domingo, 20 de março de 2022

O Cigano e o Lote do Diabo

    Depois de muito procurar, um pobre cigano conseguiu comprar, por apenas duas moedas, um pequeno lote de terra que ninguém queria, porque tinha uma pedreira com uma caverna cheia de morcegos. Nem bem ele começou a cavar as fundações da sua futura casinha, eis que surgiu na sua frente um homem esquisito, envolto numa capa vermelha, que o interpelou rispidamente, dizendo que ele não podia cavoucar ali. "Este terreno é meu, eu sou um diabo, e neste caverna nossa confraria se reúne todas as semana para o satânico sabá com as bruxas, nossas amigas.!"
    Mesmo tremendo de medo, o cigano protestou, dizendo que estava no seu direito, pois comprara o lote do alcaide, com o seu pouco e suado dinheirinho, e não abriria mão dele.
    Os diabos respeitam os tratos. Esse diabo então propôs ao cigano recomprar-lhe o lote pelo dobro do que ele pagara. "Assim, com quatro moedas, poderás comprar outro terreno, melhor do que este". O cigano animou-se e tratou de regatear. "Quatro moedas é pouco, quero o meu boné cheio de moedas de ouro, senão não arredo o pé daqui." O diabo resmungou, mas acabou concordando e saiu para buscar o dinheiro.
    O cigano, assim que se viu só, cavou mais que depressa um buraco fundo no chão e o cobriu com o seu boné - previamente furado - de boca para cima. Quando o diabo voltou com um saco de moedas e começou a despejá-las no boné, não conseguiu enchê-lo, porque elas caíam pelo furo do boné no buraco do chão. O boné só ficou cheio quando o saco do diabo ficou vazio. Coçando a cabeça, perplexo, o diabo sumiu de vista, largando do chão o saco, que o cigano imediatamente encheu com as moedas do buraco e saiu assobiando, rico e feliz da vida.
    Ele então construiu uma bela casa, casou com uma linda cigana e viveu à tripa forra durante um bom tempo. Mas dinheiro que vem fácil se vai fácil e, um belo dia, o cigano se viu pobre de novo. Sua mulher lhe azucrinava tanto a paciência por causa de falta de dinheiro que um dia, aborrecido, ele saiu de casa para a estrada. Andou que andou até que, de repente, sem perceber, se viu naquele lote de terra onde encontrara o diabo, anos antes. "Bem que eu poderia arrancar mais algum daquele diabo bobão", pensou ele. No mesmo instante, surgiu na sua frente o mesmo homem de capa vermelha, que rosnou para ele, enfezado: "O que estás fazendo aqui? Já me basta a bronca que levei do meu chefão Belzebu por causa daquela história do boné sem fundo. Vai embora, senão eu te dou uma surra. Vê só como sou forte!" E o diabo apanhou uma pedra e a esmagou na mão até ela virar pó.
    O cigano, apesar do medo, não se deu por achado. "Sou mais forte do que tu", disse, e disfarçadamente tirou do bolso um pedaço de queijo, fingindo que apanhara uma pedra no chão: "Olha o que eu faço com a tua pedra!" E esmagou o queijo na mão até pingar suco de queijo do seu punho fechado. O diabo arregalou os olhos, espantado, e o cigano disse: "Ou tu me trazes mais um saco de dinheiro, do teu tamanho, ou eu destruo a tua caverna com as minhas mãos fortes!"
    O diabo, alarmado, disparou para dentro da caverna e voltou curvado debaixo de um enorme saco de moedas, que colocou no chão. E já ia sumir quando o cigano disse: "Não estou disposto a carregar peso. Quero que leves este saco para minha casa, senão destruo a tua caverna!" O diabo, amedrontado, obedeceu e carregou o saco de moedas para a casa do cigano, que ainda lhe agradeceu, zombeteiro: "Grato pelo tua gentileza, amigo diabo. Podes voltar para a caverna e contar aos teus coleguinhas que desta vez escapaste de boa!"
    O diabo chispou embora e o cigano voltou-se para sua atônita mulher: "Estamos ricos de novo, me respeita agora, não me azucrines mais a paciência! E daqui em diante sê mais econômica, por que não quero ter um terceiro encontro com o diabo: bastam os dois sustos que já levei. Se este dinheiro do inferno acabar, prefiro voltar a trabalhar e ganhar  vida com suor do meu rosto".

História do folclore cigano recontada por Tatiana Belinky. Retirado da Revista Nova Escola. Fundação Victor Civita. Editora Abril. Abril de 1996.

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