terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Uma carícia verde no verde

Tudo brilhava, doía a vista, perfumava e dava muita paz. A mata muito verde e fresquinha, os bichos se escondiam nela. E, vez ou outra, punham o focinho pra fora ou ousavam ir pra estrada. Os passarinhos cantavam numa variedade bonita de sons. O menino não fazia qualquer barulho. Queria escutar e descobrir que tipo de passarinho piava. E ficava imaginando, além do som, a plumagem. Jabuticaba do mato e outras frutinhas miúdas vinham depois das chuvas. Numa ou noutra árvore, o menino apanhava orquídeas ou parasitas pra mãe pôr no orquidário.

Uma tardinha, alguém ateou fogo no pasto. E o fogo foi comendo tudo, foi entrando pra mata. E o fogo comeu árvores, flores e frutos. Comeu o verde, o amarelo, o vermelho, o roxo, o rosa e tantas cores mais. E o fogo espantou os bichos. Destruiu ninhos, ovos, filhotes e vida. E lambeu todo o pasto, matando o alimento do gado, dos cavalos e das cabras.

O pai, o menino, todos os homens da fazenda e os vizinhos tentavam destruir o fogo. Só muito tempo depois, já de madrugada, é que conseguiram.

Amanhecia. O menino não conseguia dormir. Foi pro alpendre da casa da fazenda. E viu que o pai estava lá, encolhido no banco. E sentiu que o pai chorava por dentro. Chorava seco e calado. E o menino, que só sabia chorar gritando, pela primeira vez chorou seco e calado. Passou as mãos nos cabelos do pai e sentou perto. Depois, segurou aquelas mãos fortes, grandes e calosas. Mãos que suavam frio. E o menino sentiu um arrepio, mesmo não sendo mais inverno.

Dois meses depois, vieram as chuvas, as muitas chuvas de dezembro. O pai e o menino saíram, gostando de sentir os pingos no rosto, no corpo, agradecidos como a terra. Dias depois, ainda juntos, viram o capim renascer na pastaria. E um olhou pro outro e se abraçaram, chorando diferente. Pai e filho se agacharam e ficaram acariciando o verde que brotava. Ficaram muito tempo descobrindo novos brotos explodindo em vários tons de verde aqui e ali. E só então olharam um pro outro, certos de que já dividiam tudo. Antes, a dor e o choro seco. Agora, o riso solto, a gargalhada e as lágrimas da alegria.


Conto de Elias José retirado do livro O Furta-Sonos e outras histórias, Série Era Outra Vez, Atual Editora, 4ª Edição, São Paulo, 1989.

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