrias e riquezas; outros deixas passar fome.

    E o moço retomou o seu caminho, com a pesada barrica nos ombros. Pouco mais adiante, encontrou um sujeito de aspecto estranho.

    - Queres beber um pouco de cerveja comigo? - convidou o moço.

    - Com muito gosto, tanto mais que estou cansado e sedento - retrucou o sujeito.

    - E quem és tu?

    - Sou o Diabo.

    - Sinto muito, mas não posso beber contigo. És aquele que atormenta os homens e os faz cair em tentação!

    E o moço retomou o caminho, com a barrica nas costas, cada vez mais pesada. Mas logo depois cruzou com uma velha tão esquálida que mais parecia um esqueleto.

    - Aceitas beber um pouco de cerveja comigo? - ofereceu o rapaz.

    - De bom grado - respondeu a velhota.

    - E quem és tu, vovozinha?

    - Sou a Morte.

    - Contigo beberei, sim. És honesta e justa com os homens, tratas ricos e pobres como iguais.

    E, com isso, o moço pôs a barrica no chão e fez jorrar dela a espumante e fresca cerveja, que a velha sorveu com grande prazer.

    Nunca antes eu bebi uma cerveja tão saborosa! - exclamou a Morte, após algumas canecas. - Parece até que rejuvenesci uns dez mil anos. Para mostrar minha gratidão, vou dar-te um presentinho. A tua cerveja, de hoje em diante, curará todas as doenças e não se acabará nunca. Mas toma cuidado: quando fores atender a um doente, antes de ministrar-lhe este singular remédio, olha bem em volta - se me vires aos pés da cama, faz o doente beber a cerveja; mas, se me vires à cabeceira, nem tentes servi-la ao enfermo, pois não adiantará nada e ainda poderás te ver em maus lençóis.

    A Morte sumiu e o moço seguiu o seu caminho, com a barrica cheia, mas agora leve, nos ombros. Logo ele se pôs a bancar o médico e em pouco tempo ficou famoso e rico.

    Aconteceu, porém, que um dia a filha do rei caiu gravemente enferma e, o rei prometeu metade do reino em recompensa a quem conseguisse curá-la. O dono da barrica foi chamado. Mas, ao entrar no quarto da doente, ele viu, num sobressalto, a Morte sentada numa cadeira, cochilando à cabeceira da doente. O moço não gostou da perspectiva de perder metade do reino por não poder curar a princesa e então teve uma ideia.

    Como a Morte continuava cochilando, sem se aperceber de presença do seu protegido, este mandou, em voz baixa, que os criados virassem silenciosamente a cama da moribunda, de maneira que a cadeira com a Morte ficasse aos pés da doente. Em seguida, fez a princesa beber a cerveja, curando-a no ato..

    - Tu me enganaste! exclamou a Morte, ao ver frustrada a sua intenção. - Assim, eu não te devo mais nada. Estamos quites!

    - Mas eu ganhei metade do reino - regozijou-se o moço.

    - De nada te valerá tal reino - rosnou a Morte. - Agora tu me pertences, és meu!

    A Morte tocou-o com a mão ossuda e gelada e o curandeiro da cerveja miraculosa tombou ao chão, morto.


História do folclore da Escandinávia recontada pela escritora Tatiana Belinky. Retirado da Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Dezembro de 1995.

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