sábado, 10 de fevereiro de 2024

Tempo de Chuva

Era bom, no tempo de chuva, ficar brincando na enxurrada. A mãe achava ruim, prometia bater, mas Pitu não resistia. Mal começava a chover, saía na chuva, molhava o corpo, corria pra lá e pra cá. Se a chuva era forte, melhor: Pitu preparava barcos e ia soltá-los na enxurrada que passava entre a rua e o passeio. Molhava o corpo. Sujava de barro o corpo e a calça. Era uma festa! O rio se enchia mais e ficava bom pra pescar bagres. Os bagres deviam ter medo da luz, pois só apareciam à noite. De dia, só lambaris e cascudos. À noite mudava o anzol e iam pescar bagres. A mãe ficava nervosa, quando Marquinhos não estava no Bálsamo pra ir junto. Não gostava que fossem apenas os meninos menores. Beirada de rio era um perigo, tinha cobras, podiam cair dentro. Muita gente que sabia nadar morria enroscada em ramos ou pedras. Ela tinha muito medo e ficava falando, falando... No sítio, era mais gostoso, João ia junto, pescavam no açude, traíra e tilápia. Peixe de açude é menos chato, fácil de cair na isca. No rio, só dava peixe miúdo e era chato achar minhocas ou aleluia. No sítio, quando tinham milho verde, era fácil: os peixes do açude vinham sem demora. Depois, uma travessa cheia de peixes fritinhos, como só o João sabia fazer. O céu estava carregado de nuvens escuras, começavam os relâmpagos e trovões distantes. A mãe tinha muito medo deles. Pitu ria e achava uma bobagem dela. Ficava muito feliz, sabia que ia cair muita chuva, das grossas. A enxurrada desceria forte da rua de cima. As águas ficariam vermelhas ou marrons e os bagres sairiam mesmo com a luz do dia. O Marquinhos estava em Ribeirão e não poderia denunciá-lo pra mãe. Pura inveja do Marquinhos. O que tinha de mais ele brincar na chuva, na enxurrada? A garganta dele não era manhosa como a do irmão. Nem gripe ele tinha. A chuva já estava caindo. Trovejava muito, muitos relâmpagos. Peixe não gosta de trovão, some, parece que tem medo como a mãe. Ele se alegrava com a chuva, enquanto a mãe queimava os ramos bentos...


Texto de Elias José, As Curtições de Pitu, São Paulo/Brasília, Editora Melhoramentos/INL, 1976. página 20, 21. Retirado do livro Aulas de Redação, 5ª série, Maria Aparecida Negrinho, Editora Ática, São Paulo, 1993.

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