segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

O Marido do Dr. Pompeu

Ninguém estranhou quando, depois de vinte e cinco anos de casamento, filhos criados, a mulher do dr. Pompeu pediu o divórcio. As razões dela eram normais para a época: não queria mais ser apenas uma dona de casa. Queria viver sua própria vida, estudar Psicologia, ter sua própria carreira. Tudo bem. O escândalo, para mostrar como ainda existem preconceitos, foi quando souberam que o dr. Pompeu, em vez de outra mulher, arranjara um marido.

- Quem diria, hein? O Pompeu.

A própria mulher foi pedir satisfações.

- Pompeu, você enlouqueceu?

- Por quê?

- Todos estes anos, eu nunca desconfiei que vocês fosse... desses.

- Desses o quê?

- Você sabe muito bem. Um...

A mulher se calou porque nesse exato momento chegou em casa o marido do dr. Pompeu. Um homem apenas um pouco mais velho do que ele, grisalho, ar respeitável. Um empresário de muito conceito.

- Alô... - disse o marido do dr. Pompeu, um pouco constrangido.

- Oi! - disse o dr. Pompeu, alegremente.

- Boa-tarde - disse a mulher, seca.

O marido do dr. Pompeu foi tomar seu banho, ouvindo a promessa do dr. Pompeu que o jantar estaria na mesa num instantinho. Quando a mulher ia recomeçar a falar, o dr. Pompeu a deteve com um gesto.

- Não é nada do que você está pensando - disse.

- Que eu estou pensando, não, Pompeu. Que todo mundo está pensando.

- Nós temos um acordo. Eu cuido da casa para ele,  supervisiono o trabalho das empregadas, faço compras, faço tudo para que ele tenha uma vida doméstica organizada e feliz. Em troca, ele me sustenta. Não temos nenhum contato sexual porque nenhum de nós é, como você disse com tanta eloquência, desses...

- Mas Pompeu...

- Eu não tenho do que me queixar. Meu padrão de vida melhorou. Ele me dá dinheiro para tudo que eu preciso. Inclusive, aliás, para pagar a sua pensão. E hoje eu posso fazer o que sempre sonhei. Não trabalho, não me preocupo com as contas, com a segurança da família, com todas essas coisas de homem. E o melhor: quando tenho que descrever minha profissão, posso botar "Do Lar".

- Mas Pompeu!

- E agora me dá licença que preciso tratar do nosso jantar. Depois do jantar ele vê o Jornal Nacional e eu fico esperando a hora da minha novela. Passe bem.


Crônica de Luís Fernando Veríssimo retirado do livro Comédias da Vida Privada - 101 Crônicas escolhidas, 14ª Edição, L&PM Editores, Porto Alegre, 1995.

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