terça-feira, 29 de março de 2022

O homem que não sabia nem ler

    Um menino andando na rua encontrou um homem sentado na calçada. O menino ia da escola para casa. O homem descansava depois de um dia duro de trabalho.

    - Moço, que horas são?, perguntou o menino.

    O homem disse que não tinha relógio e, para falar a verdade, nem sabia ver as horas.

    O menino não entendeu.

    O homem explicou:

    - Não sei para que servem aquele ponteirão e aquele ponteirinho.

    Eles giram, giram e giram, mas não consigo entender direito como funciona.

    - Mas é tão fácil!, espantou-se o menino. O ponteirinho marca as horas e o ponteirão marca os minutos. Por exemplo: se o ponteirinho está no dez e o ponteirão está no cinco, isso quer dizer que são 10 horas e 25 minutos.

    O sujeito balançou os ombros.

    - Mas qual é o dez e qual é o cinco? Não sei ter os números.

    O homem tinha idade para ser pai do menino.

    - O senhor não conhece os números?

    - Nem os números e nem as letras.

    - O senhor não sabe ler?

    - Nem ler, nem escrever.

    O menino espiou aquela pessoa sentada na calçada.

    - Às vezes na rua, disse o homem, olhando as letras dos cartazes, eu pergunto: o que será que elas dizem? Outras vezes, na banca, fico admirando as revistas, os jornais... queria tanto poder ler as notícias, entender o que se passa no mundo, ler os letreiros dos ônibus e saber para onde eles vão...

    O homem suspirou.

    - Queria tanto ir para baixo de uma árvore, abrir um livro e ler uma história...

    Um automóvel entrou na curva soltando uma fumaça preta.

    - Eu não sou daqui, continuou o sujeito. Minha cidade fica depois da serra, pegando a estrada, passando a outra serra e depois a outra, lá longe, perto do mar.

    E seus olhos brilharam tristes.

    - Às vezes, fico me lembrando de casa, de minha mãe, meu pai, meus irmãos...

    O menino procurou um lugar para sentar.

    - Você sabe escrever?, quis saber o homem.

    O menino estufou o peito:

    - Já sou quase da terceira série!

    O outro sorriu:

    - Tenho uma noiva lá na minha terra. Ela é uma princesa. A coisa mais linda do mundo. Um dia a gente vai casar...

    Examinou o menino:

    - Escreve uma carta pra mim?

    Dizendo sim com a cabeça, o menino tirou um caderno e uma caneta esferográfica do fundo da mochila.

    O homem foi falando. O vento soprava morno. O homem contou que a cidade era grande. Contou que estava sozinho. Contou que sentia medo. Contou que quase tinha juntado um dinheirinho, que estava morto de saudade e que no fim do ano, se Deus ajudasse, pegava o ônibus e voltava para casa.

    O menino escreveu tudo com letra caprichada, dobrou o papel e entregou ao homem.

    A Lua havia surgido sem ninguém perceber.

    O menino precisava ir embora.

    O homem apertou a mão do menino.


Conto de Ricardo Azevedo retirado da Revista Nova Escola, Março de 1997. Fundação Victor Civita, Editora Abril.

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