domingo, 13 de março de 2022

Vrishadarbha e a Pomba

    Certo dia, há muito tempo atrás, uma pomba ferida caiu do céu aos pés de Vrishadarbha, o rei de Benares, famoso por sua bondade e compaixão pelos necessitados. Ofegante, a avezinha implorou ao rei que a protegesse de um gavião que a perseguia e já a machucara.

    - Fica tranquilo, pombinha, não tenhas medo - disse o rei. - Eu te protegerei, tens a minha palavra. Para te proteger, sou capaz de dar o meu reino e até a minha vida. Mal nenhum te advirá, prometo.

    Mas o cruel gavião, que ouvira essas palavras, pousou na frente do rei e o interpelou:

    - Este pássaro, a pomba, é a minha comida, ó rei. Ela me é destinada pelos deuses. Tu não deverias negar-me a minha presa legal, ganha com árduo esforço! Tu és o soberano, podes intervir entre os seres humanos teus súditos. Mas não tens poder legal sobre os pássaros que voam pelos céus! Que direito tu tens de me forçar a morrer de fome?

    O rei, um homem justo, retrucou:

    - Não te deixarei morrer de fome. Ordenarei que preparem um javali ou um veado. Poderás te fartar à vontade. Mas não comerás esta pomba.

    Ao que o gavião lhe respondeu, maldoso:

    - Eu não como carne de javali, nem de veado. O alimento que me foi destinado é a pomba. Mas, ó monarca compadecido, se te importas tanto com ela, façamos um trato: tu me darás o equivalente ao peso desta pomba em carne do teu próprio corpo. Com isso ficarei satisfeito.

    E o rei retrucou:

    - A tua sugestão é justa, gavião. Farei o que tu propões.

    Imediatamente, mandando trazer uma balança, o rei começou a cortar pedaços do seu próprio corpo e a colocá-los num dos pratos, enquanto no outro punha a pomba ferida.

    Os cortesãos, as princesas, os ministros e os servos acorreram aflitos e, horrorizados, levantaram um alarido de protestos tão fortes que chegou aos céus como um grande trovão. E a própria terra tremeu, ao ver que o rei de Benares não só prometia como fazia o que os seus guerreiros mais valentes não seriam capazes de fazer, nem pelos seus próprios filhos.

    O rei continuava a cortar pedaços das suas pernas, coxas, músculos e braços, mas, quanto mais da sua carne ele punha na balança, mais pesada ficava a pomba, no prato oposto.

    O rei já estava quase reduzido ao esqueleto descarnado e então, vendo que não conseguia igualar o peso da pomba, ele decidiu dar o seu corpo inteiro para cumprir a palavra. Subiu na balança, ele mesmo. E equilibrou o peso.

    Naquele momento, apareceram os deuses. Ouviu-se uma música celestial e uma chuva de néctar caiu sobre o rei, e o seu corpo lhe foi milagrosamente devolvido. Flores maravilhosas caíram do céu e as ninfas celestes cantaram e dançaram. Surgiu uma carruagem faiscante de pedrarias, e os deuses arrebataram o rei, puseram-no na carruagem e o levaram com eles para o céu.


Lenda indiana recontada pela escritora Tatiana Belinky. Retirado da Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Junho de 1995.

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