sábado, 13 de fevereiro de 2021

Necessário Despertar

Inúmeros candidatos ao conhecimento das informações espíritas - portadoras dos relevantes mecanismos para a reforma íntima - detêm-se, inconsequentes, na expectativa de milagres, que os não há, para a solução de problemas que eles próprios criaram e continuam gerando, ou esperam que a simples adesão formal a uma sociedade, onde se divulga o Espiritismo, é suficiente para plenificá-los.

Fixados ao atavismo do maravilhoso e do sobrenatural, perseveram na crença leviana de que os Espíritos desencarnados tudo sabem, tudo podem, com a missão expressa de resolver as dificuldades humanas, desse modo, candidatando as criaturas à ignorância e ao atraso.

Acostumados às notícias extravagantes do misticismo que envolve a mediunidade e dos tabus em torno das comunicações espirituais, negam-se ao estudo sério, ou intentam-no, logo o abandonando, apoiados às bengalas psicológicas do comodismo de que lhes parece difícil a absorção do conhecimento espiritual, seja pela impossibilidade de manter a atenção, ou por deficiência de memória, ou ainda por perturbações de vária ordem, que os afligem, adormecem, incomodam.

A argumentação simplista não procede, porquanto, em outras áreas do comportamento, seja no trabalho, no relacionamento interpessoal, nas pesquisas e cursos, se não houver um sincero interesse e legítima dedicação, ocorrem os mesmos fenômenos perturbadores, desestimulantes.

Toda experiência nova é desafio, caracterizado por dificuldades superáveis, que mais desperta os valores morais de quem o deseja vivenciar. No que diz respeito àquelas experiências de complexidade profunda, quais as de transformação do homem velho em um novo ser, os patamares a conquistar são múltiplos, revestidos de compreensíveis impedimentos.

Não se alteram hábitos doentios, perniciosos, de um momento para outro, com apenas a disposição, sem o correspondente esforço para consegui-lo.

A transformação interior para melhor, que o conhecimento espírita propicia, é precedida de um necessário despertar para a aceitação de novos e preciosos valores morais, que satisfazem e harmonizam a criatura.

Desse modo, ao desejo de crescimento, devem aliar-se o esforço contínuo e o devotamento às ideias renovadoras, trabalhando-se por entender as diretrizes que se lhe apresentam, experimentando e insistindo na sua implantação no mundo íntimo.

A vitória de qualquer tentame chega após a permanência na sua execução.

Substitui, mediante as informações libertadoras do Espiritismo, os velhos hábitos, um a um, adotando novo comportamento mental, e, depois, vivencial, a fim de que a renovação se te faça contínua, incessante.

Fixa-te no propósito de vencer os velhos condicionamentos e adota as propostas de ação positiva, que te auxiliarão no crescimento íntimo.

Liberta-te dos instrumentos frágeis de justificação, evitando as fugas psicológicas à realidade, à responsabilidade.

Insiste na lapidação das arestas grosseiras da personalidade e adapta-se ao novo modo de entender e ser, incorporando à conduta as diretrizes espirituais.

Dar-te-ás conta dos benefícios imediatos que advirão, das soluções aos problemas que surgirão, enfim, de que o empenho se coroa de êxito na razão direta do esforço encetado.

Não foi fácil a Simão Pedro transferir-se do mar da Galileia, onde pescava com simplicidade, para a experiência difícil no oceano tumultuado da humanidade...

Foi grandemente dolorosa a transferência psíquica, emocional e humana de Saulo de Tarso, da exaltação judaica e da opulência do Sinédrio, bem como de uma família abastada, para a atividade áspera de artesão e apóstolo de Jesus...

Macerada foi a conduta da equivocada de Magdala, ao adotar as lições do Mestre como regra de iluminação íntima, que conseguiu a duras penas...

A História está repleta de heróis da transformação para melhor, que todos respeitam, porém, são incontáveis os conquistadores anônimos do continente da alma, que estavam perdidos e se encontraram.

O Espiritismo, hoje, revivendo Jesus ontem, oferece os valiosos esclarecimentos para a felicidade, a autodescoberta, a iluminação íntima libertadora.

Para consegui-lo é, primeiro, necessário despertar.


Texto retirado do livro Momentos Enriquecedores, Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 2ª Edição, 2015.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

De volta Ao Começo

E o menino com o brilho do sol
Na menina dos olhos sorri e estende a mão
Entregando o seu coração
E eu entrego o meu coração

E eu entro na roda
E canto as antigas cantigas de amigo irmão
As canções de amanhecer
Lumiar a escuridão

E é como se eu despertasse de um sonho
Que não me deixou viver
E a vida explodisse em meu peito
Com as cores que eu não sonhei

E é como se eu descobrisse
Que a força esteve o tempo todo em mim
E é como se então de repente
Eu chegasse ao fundo do fim
De volta ao começo

De volta ao começo
De volta ao começo
Ao fundo do fim
De volta ao começo
Ao fundo do fim

Música que deu título ao então LP de Gonzaguinha lançado em 1980 pela Odeon, mais tarde, fundida com outra gravadora passou a ser EMI-Odeon. Gal Costa, em 1984, regravou a canção em seu LP "Profana", lançado pela RCA, mais tarde BMG-Ariola.

Solidão de Amigos

Lenha na fogueira
Lua na lagoa
Vento da poeira
Vai rolando à toa
A cantiga espera
Quem lhe dê ouvidos
A viola entoa
Solidão de amigos

A saudade lembra
De lembranças tantas
Que por si navegam
Nessas águas mansas

Quando a cachoeira
Desce nos barrancos
Faz a várzea inteira
Se encolher de espanto
Lenha na fogueira
Luz de pirilampos
Cinzas de saudades
Voam pelos campos

Regravação feita por Amelinha em seu então LP Caminho do Sol, lançado pela CBS em 1985. Gravação original feita pelo Jessé.

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Benfeitora

Floresce, espontânea, em toda parte, independendo dos fatores que lhe propiciam o desabrochar.

Inesperadamente aparece nos solos áridos, nos quais os sentimentos não medram.

Nas terras encharcadas da emotividade abundante, também surge sem qualquer programação...

Sua presença é percebida, logo de início, convidando à atenção que nela se fixa, a partir desse momento.

Em todas as épocas, ei-la presente estabelecendo diretrizes e caracterizando pessoas, grupos e nações.

Detestada, não teme as reações, tornando o seu apelo mais forte.

Aceita, diminui a agudeza dos seus efeitos, suavizando-os.

Estudada por teóricos e práticos, todos se lhe referem de maneira variada, sem chegarem a uma conclusão unânime.

A verdade, porém, é que se faz conhecida sempre, e ninguém pode impedir-lhe a presença.

Depois que encerra um ciclo, prepara, para um novo cometimento, a sua oportuna aparição.

Nenhum recurso a impede, porque, por enquanto, ela é a única maneira de conduzir o homem na conquista dos Altos Cimos da Vida, desde que o amor não logre fazê-lo.

Esta flor abençoada, que surge nos terrenos de todas as vidas, é a dor.

Este homem padece de injunções socioeconômicas e tem a alma em desalinho.

Aquele experimenta a abundância de valores amoedados e sofre a solidão afetiva que o dinheiro não pode comprar.

Esse, arde nas brasas do desejo, insatisfeito, e, lasso, entrega-se ao frenesi da promiscuidade.

Este outro, esgrime o ódio e sofre-lhe a rebeldia dilacerante nos tecidos íntimos do ser.

Aqueloutro caminha chancelado pelas etiquetas das patologias cruéis.

Uns definham nas garras afiadas de enfermidades irreversíveis.

Outros derrapam em alucinações inimagináveis...

Todos, porém, sofrendo a constrição das dores de variada expressão, amargurando, lapidando, despertando para novos valores da vida, que permanecem desprezados.

A dor é benfeitora anônima, que a todos visita.

Cessados os seus efeitos perturbadores, quantas conquistas morais e espirituais!

Os prepotentes, que a desconsideram, não chegam ao termo da jornada, sem experimentar-lhe a companhia.

Os ingratos, que se supõem felizes, não lhe fogem à presença.

Os orgulhosos, que a desprezam, considerando-se inatingíveis, encontram-na adiante...

Ela verga toda cerviz e submete, sem exceção, todas as criaturas.

O seu cerco é invencível e ela sai-se sempre vencedora.

É instrumento da Lei, que o próprio homem vitaliza e necessita.

Tu, que conheces Jesus, recebe sem rebeldia essa benfeitora.

Não se trata de um masoquismo, mas, sim, da inevitabilidade de sofrer, transformando esse estado em formosa aquisição de bênçãos.

Há os testemunhos à fé e os resgates que procedem do passado.

Seja qual for o motivo, transforma-o em oportunidade iluminativa, porque estás na Terra para crescer e evoluir, adquirindo experiências de profundidade.

A dor, que a muitos amesquinha, envilece e atordoa, deve constituir-te em estímulo para a grande vitória sobre ti mesmo.

Não te preocupes com mais nada, e,  sob o seu jugo, confiante, avança com a dor até conseguires o teu momento de plena libertação.


Texto de Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis retirado do livro Momentos de Felicidade, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 5ª Edição, 2014.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Livro

Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.

Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.

Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou - o que é muito pior - por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.

Música de Caetano Veloso que dá título ao seu CD lançado em 1997, pela PolyGram Discos.

sábado, 30 de janeiro de 2021

Paciência Dinâmica

 A paciência reflete o equilíbrio daquele que mantém a sua confiança em Deus e nas leis que regem a vida.

Revela as conquistas morais que foram logradas, ensejando ampliação de recursos para o incessante progresso do ser.

Pode e deve ser cultivada mediante a reflexão e a prece, que são admiráveis instrumentos para a harmonia íntima, propiciadora da arte e da ciência de esperar.

Quando se age com discernimento, correção e probidade, não há por que desesperar ou atirar-se ao calabouço da amargura.

A consciência tranquila dá a contribuição exata para que se instale a paciência, pois que sabe da justeza dos acontecimentos, quanto da sua oportunidade, submetendo-se às injunções decorrentes como episódios que antecedem a etapa final.

A paciência, por isso mesmo, dulcifica os sentimentos, favorecendo a saúde física e emocional, ao tempo em que irradia em derredor simpatia e afetividade.

Não censura, nem se agasta.

Não exige, nem impõe justificativas.

Não perturba, nem angustia.

Não malsina, nem fraqueja.

A paciência acalma e ajuda; inspira e ampara; aguarda e promove; dignifica e trabalha.

A paciência é reflexo luminoso da fé, sem a qual não se mantém.

Complementam-se, na condição de combustível uma da outra, ou de fruto que se propiciam, de acordo com a vigência de cada qual no imo da criatura.

A paciência é um ato de submissão aos impositivos da vida, que estabelecem a ordem dos fatos, que são conforme devem e não consoante as paixões pessoais.

Ensina que há tempo próprio para a experiência, a lição, o sucesso, e que o aparente fracasso de agora será a realização exitosa de amanhã.

A precipitação é-lhe o adversário mais aguerrido e danoso, por gerar, no indivíduo, irritabilidade e azedume, promotores de distúrbios na saúde de quem lhes agasalha os impulsos.

A formiga, a abelha e todos os insetos constroem suas casas com paciência e ordem.

Os pássaros, em geral, fazem-no da mesma forma.

Letra a letra surge o livro.

Nota a nota estua a sinfonia.

Sem pressa, mas com ritmo, a vida se agiganta em todas as suas expressões em a Natureza.

Convém não se confunda paciência com preguiça, indolência, inércia.

A verdadeira paciência é uma atitude dinâmica perante os acontecimentos, não imobilizando o indivíduo, antes, mantendo-o íntegro no dever, vigilante na ação, dedicado no compromisso.

Com paciência a trabalho, Thomas Edison registrou mais de mil inventos.

Mediante a paciência e o cálculo, Einstein criou a "Teoria da Relatividade", reformulando velhos conceitos em torno do "tempo e do espaço".

Pacientemente, Sócrates esperou a morte injusta.

E Jesus, ensinando-nos a preservá-la em qualquer circunstância, sem defender-se, com paciência entregou-se à morte, em silêncio, a fim de que todos tivéssemos vida.


Texto de Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis retirado do livro Momentos de Coragem, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 8ª Edição, 2014.

sábado, 23 de janeiro de 2021

Livre-Arbítrio

 O sofrimento é resultado do uso do livre-arbítrio do homem de forma equivocada.

Aplicado sem ética ou por precipitação, sem uma análise correta dos fatos, desencadeia reações negativas que geram dor e ressentimento, levando ao desequilíbrio.

A faculdade de discernir contribui para a responsabilidade dos atos praticados.

Assim, Deus permite que o sofrimento se instale no coração humano, pois que, mediante este processo, o indivíduo aprende a respeitar os valores da vida.

O homem pode aceitar ou repudiar as más inspirações que lhe chegam.

O livre-arbítrio dá-lhe dimensão dos resultados das ações que pratica.

A vida dos santos e dos heróis, do cidadão do bem e do cristão é-lhe exemplo de como deve também agir, a fim de fruir de bem-estar.

A eleição dos sentimentos torpes, ao invés dos corretos, embora difíceis de ser aplicados, responde pelos efeitos cáusticos, danosos para o ser.

Afirma-se com propriedade que "o aluno quando está preparado, aparece-lhe o mestre".

Não obstante, o mestre ensina, orienta e aponta os caminhos que o aprendiz deve percorrer.

O seu amor não realiza as tarefas que constituem o curso para a formação do caráter, dos sentimentos, das experiências individuais.

Da mesma forma, age a Divindade em relação às criaturas.

Deus nos faculta o crescimento sob Sua inspiração amorosa, porém, os logros se fazem com esforço pessoal. Sem privilégios, tampouco sem restrições.

As oportunidades são iguais para todos.

Aqueles que hoje desfrutam de felicidade e júbilo, fazem-lhes jus ou as recebem como valores que deverão preservar a benefício pessoal e dos demais.

Quem padece as injunções de dor e limitação já fruiu de ventura e agora se recupera.

O exercício da vontade com a consequente meditação em torno dos deveres a cumprir, transforma-se em disciplina eficaz para o uso do livre-arbítrio.

O segredo da felicidade se encontra na ação consciente em relação às Leis Divinas e ao estado de comportamento humano.

O homem é a grande meta do Pai, que o criou para a perfeição.

Determinando fatores inamovíveis que o  propelem ao progresso, premia-o com o livre-arbítrio mediante o qual estabelece o que fazer, como e quando realizá-lo.

No Decálogo estão as leis básicas da vida e no Evangelho de Jesus se encontram as diretrizes para o uso do livre-arbítrio, como recurso valioso para a libertação do sofrimento e a conquista da realização interior.


Texto de Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis retirado do livro Momentos de Alegria, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 4ª Edição, 2014.

sábado, 16 de janeiro de 2021

Reto Pensar

 Pessoas bem-intencionadas acreditam que algumas ações boas lhes bastam para a paz de consciência no mundo e a conquista do Reino dos Céus logo depois.

Entre nada fazer e algo realizar, é sempre melhor o bem produzir. Todavia, a ação generosa, periódica, não é suficiente para equilibrar os valores humanos no campo de batalha da personalidade em detrimento do ser real em si mesmo.

O homem se torna aquilo que cultiva no pensamento.

A vida mental irregular, geradora de mil conflitos e disparates, não fica anestesiada em face da ingerência de alguns atos de solidariedade ou mesmo de beneficência.

O reto pensar é o método único para atingir o reto atuar.

Somente o pensamento bem direcionado impede que germinem as sementes da perturbação mental geradora dos tormentos que procedem dos vícios ancestrais.

O esforço para insistir no reto pensar preenche os espaços do pensar mal ou não pensar, ambos do agrado da ociosidade e da acomodação.

Mediante o reto pensamento, o homem se descobre, também, agindo retamente.

Inclina tua mente para o mais saudável.

Não te faças fiscal do lixo moral da sociedade, nem te permitas coletar os detritos do pessimismo como da vulgaridade.

De maneira nenhuma censures o teu próximo, especialmente quando este se encontre ausente.

Busca os valores positivos que existem nos outros e aprimora aqueles em ti existentes.

Sê equânime no teu foro íntimo e nas tuas expressões exteriores.

Fala menos e reflexiona mais em torno do amor.

Insiste nas ideias que estimulam a vontade a tornar-se forte quão disciplinada.

Planeja a ascensão e pensa sobre ela, raciocinando a respeito da perda de tempo com as ilusões e futilidades.

Supera o temor de qualquer natureza com a confiança de que nenhum mal de fora poderá fazer-te mal se estiveres bem interiormente, e que somente te sucederá o que venha a contribuir para a tua paz e progresso espiritual.

Jesus realizou na Terra os mais admiráveis fenômenos de que se tem notícia, e demonstrou a mais elevada qualidade de amor que jamais alguém, no mundo, ofereceu às criaturas. Todavia, o Seu reto pensar foi a causa do Seu reto agir, o que O fez Modelo para ser seguido em todas as épocas.


Texto retirado do livro Momentos de Meditação, Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª edição, 2014.

domingo, 10 de janeiro de 2021

Opção Pela Vida

 Nos atuais dias turbulentos, aumenta, assustadora e consideravelmente, o número dos indivíduos que se negam a viver, a enfrentar os desafios e as dificuldades, fugindo por meio da ingestão de drogas alucinógenas, do álcool, dos excessos desvigorantes, ao prosseguimento da existência corporal.

Ao lado desses programas de autodestruição, surgem os casos dos suicídios psicológicos, nos quais as vítimas se enredam nas teias da depressão, da paranoia, da psicose, da esquizofrenia, sem valor moral para enfrentar os problemas e dificuldades que fazem parte da vida.

O suicídio é o ato sumamente covarde de quem opta por fugir, despertando em realidade mais vigorosa, sem outra alternativa de escapar.

A vida não se consome na morte física e o  fenômeno biológico não é a expressão real do ser. 

Como consequência, o ex-suicida reencarnando sempre traz as matrizes do crime perpetrado, sofrendo contínua tentação de repetir o delito, quando defrontado por dificuldade de qualquer natureza.

A consciência de responsabilidade e segurança não é brindada por automatismo, antes é adquirida a esforço pessoal ingente. Essa aquisição não é lograda de um golpe, mas no dia a dia, no hora a hora, através dos pequenos até alcançar os grandes lances.

O indivíduo deve optar por si mesmo, como escreveu Kierkegaard, o filósofo e teólogo dinamarquês do século XIX.

Optar por si mesmo significa o resultado de uma análise cuidadosa da vida e das suas finalidades extraordinárias, representando um esforço para viver, para descobrir-se que existe, e nada, jamais, pode destruir a sua realidade.

Descobrir-se como se é, e aceitar-se, constitui a opção por si mesmo, trabalhando-se para novos e futuros logros que levam ao cumprimento do seu destino de ser pensante, facultando o discernimento de realizar as suas aspirações fundamentais, essenciais.

É cômodo e trágico fugir psicologicamente da vida, jamais o conseguindo realmente.

O homem faz parte de um conjunto harmônico que constitui a Criação. A sua inarmonia dificulta a ordem, o equilíbrio geral, que ele deve esforçar-se por não desorganizar.

O egoísmo, filho da imaturidade, torna-o exigente quão ingrato, levando-o à rebeldia quando contrariado nas suas paixões infantis, o que lhe propicia as distonias psicológicas e os primeiros pensamentos a respeito do suicídio.

Por outro lado, aparecem indivíduos que se aferram aos objetivos que se lhes representam como vida: amar apaixonadamente alguém, cuidar de outrem, dedicar-se a um labor, a uma tarefa artística ou não, a um ideal ou à abnegação, e que, concluída a motivação, negam-se a viver, matando-se emocionalmente e sucumbindo depois...

Estas pessoas não optaram por si mesmas. Realizaram um mecanismo de transferência, sem que hajam experimentado a beleza da vida e suas ulteriores finalidades.

Quem se considerava livre para morrer assume um compromisso com a liberdade para viver.

A opção por si mesmo oferece uma alta responsabilidade para com a vida, um encanto novo para descobrir todas as belezas que estavam sombreadas pelo pessimismo, uma liberdade em alto grau de movimentação.

O amor se lhe expressa mais pleno, porque, amando a si mesmo, irradia este sentimento em todas as direções e preenche todos os vazios íntimos com alegria e realização, mediante a autodisciplina, que se lhe torna guia eficaz dos pensamentos e atos libertadores.


Texto retirado do livro Momentos de Iluminação; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 4ª Edição, 2015.

sábado, 2 de janeiro de 2021

De armas na mão pela liberdade

 Não estou inventando: saiu no jornal: "Em Porto Alegre, senhora de noventa anos (noventa, sim) arma-se com dois (dois!) revólveres e abre caminho para a rua, garantindo o seu direito de ir e vir". Não lhe dou o nome porque não sou dedo-duro; conta-se o milagre sem precisar dizer o nome do santo.

Os revólveres, no caso, eram dois trinta-e-oito. Ou como se diz na gíria, dois trezoitãos. E tinham bala dentro, e a idosa, dona, pelo jeito leve com que empunhava, mostrava que sabia atirar.

Assim mesmo foi detida pelos policiais, tiraram-lhe as armas, sob os veementes protestos da anciã. E, mostrando-se as autoridades curiosas quanto à procedência dos revólveres, ela declarou que haviam pertencido ao seu falecido pai, e que os guardava num velho baú, no porão da "casa de idosos" onde mora. Recebendo a pensão de uns dois salários mínimos, não podia, logicamente, pagar a mensalidade que lhe cobrariam por um quarto normal, na "casa de idosos". Deram-lhe então o tal porão, a preço módico, escuro, sem janelas - imagine o calor que não faz lá, nos meses de verão, principalmente janeiro, em Porto Alegre! E no inverno, no frio, como não deve ser escuro e mal arejado. Assim mesmo, parece que a diretoria da casa não lhe permitia saídas. E a repórter o confirma: a direção a proibia de sair, receando que, assim idosa, ela se perdesse na rua, sofresse algum acidente ou assalto. Na mentalidade da maioria das pessoas, velho é pra viver preso, na casa, no quarto; o ideal é uma cadeira de rodas, mas nem sempre a conseguem. E o infeliz do idoso quase nunca pode se defender da solicitude dos mais moços, filhos, parentes, guardiões: "Não coma esse doce, olha o diabetes!" (como se o doce fosse arsênico). "Cuidado, não vá tropeçar!" "Calma, segure bem no corrimão!" "Olha o buraco na calçada, veja onde está pisando!" E os mais solícitos ou mais medrosos nos seguram com tanta força o braço que até parecem estar carregando às grades um preso renitente.

Imagine o grau de indignação, de constrangimento, de "cólera que espuma", como dizia o soneto, que sufocava o coração da nossa heroína. A vontade louca de ver o céu, luz, rua, pessoas desconhecidas, e não as caras severas dos seus guardiões. No jornal de Porto Alegre diz-se que ela é solteira, ou "inupta" (a que não convolou núpcias), segundo a fórmula legal. Fadada a viver sozinha, na nua solidão, sem nem ter a companhia de outro velho, de um companheiro ao seu lado, que lhe fizesse massagem contra reumatismo, com quem dividisse a surdez, as deficiências visuais; ou, viúva fosse, tivesse do companheiro as perenes lembranças de uma vida comum, até mesmo lembranças do amor. Digo isso timidamente, temendo risos, pois quem vai admitir que um velho ou velha de noventa anos, tenha lembranças de amor?

Verdade que nessas campanhas caritativas em prol da "terceira idade" eles brincam carinhosamente com a ideia de dois velhos dançando (na televisão, os velhotes dançarinos sempre ensaiam um tango argentino e são vestidos à moda de 1925, ela já de saia meio curta de melindrosa e ele de colete e polainas!). Botam os velhos para estudar vestibular, ou pra fazer ioga, para treinar pintura a óleo (flores e paisagem rústicas), a cantar em coros etc.etc. Ninguém parece entender que a primeira condição para o velho não se sentir tão velho é deixá-lo sentir-se livre. Resolver seus problemas pessoais; ser ele próprio quem conte os seus sintomas ao médico, ser ele próprio quem decide se toma ou não os remédios prescritos - como faz todo mundo. Deixar que ele se liberte um instante ao menos da tutela dos "entes queridos" e não lhe ralhar se ele, liberado, der uma topada, um tropicão, no exercício dessa liberdade. Deixá-lo que durma só, que não lhe apareça ninguém no quarto à meia-noite, perguntando se ele está insone (está muito feliz, lendo), se esqueceu de tomar o Lexotan...

Ah, como a gente entenda a velha pistoleira do Rio Grande do Sul. E fico preocupada - que estarão fazendo com ela, sem nem ao menos serem os filhos que a tiranizem, vítima da ácida vigilância dos estranhos. E agora, então, as coisas devem ter piorado. Já que a nossa nonagenária pistoleira e fujona confessou que guardava as armas num velho baú. Cuidado, velhos e velhas, meus colegas: vocês vão ver que, de hoje em diante, ninguém mais vai nos deixar possuir um baú!


Crônica de Rachel de Queiroz retirado do livro Do Conto à Crônica, Volume 2 Crônica e Conto, série Literatura em Minha Casa, Editora Salamandra, São Paulo, 2003.