15 novembro 2025

Os Astros governam nossa vida

As mais recentes pesquisas do telescópio Hubble mostram que existem no Universo mais de 250 milhões de galáxias com bilhões de sóis iguais ao nosso, o que revela a existência de um campo progressivo de força e energia, gerador de campos gravitacionais que interferem em todo o Universo. Se somos matéria, o que vale dizer, energia em determinado estado de vibração, não resta dúvida de que toda essa força existente no Universo há de interferir, de uma forma mais sutil ou mesmo em graus mais intensos, em nossa forma de ser.

Isso explica a astrologia e nos dá um caminho para entender por que seres de diferentes origens apresentam semelhanças em sua maneira de agir e de reagir, como se fossem guiados por uma mesma energia.

Quando dizemos que o nativo do signo de Escorpião age de forma determinada e rigorosa na busca de todos os seus objetivos de vida, estabelecendo metas e as buscando com fixação por vezes o torna teimoso, estamos simplesmente afirmando que as pessoas nascidas no planeta Terra, quando ele se encontra em determinado ponto do espaço, recebem o mesmo feixe de influências geradas por esses milhões de galáxias que agem em conjunto na formação da energia que move o universo.

E isso se aplica a todos os signos, de forma quase exata, levando-nos à certeza de que os movimentos do Planeta Terra em torno de si mesmo, circundando o Sol e se inserindo na evolução do sistema solar dentro da nossa galáxia, que também está em movimento, influenciam sistemas, planetas, continentes, mares, terra e gente... Não há como negá-lo.

Essa energia transmudada em matéria que forma nosso corpo é passível de influências externas, e nesse aspecto entram os conceitos de astrologia como forma de detecção de temperamento, personalidade e comportamento.

Analisando os signos, chega-se facilmente à conclusão da similitude de elementos entre os nativos de um mesmo período, como se todos os que nascem quando os movimentos de translação, rotação e da caminhada da Terra em direção a outro ponto da Via-Láctea absorvessem os mesmos dons e a mesma capacidade e debilidade.

Por isso, quando se recomenda, por exemplo, a um nativo de um signo um pouco mais de abertura em seus contatos humanos, toca-se em característica comum daquele signo que tem nas suas características a introversão; ou seja, a introversão faz parte de um tipo específico de influência para os que nascem em um dado período - quando um planeta passa por determinada constelação. E isso se repete signo a signo, de uma forma impressionante.

Se há energia ou força cósmica gerando os mesmos elementos de influência, conhecê-los, dirigi-los e controlá-los é mudar nossa própria vida, buscando os pontos ideais que todos pretendemos em nossa existência com o emprego dessa mesma força e energia. E isso é possível...

O autoconhecimento é a ciência de nossos pontos mais fortes e das características mais frágeis de nosso temperamento e de nossa personalidade. Uma ciência que nos faz pessoas mais capazes por lidarmos com coisas que sabemos passíveis de mudança ou atenuação.

Isso vale tudo para a criatividade arietina, a segurança taurina, a indecisão geminiana, o isolacionismo canceriano, o exibicionismo leonino, o detalhismo virginiano, o equilíbrio libriano, o passionalismo escorpiano, o senso crítico sagitariano, as exigências capricornianas, os avanços aquarianos e o misticismo pisciano. Para todos os nativos de um determinado signo, os elementos são os mesmos e se repetem.

Cabe-nos dirigir nossas energias, conhecendo bastante nossos pontos fortes e fracos para saber o que fazer quando eles se manifestam. Isso nos torna pessoas mais perfeitas, embora não se pretenda, por impossível, remover-se traços de temperamento e caráter.

A astrologia é uma das mais perfeitas dessas ferramentas e podemos usá-la em todos os instantes em nosso cotidiano de trabalho, nos relacionamentos, nos projetos, em família, no amor e em tudo o que fazemos.

Não se usa a astrologia como forma mundana de adivinhação barata. Sem ser ciência, o estudo das influências dos astros sobre nosso temperamento é uma proposta de estudo em um campo que o ser humano ainda não conhece inteiramente. Um estudo válido e que pode nos tornar bem melhores do que somos.


Texto de Max Klim retirado do livro Escorpião, coleção Você e Seu Signo, Editora Nova Era, Rio de Janeiro, 2001.

Altar Íntimo (93)

 "Temos um altar." - Paulo. (HEBREUS, 13:10.)

Até agora, construímos altares em toda parte, reverenciando o Mestre e Senhor.

De ouro, de mármore, de madeira, de barro, recamados de perfumes, preciosidades e flores, erguemos santuários e convocamos o concurso da arte para os retoques de iluminação artificial e beleza exterior.

Materializado o monumento da fé, ajoelhamo-nos em atitude de prece e procuramos a inspiração divina.

Realmente, toda movimentação nesse sentido é respeitável, ainda mesmo quando cometemos o erro comum de esquecer os famintos da estrada, em favor das suntuosidades do culto, porque o amor e a gratidão ao Poder Celeste, mesmo quando mal conduzidos, merecem veneração.

Todavia, é imprescindível crescer para a vida maior.

O próprio Mestre nos advertiu, junto à Samaritana, que tempos viriam em que o Pai seria adorado em espírito e verdade.

E Paulo acrescenta que temos um altar.

A finalidade máxima dos templos de pedra é a de despertar-nos a consciência.

O cristão acordado, porém, caminha oficiando como sacerdote de si mesmo, glorificando o amor perante o ódio, a paz diante da discórdia, a serenidade à frente da perturbação, o bem à vista do mal...

Não olvidemos, pois, o altar íntimo que nos cabe consagrar ao Divino Poder e à Celeste Bondade.

Comparecer, ante os altares de pedra, de alma cerrada à luz e à inspiração do Mestre, é o mesmo que lançar um cofre impermeável de trevas à plena claridade solar. Se as ondas luminosas continuam sendo ondas luminosas, as sombras não se alteram igualmente. 

Apresentemos, portanto, ao Senhor as nossas oferendas e sacrifícios em quotas abençoadas de amor ao próximo, adorando-o, através do altar do coração, e prossigamos no trabalho que nos cabe realizar.


Texto retirado do livro Fonte VivaFrancisco Cândido Xavier pelo Espírito Emmanuel, FEB, Brasília, 1987.

14 novembro 2025

Nota do Autor (A Linguagem dos Sentimentos)

Nossos sentimentos são nosso sexto sentido, o sentido que interpreta, organiza, dirige e resume os outros cinco. Os sentimentos nos dizem se o que estamos experimentando é ameaçador, doloroso, lamentável, triste ou alegre. Os sentimentos podem ser descritos e explicados de maneiras simples e diretas. Não há nada de místico ou mágico sobre eles. Os sentimentos formam uma linguagem bem própria. Quando os sentimentos falam, somos compelidos a ouvir - e às vezes a agir - mesmo que nem sempre compreendamos o porquê. Não estar cônscio dos sentimentos de alguém, não compreendê-los ou não saber como usá-los ou expressá-los é pior do que ser cego, surdo ou paralítico. Não sentir é não viver. Mais do que qualquer outra coisa, os sentimentos nos tornam humanos. Os sentimentos nos tornam todos parentes uns dos outros.

Os sentimentos são nossa reação ao que percebemos e, por sua vez, eles colorem e definem nossa percepção do mundo. Na verdade, os sentimentos são o mundo em que vivemos. Pelo fato de tanto do que sabemos depender de nossos sentimentos, ficando à mercê das ondas, em sentimentos confusos ou indistintamente percebidos, somos esmagados por um mundo confuso.

Ao escrever este livro, meu objetivo foi o de explicar a natureza dos sentimentos - o que eles significam, como funcionam, de onde procedem, e como compreendê-los e usá-los. A interpretação que aqui ofereço deriva tanto de meu treinamento e experiência na prática, assim como deriva de minha familiaridade comigo mesmo, de minha autocompreensão, a qual malgrado incompleta, está ainda promissoramente se desenvolvendo. Desenvolvendo minha perspectiva, mais tomei consciência de minhas próprias limitações, e tentei tomar o cuidado de fazer com que elas não se intrometessem. Não pretendo ter todas as respostas. Não obstante, adquiri um certo conhecimento dos sentimentos ao longo dos anos, e tentarei registrar estes vislumbres de uma maneira tão direta e simples quanto possível.

A linguagem dos sentimentos é a maneira pela qual nos relacionamos conosco mesmos, e se não podemos nos comunicar conosco mesmos, simplesmente não podemos nos comunicar com os outros. Como afirmei, percebemos o mundo através de nossos cinco sentidos. As impressões sensoriais desta maneira a nós retransmitidas precisam ser novamente integradas por cada um de nós. A maneira pela qual cada um de nós percebe - com qualquer um dos sentidos - varia mas não varia tanto quanto a maneira pela qual o mundo faz sentido. Este processo de integrar o mundo ao nosso próprio estilo é um processo mental básico. É também o processo criativo.

Nossos sentimentos são nossa reação ao que percebemos através dos sentidos e podem modelar nossa reação ao que experimentaremos no futuro. A pessoa que carrega consigo muita raiva não apaziguada, por exemplo, provavelmente achará o mundo que encontra também raivoso e, assim, justifica e perpetua seu próprio sentimento de raiva.

Acredito que isto sugere que em grande parte o mundo é criação da gente mesmo. Na verdade, o mundo está consideravelmente mais sob nossa influência do que a maioria de nós se dá conta. Quando a pessoa assume a responsabilidade por seus sentimentos, assume também responsabilidade por seu mundo. Compreender os sentimentos é a chave para o domínio de nós mesmos, para achar a verdadeira independência, que é atingir o único poder real digno de se ter. Se bem que esta ideia implica em que cada um de nós é responsável por si mesmo, ela também significa que muito existe que cada um de nós pode fazer para endireitar as peças desconjuntadas de sua vida para harmonizá-las. Verdadeiramente, desconfio que, se cada pessoa aceitasse a responsabilidade de pôr em ordem seu próprio mundo emocional, o mundo como um todo poderia também tornar-se mais real, mais harmonioso e, quiçá, mais pacífico.

Espero que este livro ajude a desfazer alguns dos mistérios dos sentimentos, que torne mais possível às pessoas reconhecerem e compreenderem o que sentem, que mostre onde provêm seus sentimentos e para onde eles estão indo, de forma que eles, os sentimentos, possam ser aliados nossos - em vez de serem inimigos nossos - no caminho de nosso natural progresso. Não proponho nenhuma maneira fulminante ou que esteja "na onda" para conseguir isto. O método básico é a compreensão, e espero que através dela todo leitor tenha uma nova consciência de si próprio.

Provavelmente, muito existe nestas páginas em que praticamente todo mundo já pensou ou, no mínimo, já sentiu antes. Este livro tenta dar uma certa ordem a isto e, por conseguinte, tenta ser mais útil - para mostrar uma linguagem dos sentimentos e, por isso, articular uma sintaxe das emoções.

À medida que a pessoa se abre mais em relação a seus sentimentos, menos necessidade existe de se guardar das coisas ameaçadoras do mundo, porque, em vez de se ocultar dos sentimentos, a pessoa aberta usa-os como um guia que interpreta o mundo que ela está experienciando. As pessoas que se apóiam tão somente em seu intelecto para descobrirem seu caminho pelo mundo, não têm a probabilidade de estarem em harmonia como as pessoas que também usam seus sentimentos. As realizações mais elevadas do homem não estão na precisão de sua ciência, mas na perfeição de sua arte. A arte humana é o louvor de seus sentimentos em seu ponto mais coerente.

A realidade não pode ser compreendida sem levarmos em conta os sentimentos. As abstrações do intelecto e do raciocínio são importantes, mas quando perdem contato com os sentimentos, abrem passagem para atos inumanos e destrutivos. Quando perdemos contato com nossos sentimentos, perdemos contato com nossas qualidades mais humanas. Vivendo em nossos sentimentos, estamos mais em contato, mais vivo. Parafraseando Descartes, nada mais verdadeiro do que "Sinto, logo sou".

Espero neste livro construir uma estrutura contra a qual o leitor possa examinar seus próprios sentimentos e sua vida. Assim fazendo, espero também oferecer um guia que permita aos sentimentos acharem sua expressão mais natural de um modo tanto quanto possível aceitável, e que no processo esses mesmos sentimentos tenham a melhor probabilidade de resolver os conflitos e de encorajar o crescimento. Podemos administrar nossos sentimentos de modo defensivo ou criador, aquele voltando-se para dentro de si mesmo, este num expressivo fluxo para fora do indivíduo.

Acredito que tudo isso seja realmente uma determinação muito grande, e que, quando muito, pode ser apenas incompletamente atingida. Espero que o leitor pegue as ideias e os métodos aqui sugeridos e os use como os vê para resolver os enigmas, para reunir os detalhes de sua própria experiência e, a partir daí, criar sua própria vida melhor, por si mesmo e para si mesmo.


Retirado do livro A Linguagem dos Sentimentos, de David Viscott, Summus Editorial, 16ª Edição, São Paulo, 1982.

Introdução (do livro Preconceito contra homossexualidades)

A sexualidade humana é uma dimensão da experiência social permeada por inumeráveis questões. Através dela, todo um universo de desejos, crenças e valores são articulados, definindo um amplo espectro do que entendemos como sendo a nossa identidade. Todavia, como veremos, esse jogo não se faz à margem da história; muito pelo contrário, ele se fabrica no intercâmbio de significados e contextos que ocorre entre o "eu" e o "outro", o "eu" e o "nós" e o "eles", enfim, acontece na troca reinterpretativa de significados e interações sociais e institucionais que criam posições sociais e, consequentemente, posições identitárias e políticas.

As sexualidades sempre participaram da estruturação das hierarquias sociais, fazendo parte do debate político. Vários historiadores e tratados bibliográficos que retomam os tempos históricos evidenciam a intensidade e os caminhos pelos quais as formas de sexualidade são e foram objeto de disputa, de controle social e individual, de emancipação ou violência contra a pessoa humana. O desafio deste livro é compreender como estas formas de significação da sexualidade se entrelaçam em um emaranhado visível e invisível no cotidiano de todos nós.

Uma vez que compreendemos que este debate é, por princípio, provisório e inacabado, apresentamos este livro que pretende introduzir o leitor em um conjunto de literaturas, pesquisas e debates que não só abarcam os temas relativos à sexualidade e à orientação sexual, mas também colaboram na construção de uma sociedade mais justa, dando visibilidade às formas de enfrentamento do preconceito sexual, participando ativamente do processo de democratização de nossa sociedade. Assim, nosso objetivo aqui não é discutir as homossexualidades como um fenômeno isolado, mas sim a relação entre homossexualidades e a inferiorização social a que muitas pessoas estão submetidas cotidianamente, do ponto de vista público e político.

Podemos afirmar então que discutir as sexualidades envolve mais temas do que podemos abordar neste espaço, motivo pelo qual faremos um desenho circunscrevendo as formas de orientação sexual em torno das homossexualidades e as questões políticas e identitárias envolvidas nessas relações privadas e públicas na sociedade contemporânea, já que é a partir da politização das sexualidades que podemos observar o preconceito e os enfrentamentos em torno da visibilidade e dos direitos homossexuais.

Este livro que ora apresentamos está articulado em seis capítulos que objetivam sustentar o argumento de que o preconceito, como um mecanismo social, colabora e produz formas subalternas de cidadanias e que o enfrentamento contra essas subalternidades exige um alargamento do campo do político.

O Capítulo 1 é a apresentação do argumento principal do livro ou o limite e a expansão do debate que ele enfoca. Introduzimos a discussão da homossexualidade no âmbito da política e, para tal, lançamos mão de dois conceitos fundamentais: o de política e o de identidade. Seu argumento principal é que a experiência homossexual tensiona os limites historicamente estabelecidos entre as experiências privada e pública nas sociedades atuais.

No Capítulo 2,para compreensão do lugar de subalternidade em que as homossexualidades estão inseridas, retomaremos os principais debates históricos sobre a diversidade sexual e alguns modelos de explicação da sexualidade humana. Serão apresentados alguns dos principais argumentos que posicionaram as homossexualidades no campo do debate público, seja científico ou moral. A partir daí, o leitor poderá seguir os nossos argumentos, os quais defendem que o preconceito é um instrumento importante na manutenção das hierarquias sociais. Em seguida, no Capítulo 3 apresentamos alguns fragmentos de importantes estudos sobre gays, lésbicas, travestis e transgêneros, que têm consubstancializado um campo de pesquisa e intervenção dos mais dinâmicos e criativos nas últimas décadas.

No Capítulo 4 explicitamos uma abordagem sobre o preconceito e a sua relação com a manutenção da subalternidade. Aqui a principal questão focada se baseia na ideia de que o preconceito, como um mecanismo psicológico e social, sustenta e é sustentáculo de formas de criminalização, classificação social e hierarquização das experiências da diversidade. No Capítulo 5 fazemos uma apresentação daquele que entendemos como um ator político fundamental no enfrentamento da inferiorização social a que homossexuais estão submetidos, além de ser, sem dúvida, um dos mais expressivos movimentos de enfrentamento do preconceito com relação à diversidade sexual: os movimentos GLBTs. Fazemos uma rápida apresentação da emergência deste ator político e das novas configurações político-culturais que, através da ação social de inúmeros grupos, organizações não-governamentais e movimentos sociais, se evidenciam atualmente como um importante agente de democratização do espaço público brasileiro. E, por fim, mas sem conclusões, indicamos uma lista de recursos para a continuidade dos estudos sobre as diversas problemáticas que envolvem atualmente as homossexualidades.

O leitor aqui não é só convidado a navegar pelas palavras e pensamentos dos autores, mas é também convocado a reescrever nossas posições, criticá-las e, portanto, dialogar conosco, pois o enfrentamento do preconceito e a democratização das hierarquias sexuais não se dão somente por consensos científicos ou aparatos legais, mas sobretudo pelo fomento de uma nova cultura política embasada na conscientização social dos indivíduos participantes de determinada comunidade política.


Texto retirado do livro Preconceito contra homossexualidades - A hierarquia da invisibilidade, de Marco Aurélio Máximo Prado e Frederico Viana Machado, Editora Cortez, Coleção Preconceitos, São Paulo, 2008.

13 novembro 2025

Tocar - O Significado Humano da Pele (Apresentação)

Este livro chegou na hora certa.

Ele é extraordinariamente importante para todos os animais superiores, o contato, o toque, a proximidade, a carícia. Verdade para o adulto, verdade verdadeiramente vital para todas as crias, filhotes e filhos.

Não pode haver saúde, nem funcionamento pleno, se os sistemas vivos não estiverem ou não mantiverem contatos frequentes.

Mas não é monótono de se ler. A cada página, a cada parágrafo, um fato curioso, surpreendente, engraçado. Ou é uma história de bicho - bem observada, ou alguma história de gente, ou uma experiência bem feita - em laboratório. Uma sucessão ininterrupta de fatos e argumentos, todos entrelaçados, envolventes, fascinantes; porque o estilo é científico, sóbrio, mas o conteúdo é tudo o que sempre soubemos - mas que quase ninguém tem a coragem de viver.

Por isso estamos tão doentes. Falta-nos proximidade, contato; não trocamos carícias nem gostamos que toquem em nós.

Quanto mais civilizados, mais asséptico, mais distante e mais frio. Só palavras. Pouca mímica. Nenhum contato. Por isso foi tão fácil inventar robôs.

Estamos cercados o tempo todo daquilo que mais desejamos e ninguém ousa se apropriar - tocar, abraçar, acariciar - olhos nos olhos...

É bem capaz que, por isso, estejamos nos perdendo, caminhando a passos largos em tantas direções destrutivas. Por isso, não nos juntamos em ação comum em defesa da vida de todos nós, tão ameaçada por tantos perigos, todos se desenvolvendo em velocidade uniformemente acelerada...

Mas, deveras, cabe o "por que" dramático. Por que nos afastamos tanto assim uns dos outros? Que função ou que disfunção é essa? De que doença sofremos? Quanto mais "educados" mais distantes e separados - mais "leprosos"...

Estranha maldição porque, junto com a vida, perdemos horas infindas de prazer e felicidade. Tudo tão aí. Tudo tão impossível.

Estranha maldição. Inclusive seus maiores defensores - do contato e da carícia - não fizemos nada do que pregaram, muito pelo contrário. Falo de Reich e das muitas bioenergéticas que dele nasceram. A maior parte delas parece cena de tortura, não de prazer. De solidão e não de contato.

Por que contradição? Porque a proposição mais importante de Reich enquanto clínico e terapeuta do homem ocidental foi essa: "a pior - a mais insuportável - de todas as angústias é a angústia de prazer".

Então, pergunto: Por que não proporcionar prazer às pessoas permanecendo atento a todos os modos que a pessoa lançará mão a fim de não não sentir o que está sentindo?

Não pode. Só fazer sofrer - aí pode - todos aceitam e aprovam. Fazer feliz é perigoso demais.

Por que os terapeutas fazem assim? Porque eles tampouco sabem manter contato ou sentir prazer. Terapeuta não deve sentir prazer. Quem poderia pensar uma coisa tão... imoral! Primeiro o paciente fica viciado, depois, como é que além de viver feliz o terapeuta ainda cobra!

Logo: o contato é impossível em nosso mundo.

Começa no começo. O autor reitera: Maternidade foi feita para obstetra: nem para a mãe e muito menos para a criança. As Maternidades são um crime contra a natureza e a consequência de seus procedimentos que ainda ousam acreditar científicos ainda serão bem avaliadas um dia e ver-se-à, então, que o Circo Romano era menos cruel.

Porque, nas dulcíssimas palavras da santo cientista, "humanizar-se é viver aprendendo e sendo cada vez mais gentilmente amoroso".

Este livro chegou na hora. Em poucos anos  tirou edições novas, cada qual mais recheada de fatos e experiências.

Que seja muito lido.

Que comece a acontecer!


Texto de José Ângelo Gaiarsa para a Apresentação da Edição Brasileira do livro Tocar - O Significado Humano da Pele, de Ashley Montagu, tradução de Maria Sílvia Mourão Netto, Summus Editorial, 4ª Edição, São Paulo, 1986.

12 novembro 2025

Obsessão corporal masculina: um duplo laço perturbador

Em nossa pesquisa nas Faculdades de Medicina das Universidades de Harvard e Brown, e em estudos colaborando com cientistas dos Estados Unidos e de outros países, nós três conhecemos diversos rapazes e homens "normais" sob outros aspectos que compartilham esses mesmos sentimentos de desajuste, falta de atração e mesmo insuficiência. Após entrevistar centenas de homens malhando em ginásios e academias, e compilando nossa experiência clínica coletiva com as outras centenas mais que vimos em nossos consultórios, aprendemos que homens como John, Alan, Bertrand e os três universitários representam um grupo amplo e crescente que se sente inseguro e ansioso - e mesmo paralisado - pela própria aparência. A sociedade está lhes dizendo agora, mais do que nunca, que seus corpos definem quem eles são como homens. Como eles acham impossível satisfazer esse padrão de supermachos, estão voltando sua ansiedade e sua humilhação para dentro.

Na superfície, a maioria dos rapazes e homens com os quais conversamos, assim como os milhões de outros homens como eles em todo mundo, levam o que parecem ser vidas regulares e bem-ajustadas. De fato, a grande maioria nunca sonharia em consultar um profissional em saúde mental. Mas por trás do sorriso, por trás das bravatas atléticas engraçadas, muitos desses homens preocupam-se com sua masculinidade. Alguns acham-se até clinicamente deprimidos e muitos são intensamente autocríticos. Como esses homens carregam um segredo que para eles é incômodo compartilhar até com as pessoas que mais amam, suas dúvidas sobre si mesmos podem tornar-se nocivas, devorando insidiosamente sua autoestima e autoconfiança como homens.

Na verdade, muitos desses homens, acreditamos, são apanhados em um duplo laço que nunca compreendem e do qual nunca conseguem escapar. Por um lado, estão cada vez mais cercados com imagens de perfeição masculina transmitidas pela mídia - não apenas aqui na academia, mas em cartazes, na televisão, no cinema. E se isso não fosse suficiente para fazê-los sentirem-se desajustados a respeito de seus corpos, são também bombardeados com mensagens de nascentes indústrias multibilionárias que capitalizam a sua  insegurança corporal. Essas "indústrias da imagem do corpo masculino" - que comerciam suplementos alimentares, ajudas dietéticas, programas de boa forma, remédios para crescer cabelo e incontáveis outros produtos - agora tocam cada vez mais as preocupações dos homens, assim como indústrias análogas se aproveitaram durante décadas da insegurança das mulheres com a própria aparência.

Mas o problema se ramifica mais à frente. As mulheres, com o correr dos anos, aprenderam gradualmente - pelo menos até certo ponto - como enfrentar os ideais de beleza impossíveis da sociedade e da mídia. Muitas mulheres sabem agora reconhecer e verbalizar suas preocupações com a aparência, falando abertamente sobre suas reações a esses ideais, em vez de deixá-los fervilhar dentro de si. Mas os homens ainda trabalham sobre um tabu social contra a expressão de tais sentimentos. Homens de verdade supostamente não reclamam de sua aparência; teoricamente não se preocupam com essas coisas. E assim esse "tabu de sentir e falar" acrescenta a queda ao coice: em um grau sem precedentes na história, os homens estão sendo levados a sentir-se mais e mais desajustados quanto a sua própria aparência - enquanto simultaneamente são proibidos de falar a respeito ou mesmo admitir isso para si mesmos.

E assim, apanhados entre ideais impossíveis por um lado e tabus contra sentir e falar por outro, milhões de rapazes e homens estão sofrendo. Para alguns, as preocupações com a imagem corporal se degeneraram em distúrbios psiquiátricos definidos, arruinando as suas próprias vidas e não raro as vidas daqueles que cuidam deles e os amam. E para cada rapaz ou homem com um distúrbio de imagem corporal em grande escala, existem muitos mais portadores de casos mais brandos das mesmas obsessões corporais - não tão incômodas, mas ainda o suficiente para magoar.


Trecho do livro O Complexo de Adônis - A Obsessão Masculina pelo Corpo, Harrison G. Pope Júnior, Katharina A. Phillips e Roberto Olivardia, Editora Campus, Rio de Janeiro, 2000.

11 novembro 2025

História do Corpo no Brasil (Apresentação)

O corpo humano nunca esteve tão "na moda" como hoje. Em nenhum momento da história, as formas, a aparência, a textura ou seu cheiro foram tão discutidos por leigos e especialistas. O mundo pós-moderno criou um tipo de corpo e todos os demais, para serem aceitos, devem se encaixar no modelo. Magro, diga-se de passagem. Não há espaço para os corpos que ocupam muito espaço. Os distintivos de beleza se globalizaram e quem não os tem busca a cirurgia plástica, atualmente bem mais acessível financeiramente. Alega-se que a mídia construiu este padrão de beleza e, a partir daí, todos se sentiram na obrigação de aderir ou não, para não ficar de fora do chamado grupo socialmente aceito. Entretanto, há uma questão que não quer se calar. A maioria não se encaixa no "modelo". Logo, trata-se de algo feito ou pensado para uma minoria, enquanto o restante ou luta desesperadamente para atingir o que se espera dele ou simplesmente ignora os padrões e segue a vida.

A história já nos mostrou, por variados caminhos, que quase tudo nunca foi como é agora, e a relação de uma sociedade com seu próprio corpo também reflete as mudanças complexas vivenciadas ao longo de variados processos históricos. Este é um dos objetivos desta obra: apresentar essas variações e como a sociedade lidou com elas ao longo do tempo.

Os textos aqui desenvolvidos enfocam o corpo humano de variadas óticas, abordagens e concepções teóricas. Todos tiveram como preocupação inicial pensar o corpo de uma perspectiva histórica, inserindo-o em um momento específico da sociedade brasileira. A partir daí, cada autor procurou, usando informações provenientes de fontes diferentes - algumas inclusive, sobre sociedades não brasileiras - entender o processo de construção do corpo do(a) brasileiro(a). Cronologicamente, o livro começa no período colonial, apresentando, no Capítulo 1, os corpos dos primeiros habitantes do Brasil, os índios, e como o projeto português tentou mudá-los, transformando-os em súditos cristãos do rei de Portugal. O Capítulo 2 analisa de que modo esse projeto colonial cristão conseguiu catequizar determinados grupos negros, usando para isso não só uma retórica específica, mas principalmente de imagens de santos também negros, objetivando a criação não só de corpos dóceis e cristãos, mas, acima de tudo, bons cativos. O Capítulo 3 trabalha com a ideia dos corpos mestiços e do deslocamento de gentes e de comportamentos, gerando um trânsito de imagens bastante complexo. O Capítulo 4 inaugura uma seção transitória entre o período colonial e o imperial. Os temas desenvolvidos nesse bloco estão ligados à sexualidade e à esterilidade e às soluções encontradas pela própria sociedade para resolver ou amenizar esses problemas. As bebidas e suas ações sobre os corpos também foram analisadas, bem como o público que consumia cada uma delas, no Capítulo 5.

O que fazer com um corpo morto? Esta foi a preocupação do Capítulo 6, que buscou apresentar como a sociedade lidou com os mortos e de que modo foram tratados tanto pelas religiões como pelas autoridades, e como esse tratamento mudou ao longo do período analisado. Mudanças também não faltaram no capítulo seguinte, o Capítulo 7, que analisa as roupas e a moda no Brasil colonial e imperial. Ainda que pensada apenas para as camadas mais altas da sociedade, os mais pobres e até mesmo os escravos, acabavam encontrando um jeito de copiar ou adaptar o que havia para suas próprias realidades. A cólera e a tuberculose eram duas das doenças que mais afetavam a população e os corpos acometidos por essas doenças precisavam ser tratados, isolados e controlados para que o restante da sociedade se mantivesse sã. Este é o tema do Capítulo 8, e o 9 apresenta corpos que, ao não seguir o controle social e religioso, optaram pelo suicídio, demonstrando que os preceitos de um bom tratamento ao corpo nem sempre funcionavam. Por fim, fechando a Parte I, há o Capítulo 10 sobre as atitudes de higiene que as autoridades insistiam para que a população tivesse sobre seus corpos, sendo o banho diário a principal delas.

A Parte II engloba análises sobre o período republicano. O bloco se inicia, no Capítulo 11, com uma apresentação sobre periódicos que circulavam na cidade do Rio de Janeiro no início do século XIX veiculando imagens de mulheres nuas e textos picantes e a relação que a sociedade carioca mantinha com eles. Da pornografia para o controle estatal sobre o corpo. Este é o tema do capítulo seguinte (Capítulo 12): como o governo Vargas construiu uma imagem de corpo ideal usando as crianças e os jovens como modelos de comportamentos esperados por bons cidadãos. Nesse mesmo período, há também a análise sobre os corpos dos trabalhadores das indústrias de São Paulo e a transformação destes em "corpos-máquinas" (tema do Capítulo 13). O último texto dessa parte, o Capítulo 14, identifica como os corpos de crianças portadoras de deficiência foram encaradas como "fardos sociais" e sistematicamente excluídos da sociedade.

A Parte III, a última do livro, é claramente voltada para questões atuais e tem uma preocupação quase sociológica a respeito dos usos que fazemos de nossos corpos. A temática do Capítulo 15, o primeiro desta parte, envolve a questão da velhice real e a esperada e todas as dificuldades em lidar com elas e suas transformações. Na sequência, o Capítulo 16 trabalha com os problemas causados pelos transtornos alimentares, a obesidade e a relação entre as carências afetivas e o consumo de açúcares e gorduras e, posteriormente, o sentimento de culpa, a bulimia e a anorexia. O texto seguinte, no Capítulo 17, aborda a relação das mulheres com os padrões de beleza e feiura e as práticas cirúrgicas levadas a cabo para atingir os modelos esperados. Por fim, finalizando a obra há o Capítulo 18 que trata sobre a eterna busca do corpo "sarado" por meio da prática de exercícios físicos, demonstrando que os valores, tanto de estética quanto da prática esportiva, sofreram mudanças significativas ao longo da história.

Esta é, portanto, uma obra múltipla, que busca compreender o corpo em suas variadas manifestações e o entende como um ser-objeto que sofre e, ao mesmo tempo, exerce transformações que não são livres das sujeições históricas de seu tempo.


Apresentação do livro História do Corpo no Brasil, vários autores - organização de Mary Del Priore e Márcia Amantino, Editora Unesp, São Paulo, 2011.

10 novembro 2025

Apresentação (do livro Sexualidade Masculina, Gênero e Saúde)

Esta obra ancora-se, principalmente, em minha experiência de pesquisa ao longo de 15 anos voltada para as relações entre sexualidade, saúde e doença. Durante esse período, procurei não só estudar essas relações por meio da análise das literaturas nacionais e internacionais, como também me voltei para a escuta das falas de sujeitos que integraram pesquisas por mim realizadas.

Nessa trajetória de pesquisa, nos últimos cinco anos, comecei a ajustar o foco para a sexualidade masculina em específico, sem, entretanto, perder a perspectiva relacional de gênero. Isso significa, principalmente, que compreendo essa sexualidade com base na contextualização dos modelos de gênero construídos culturalmente nas relações e nas instituições sociais. Considerando essa dimensão - que será mais bem trabalhada no capítulo 3 -, partilhei da premissa de que a sexualidade masculina e feminina se constroem na produção/reprodução de modelos de gêneros. Em outras palavras, as condutas e os enredos sexuais masculinos só se configuram como tal segundo o que compreendemos por condutas e enredos sexuais femininos e vice-versa. Assim, adoto uma abordagem sociocultural da sexualidade, procurando interpretar o contexto, as razões e as lógicas das falas e das ações, correlacionando-as ao conjunto de inter-relações e conjunturas, entre corpos analíticos.

Entre meus estudos sobre sexualidade masculina, destaca-se a pesquisa "A construção da masculinidade como fator impeditivo do cuidar de si" (Gomes, 2004), vinculada à Bolsa de Produtividade em Pesquisa (entre agosto de 2003 e fevereiro de 2007) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz (IFF/Fiocruz). Em geral, eu pretendia compreender algumas ideias que se encontram no imaginário social relacionadas ao 'ser homem' e podem comprometer a saúde dos homens. Privilegiei a 'prevenção do câncer de próstata para problematizar as relações entre masculinidade e cuidados em saúde. Meus objetivos foram: a) analisar as representações da masculinidade para profissionais da saúde e para homens que usualmente não buscam atendimentos nos serviços de saúde; b) analisar os modelos explicativos para as dificuldades de os homens cuidarem de si e de profissionais atuarem com esse gênero, principalmente no que se refere à prevenção do câncer de próstata; c) propor princípios para o campo da saúde coletiva que permitam melhor compreender aspectos socioantropológicos da masculinidade, visando a ações específicas voltadas para a saúde do homem.

A metodologia deste estudo ancorou-se na abordagem de pesquisa qualitativa, voltada para a problematização dos sentidos que os sujeitos atribuem aos fenômenos e ao conjunto de relações em que eles se inserem (Denzin & Lincoln, 2000; Deslandes & Gomes, 2004), com base em princípios da hermenêutica-dialética (Minayo, 2005).

Em termos de sujeitos do estudo, optei por trabalhar com homens maiores de 40 anos e com médicos urologistas, a fim de focalizar o câncer de próstata. Decidi também atuar junto com dois grupos de homens que trabalhavam ou residiam na cidade do Rio de Janeiro: os com nenhuma ou pouca escolaridade (Grupo 1) e os homens com Ensino Superior (Grupo 2). A composição desses grupos ajudou-me a verificar se o grau de instrução poderia interferir no cuidar de si. Em relação aos profissionais da saúde, procurei aqueles com pelo menos cinco anos de experiência no atendimento a homens. Com base nesses critérios, entrevistei dez médicos, dez homens do Grupo 1 e oito do Grupo 2. Fiz a seleção prevendo a possibilidade de inclusões sucessivas de informantes, até que fosse possível uma discussão densa sobre as questões da pesquisa e aprofundada sobre o objeto de estudo (Minayo, 2006). Adotei a técnica de universos familiares (Vaitsman, 1994; Velho, 1981), em que pessoas conhecidas do pesquisador indicam outras a serem entrevistadas, que, por sua vez, indicam outras conhecidas.

A coleta dos dados apoiou-se em entrevistas semiestruturadas, realizadas em horários e locais escolhidos pelos entrevistadores, em um único encontro de, em média, uma hora e trinta minutos. Nas entrevistas, focalizei os sentidos atribuídos ao ser homem, ao cuidar de si e à prevenção do câncer de próstata por meio do toque retal.

As informações fornecidas pelos sujeitos pelos sujeitos foram trabalhadas por meio de dois métodos que se articulam na perspectiva hermenêutica-dialética (Minayo, 2005): o método de interpretação de sentidos (Gomes, Minayo & Silva, 2005; Gomes, 2007) e o método de análise e interpretação de narrativas (Gomes & Mendonça, 2002).

As opiniões dos entrevistados sobre masculinidade, uso de serviços de saúde por parte de homens e prevenção do câncer de próstata foram trabalhadas nos termos do primeiro método. No trato dessas opiniões, percorri os seguintes passos: a) compreensão dos depoimentos; b) identificação e problematização das ideias explícitas e implícitas no texto: c) busca de sentidos socioculturais subjacentes aos depoimentos; d) estabelecimento de relações entre sentidos atribuídos pelos sujeitos, resultado de outros estudos acerca do assunto, e o referencial teórico do estudo; e) elaboração de síntese interpretativa.

Em relação às narrativas dos sujeitos a respeito de sua sexualidade, utilizei o segundo método. Na primeira etapa, busquei compreender o contexto das interpretações sobre sexualidade, principalmente acerca da experiência de iniciação sexual. Na segunda, procurei desvendar os aspectos estruturais da narrativa, problematizando seus conteúdos por meio de questões voltadas para cenários, personagens, espaços e eventos mencionados, bem como o enredo e o desfecho delineado pelos narradores. Como terceira etapa, elaborei uma síntese interpretativa, em que dados revelados pelas narrativas dialogam com o contexto sócio-histórico. Os resultados dessa pesquisa, que em parte já se encontram publicados em artigos (Gomes, Nascimento & Araújo, 2007; Gomes et al., 2007), serão utilizados em capítulos deste volume para embasar minha discussão acerca do assunto.

Além dessa pesquisa, para ilustrar a discussão, trago uma interpretação que fiz dos conteúdos de uma revista sobre saúde do homem, de circulação internacional, lançada recentemente no Brasil. Nessa interpretação, com algumas adaptações, apliquei aspectos do método de análise e interpretação de narrativas. No capítulo 4, figuram as conclusões desse estudo.

Os capítulos, embora demarquem especificidades ou prismas das relações estabelecidas entre sexualidade masculina, gênero e saúde, se articulam em torno do propósito de contribuir para a promoção da sexualidade masculina saudável. Por essa expressão, estou entendendo a experiência de uma vida sexual prazerosa, informada, sem riscos de doenças, livre de violência e baseada na autoestima, sem que questões do masculino sejam vistas separadamente das do feminino. A perspectiva relacional de gênero atravessa os diferentes capítulos, implícita ou explicitamente, dando visibilidade ao confronto entre a sexualidade masculina e feminina e ao mesmo tempo relativizando-o.

No capítulo 1, discutirei, principalmente, a pertinência de abordar a temática em questão. Nele, apresentarei minhas motivações para desenvolver este estudo. O que me moveu para tal empreendimento foi, sobretudo, minha experiência de pesquisador que, há mais de dez anos, se volta para questões relacionadas à sexualidade. Nesta parte, apresentarei também a relevância da discussão, apoiando-me nas literaturas nacional e internacional. Minha justificativa centra-se, principalmente, na intenção de trazer subsídios para a promoção da saúde sexual masculina, de forma a beneficiar não só os homens como também as mulheres, no contexto das relações de gênero.

O capítulo 2 versará sobre o quadro geral da morbi-mortalidade masculina no Brasil. O propósito é fornecer ao leitor um cenário no qual se inseriria a discussão sobre a sexualidade masculina. Estabelecerei considerações gerais que poderão servir para que algumas informações acerca do assunto sejam problematizadas, levando em conta as questões de gênero. Observarei que, em função dos dados da área da saúde disponíveis, a caracterização tratará muito mais dos comprometimentos da saúde e da mortalidade do que da saúde propriamente dita. Neste capítulo, também discutirei aspectos relacionados ao reduzido envolvimento de homens com os cuidados em saúde, seja no que se refere ao autocuidado, seja no que tange à busca de cuidados especializados.

No capítulo 3, apresentarei um referencial teórico-conceitual básico acerca do assunto. Buscarei não só estabelecer uma ancoragem para a discussão como também disponibilizar um referencial para que novos estudos possam ser desenvolvidos. Tratarei, principalmente, dos conceitos 'gênero', 'masculinidade' e 'sexualidade masculina'. Nessa discussão teórico-conceitual, observarei que os conceitos nem sempre demarcam fronteiras nítidas em torno do que querem referir: ora superpõem, ora se diferenciam mutuamente. Neste capítulo, procurarei tecer considerações baseadas em discursos de vários autores que tratam do assunto, como se fossem fios que se entrelaçam em uma só trama.

O capítulo 4 é uma interpretação de conteúdos de uma revista voltada especificamente para a saúde do homem, que passou a circular nas bancas de jornal brasileiras no fim do primeiro semestre de 2006. Ao interpretar as narrativas presentes nessa revista, quero destacar - de forma ilustrativa - a maneira como a mídia vem focalizando a sexualidade e a saúde do homem em geral, desvendando os modelos subjacentes às mensagens veiculadas para segmentos masculinos da população. Assim, procurarei não só identificar os conteúdos acerca do assunto nas matérias da revista, mas principalmente, o que se encontra a tais conteúdos.

No capítulo 5, discutirei cenários, enredos e personagens de narrativas sexuais masculinas. Os autores das narrativas são homens com pouca ou nenhuma escolaridade e homens com Ensino Superior que falam sobre as suas histórias sexuais. A escuta dessas falas me possibilitou melhor compreender trajetórias vivenciadas por homens na construção de sua sexualidade. Junto com o desenvolvimento das narrativas, estabelecerei um diálogo entre os dados de minha pesquisa e os de outros estudos. Com esse diálogo, acredito que será possível contribuir para que a sexualidade masculina seja problematizada e mais bem dimensionada no campo das ações voltadas para as especificidades do masculino e para as questões de gênero em geral.

No capítulo 6, explicitarei o que entendo por sexualidade saudável, procurando não reduzir tal expressão à medicalização ou à prevenção de doenças. Em seguida, discutirei aspectos que possam via a embasar a formulação de princípios para a promoção da sexualidade masculina saudável em uma perspectiva que contemple as relações entre gêneros.

As referências aqui reunidas foram de fundamental importância par que eu pudesse discutir o assunto central desta obra. São fontes - teóricas e empíricas - a que recorri para embasar a discussão, tanto em termos de conteúdo como no que diz respeito a formas de abordar o assunto. Tais referências servem também de ponto de partida para que a discussão seja ampliada ou para que novos estudos sobre o assunto sejam desenvolvidos.

Não posso deixar de agradecer a todos que, de uma forma ou de outra, me ajudaram neste empreendimento. Li em prólogos de publicações e aprendi com minha própria experiência que um livro nunca é de um só autor. Em menor ou maior proporção, mesmo naqueles assinados por um só nome participam - direta ou indiretamente - outros autores. Aqui não poderia ser diferente. Nela, há a colaboração ou participação de inúmeras pessoas. Algumas estiveram mais perto, fazendo com que sua elaboração não fosse uma tarefa solitária. Outras, de forma indireta, também muito contribuíram para que o empreendimento chegasse ao término, sem que se dessem conta disso.


Texto de Romeu Gomes na apresentação de seu livro Sexualidade Masculina, Gênero e Saúde, Editora Fiocruz, coleção Criança, Mulher e Saúde, Rio de Janeiro, 2012.

07 novembro 2025

O Significado de Ansiedade (prefácio das duas edições)

PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO

Este livro é o resultado de muitos anos de exploração, pesquisa e meditação acerca de uma dos mais urgentes problemas de nossos dias. A experiência clínica provou a psicólogos e psiquiatras que o problema central em psicoterapia é a natureza da ansiedade. Na medida em que fomos capazes de solucionar esse problema, demos um primeiro passo na compreensão das causas de integração e desintegração da personalidade.

Mas se a ansiedade fosse meramente um fenômeno de desajustamento, poderia muito bem ser consignado ao consultório e à clínica, e este livro à biblioteca dos profissionais. Entretanto, são esmagadoras as provas de que vivemos hoje a "era da ansiedade". Se penetrarmos sob a superfície das crises políticas, econômicas, comerciais, profissionais ou familiares, a fim de descobrirmos suas causas psicológicas, ou se procurarmos entender a Arte, a Poesia, a Filosofia ou a Religião modernas, defrontamo-nos de imediato com o problema da ansiedade em quase todos os quadrantes. O estresse e as tensões comuns da vida no mundo em mudança de hoje são tais que poucos - se porventura alguns - podem escapar à necessidade de enfrentar a ansiedade e de haver-se com ela de alguma forma.

Nestes últimos cem anos, por razões que se apresentarão nos capítulos seguintes, psicólogos, filósofos, historiadores sociais e outros estudiosos da humanidade, preocuparam-se cada vez mais com essa inexprimível e informe intranquilidade que persegue e acossa cada passo do homem moderno. Entretanto, durante todo esse tempo, que seja de meu conhecimento, apenas duas tentativas foram realizadas em forma de livro - um ensaio de Kierkegaard e um de Freud - para apresentar um quadro objetivo da ansiedade e indicar métodos construtivos de lidar com ela.

Este estudo procura reunir num só volume as teorias da ansiedade oferecidas por modernos investigadores em diferentes áreas da nossa cultura, descobrir os elementos comuns em todas essas teorias e formular esses conceitos de maneira que possamos dispor de uma base comum para novas investigações. Se a síntese da teoria da ansiedade aqui apresentada servir a finalidade de produzir certa coerência e ordem nesse campo, uma boa parte do meu objetivo terá sido alcançada.

É claro que a ansiedade não constitui meramente um conceito teórico abstrato; é-o tanto quanto para uma pessoa cujo barco naufragou a milhas da costa representa o fato de saber nadar. Um exame da ansiedade que não fosse orientado no sentido dos problemas humanos imediatos não valeria o tempo gasto em escrever ou ler. Por conseguinte, a síntese teórica foi testada pela investigação de situações reais de ansiedade e o estudo de casos selecionados, a fim de descobrir que provas concretas podem haver em apoio das minhas conclusões quanto ao significado de ansiedade e aos propósitos que esta serve na experiência humana.

Para manter este estudo dentro de limites controláveis, restringi o seu âmbito às observações de pessoas que são nossas contemporâneas em todos os aspectos importantes e, mesmo dentro desses limites, apenas a figuras sumamente significativas. São pessoas que representam a civilização ocidental como conhecemos por experiência própria, quer se trate de filósofos como Kierkegaard, psicoterapeutas como Freud, romancistas, poetas, economistas, historiadores sociais ou outros dotados de uma percepção profunda dos problemas humanos. Essas restrições, no tempo e no espaço, servem para colocar o problema da ansiedade em foco, mas nem por isso se deve aduzir que a ansiedade seja exclusivamente um problema moderno ou tão-somente um problema ocidental. Espero que este livro estimule pesquisas semelhantes em outras partes do campo.

Em virtude do vital interesse geral pelo tema da ansiedade, formulei as minhas conclusões de maneira que sejam claras não só para leitores profissionais, mas também para estudantes, cientistas sociais e leitores que buscam um entendimento psicológico dos problemas modernos. De fato, este livro é pertinente para as preocupações dos cidadãos inteligentes que sentem em sua própria carne as tensões e conflitos geradores de ansiedade do nosso tempo, e que a si mesmo se perguntam o significado e as causas dessa ansiedade e de que modo está poderá ser enfrentada.

Aos interessados num exame comparativo das modernas escolas de psicoterapia, este volume servirá como um compêndio conveniente, dado que apresenta os pontos de vistas de uma dúzia de líderes nesse campo. Não existe melhor forma de compreender essas várias escolas do que comparar as suas teorias de ansiedade.

Durante os anos em que estive trabalhando neste livro, minhas ideias sobre ansiedade foram apuradas e ampliadas por discussões com muitos colegas de profissão e amigos, numerosos demais par os mencionar aqui. Mas desejo expressar o meu apreço ao Dr. O. H. Mowrer, Dr. Kurt Goldstein, Dr. Paul Tillich e Drª Esther Lloyd-Jones, que leram o manuscrito em suas várias fases e discutiram comigo, ao longo de muitas e estimulantes horas, o problema da ansiedade nos campos que representam. Também sou devedor, pela ajuda direta e indireta neste estudo, ao Dr. Erich Fromm e outros colegas no William Alanson White Institute of Psychiatry, Psychoanalysis and Psychology (Instituto de Psiquiatria, Psicanálise e Psicologia William Alanson White). Uma palavra final de apreço é endereçada aos assistentes psiquiátricos e sociais na instiutição em que foram realizados os estudos de casos de mães solteiras. Esses colegas forneceram ajuda especializada na compreensão desses casos, embora - por razões óbvias - devam permanecer anônimos.  

ROLLO MAY

New York, NY.

Fevereiro de 1950


PREFÁCIO DA EDIÇÃO REVISTA

Desde que a primeira edição deste livro veio a lume em 1950, verificou-se uma enorme soma de pesquisa e interesse na ansiedade. Em contraste com o fato de que somente dois livros foram escritos sobre ansiedade antes de 1950, grande número de volumes foram publicados no último quarto de século. E, em contraste com a meia dúzia de ensaios explorando o assunto antes de 1950, estimou-se que pelo menos 6.000 estudos e dissertações sobre a ansiedade e temas afins apareceram depois de 1950. A ansiedade saiu certamente da penumbra do gabinete profissional para a luz brilhante do mercado. Satisfaz-me o fato de que a publicação deste livro tenha instigado parte desse surto de interesse.

Mas, apesar de todos os esforços devotados por parte de pessoas talentosas, não conheço nenhum que afirme ter sido solucionado o enigma da ansiedade. O nosso conhecimento aumentou, mas não aprendemos como tratar a ansiedade. Embora o conceito de ansiedade normal, conforme proposto na primeira edição deste livro, tenha sido geralmente aceito em teoria, as suas implicações não foram enfrentadas. Ainda nos apegamos à crença ilógica de que "saúde mental é viver sem ansiedade". Parecemos ignorar que a ilusão de viver sem ansiedade revela uma percepção radicalmente errônea da realidade - um ponto que se tornou iniludivelmente claro em nossos dias de irradiação atômica e bomba de hidrogênio.

A ansiedade tem um significado. Embora parte desse significado possa ser destrutiva, uma outra parte pode também ser construtiva. A nossa própria sobrevivência é o resultado de medidas tomadas há muito tempo para fazer frente à ansiedade. Originalmente, o homem primitivo, como disseram Freud e Adler, experimentava ansiedade como um advertência da ameaça à sua vida pelos dentes e garras de animais selvagens. A ansiedade desempenhou um papel destacado no desenvolvimento da capacidade de nossos antepassados para pensar e da habilidade para usar símbolos e ferramentas que ampliassem seu alcance protetor.

Mas, em nossos dias, ainda vemos as nossas principais ameaças provirem dos dentes e garras de inimigos físicos, quando na realidade são predominantemente psicológicos e, na mais ampla acepção, espirituais - isto é, lidam com a inexpressividade. Já não somos presa de tigres e mastodontes, mas vítimas de danos infligidos em nosso amor-próprio, de ostracismo pelo nosso grupo, ou da ameaça de derrota na luta competitiva. A forma de ansiedade mudou, mas a experiência mantém-se relativamente a mesma.

A ansiedade é essencial à condição humana. Para dar um exemplo pessoal, sinto ansiedade antes de cada conferência que profiro, muito embora já tenha feito centenas delas. Certo dia, cansado de suportar essa tensão que me parecia tão desnecessária, e com a ajuda de uma forte resolução, tratei de me condicionar de modo a livrar-me de ansiedade. Nessa noite, estava perfeitamente descontraído e livre de tensão quando subi ao estrado. Mas proferi uma palestra medíocre. Faltavam-se a tensão, o sentimento de desafio, a excitação do cavalo de corrida no starting gate - aqueles estados de espírito e do corpo em que a ansiedade normal se manifesta.

O confronto com a ansiedade pode aliviar-nos (note-se a palavra pode e não o emprego do verbo em seu tempo futuro) do tédio, aguçar a nossa sensibilidade e garantir a presença da tensão que é necessária para preservar a existência humana. A presença de ansiedade indica vitalidade. Tal como a febre, atesta que uma luta está se desenrolando no interior da personalidade. Na medida em que essa luta prosseguir, é possível uma solução construtiva. Quando deixa de existir ansiedade, a luta findou e a depressão poderá sobrevir. Foi por isso que Kierkgaard sustentou ser a ansiedade o nosso "melhor mestre". Sublinhou ele, que sempre que uma nova possibilidade surgir, a ansiedade também aí está. Estas considerações apontam para um tópico que mal foi aflorado na pesquisa contemporânea, a saber, a relação entre ansiedade, por um lado, e criatividade, originalidade e inteligência, por outro. A Parte III deste livro, embora tratando brevemente desses tópicos, foi inteiramente reescrita para o presente volume.

Acredito ser necessária uma teoria ousada que englobe não só a nossa ansiedade normal e neurótica, mas também a ansiedade na Literatura, Arte e Filosofia. Essa teoria deve ser formulada em nosso mais alto nível de abstração. Proponho que essa teoria se fundamente na definição de que ansiedade é a experiência de Ser afirmando-se contra o Não-Ser. Este último é o que reduziria ou destruiria o Ser, como a agressão, fadiga, tédio e, em última instância, a morte. Reescrevi este livro na esperança de que a sua publicação ajude à formação dessa teoria da ansiedade.

É um prazer expressar a minha gratidão aos estudantes e colegas que me instigaram a proceder à revisão deste livro, uma tarefa que resultou consideravelmente mais gratificante do que eu esperava. Sou especialmente grato à minha colega de pesquisa, Drª Joanne Cooper, que me deu indispensável ajuda nas explorações bibliográficas sobre o assunto, assim como por suas penetrantes sugestões.


ROLLO MAY

Tiburon, Califórnia

Junho de 1977.


Textos de Rollo May retirado do livro O Significado de Ansiedade - As Causas da Integração e Desintegração da Personalidade, Coleção Psyche, Zahar Editores, Rio de Janeiro, Edição de 1980.

06 novembro 2025

Introdução (do livro Sob a Sombra de Saturno)

Este livro se baseia na explanação apresentada no Centro Jung da Filadélfia, em abril de 1992. Explanação que já não era sem tempo. Evitara pessoalmente o tema durante toda uma década, embora o sofrimento, as aspirações e a cura dos homens ocupassem pouco a pouco meu tempo como analista junguiano.

Doze anos atrás, a proporção dos meus clientes era de nove mulheres para cada homem. Atualmente, a maioria dos meus clientes é do sexo masculino e a proporção é de seis homens para quatro mulheres. Acredito que a mudança também tenha ocorrido no consultório de outros terapeutas, e as razões para isso contribuíram igualmente à ascensão do movimento masculino. Evitara o tema porque muita coisa parecia em andamento. Na melhor das hipóteses, via o trabalho maciço de purificação acadêmica e emocional, e na pior, uma fenômeno pop-psíquico que eu considerava repugnante.

Preocupo-me muito com a cura e a transformação das pessoas, trabalho este em geral tão intenso, tão profundamente pessoal, que amiúde é fácil esquecer o mundo mais amplo e os grandes problemas sociais dos quais todos participamos e pelos quais somos todos feridos. Tornou-se, porém, cada vez mais claro para mim que as histórias de cada homem coincidiam de fato e apresentavam temas constantes. À semelhança do que as mulheres aprenderam antes de nós, comecei a perceber que a experiência coletiva dos homens é também parte inevitável da sua história pessoal. A trama e urdidura da história privada e da mitologia pública incorpora-se à formação do caráter individual.

Hoje, é claro, já existem muitos livros excelentes a respeito de vários aspectos do dilema dos homens modernos. Recorrerei de vez em quando a eles neste livro, diretamente, conscientemente, e com gratidão.

Todos participamos da luta rumo à comunidade, e cada uma das nossas vozes tem timbre diferente. Não me proponho oferecer contribuição original à erudição masculina, mas, sim, tomar questões complexas e destilar, integrar e expressá-las através de termos que sejam compreendidos por muitos. Também recorro à experiência clínica dos homens da terapia. A eles sou igualmente grato por me permitirem o uso de seus casos.

O objetivo de Sob a sombra de Saturno, portanto, é oferecer uma visão sinótica das feridas e da cura dos homens, e ainda examinar a situação existente nesta última década do século.

Mas, sobretudo, devo uma confissão: evitei falar do assunto por anos e anos, não apenas porque as questões me pareciam em contínua transição, mas porque também eu tenho sofrido por viver sob a sombra de Saturno e nem sempre estou certo com relação à minha posição no relacionamento com minha natureza masculina. O destino quis que eu nascesse homem. Durante anos simplesmente tomei como certo esse acidente e suas consequências, achando mais assustador do que libertador a tentativa de um passo para fora dessa sombra.

Nas páginas que seguem, citarei de vez em quando exemplos autobiográficos, não para agradar a mim próprio e sim porque os considero típicos e representativos. Como observou o pintor Tony Berlant: "Quanto mais pessoal e introspectiva a obra de arte, mais universal se torna".

Ao focalizar as questões masculinas, não tenho a intenção de minimizar as feridas das mulheres. Nós, do sexo masculino, temos grande dívida de gratidão para com as mulheres, que se manifestaram, não apenas para expressar a própria dor dentro da nossa cultura sexista, mas também para tornar os homens mais livres para serem mais plenamente eles mesmos. Seu cri de couer ajudou os homens a examinar com mais consciência as próprias feridas, e em decorrência disso todos ficamos mais bem servidos. O exemplo das mulheres lutando para se libertar das sombras do coletivo confere coragem e torna necessário que os homens realizem o mesmo. A não ser que os homens consigam emergir das trevas, continuaremos a ferir tanto as mulheres quanto a nós próprios, e o mundo jamais será lugar seguro ou saudável. Este trabalho, portanto, não é apenas para nós, mas também para os que nos rodeiam.

Em meados do século passado, o teólogo dinamarquês Sören Kierkegaard observou que não podemos salvar nossa era, senão expressar a convicção de que ela está perecendo. As forças inconscientes, as instituições públicas e as ideologias que nos orientam a vida possuem um momento de inércia tal que não esperaríamos ocasionar rápida mudança na sociedade e no papel desempenhado pelos sexos. Não obstante, o primeiro requisito é que os homens se tornem conscientes do fato de se apresentarem cruelmente feridos. A inconsciência do trauma deles faz com que firam vezes a fio tanto a si próprios quanto às mulheres. Sempre pergunto que restaria às mulheres senão passar a odiarem os homens que as oprimem, e aos homens quase analogamente, odiarem e temerem-se uns os outros.

Este livro, portanto, recorre ao trabalho de muitas pessoas, a fim de conduzir cada homem a maior consciência e incentivar o diálogo que precisa desabrochar para a cura. Se as imagens que governam consciente e inconscientemente nossa vida só podem ser analisadas e resolvidas com o sofrimento particular e individual, a crescente capacidade dos homens de confessarem sua dor e sua raiva, de conversarem cada vez mais uns com os outros, também, ajudará a curar as feridas do mundo.

Convido o leitor, ou leitora, a se ver na jornada aqui descrita. No caso das mulheres, a descrição da luta com o complexo materno, por exemplo, será útil na compreensão da estranha ambivalência que parece afligir os homens em suas vidas. A jornada masculina tem muitas passagens, muitos perigos. Os rigores e as tarefas que identificamos são os mais prováveis de vivenciarmos. É falsa a ideia de que aquilo que desconhecemos não nos magoaria; na verdade, o que não conhecemos nos fere fundo, e à semelhança de Sansão conseguiríamos, então, deitar cegamente o templo por sobre nossas próprias cabeças.

Para que cada qual passe a ter mais consciência das transições e dos tormentos masculinos, sou obrigado a contar segredos masculinos. Revelo-os para que as mulheres entendam melhor o assunto. Alguns desses segredos talvez sejam novos para os próprios homens, embora duvide seriamente de que um único leitor do sexo masculino deste livro vá discordar de que aponte as feridas que ele tem carregado no seu coração solitário e assustado. Que não encerremos a ferida e o medo, ao menos acabemos com a solidão.

O título deste livro alude ao fato de tantos os homens quanto as mulheres padecerem sempre sob a pesada sombra das ideologias, umas conscientes, algumas herdadas da família e do grupo étnico, e outras ainda como parte da estrutura da história da nação e de seu chão mítico. Essa sombra representa o peso opressivo sobre a alma. Os homens padecem sob ela, com o espírito oprimido e definhado. A experiência dessa sombra opressiva é saturnina. As definições do que significa ser homem - os papéis e as expectativas masculinas, a competição e a animosidade, a humilhação e a desvalorização de muitas das melhores qualidades e capacidades dos homens - conduzem à esmagadora opressão. Esse fardo sempre esteve presente, porém hoje em dia os homens de coragem estão começando a questionar a necessidade de viver sob esse jugo.

Saturno era o deus romano da agricultura. Por um lado, na qualidade de deus da geração, ajudou a criar a antiga civilização romana; por outro, vinha associado a uma multidão de histórias obscuras e sangrentas. Sua encarnação grega primeva, Crono, nasceu  do princípio masculino Urano e do princípio Geia ou Gaia. Urano odiava os filhos por temer o potencial deles; conta a lenda que fora "o primeiro a maquinar ações vergonhosas". Sua mulher, Gaia, fabricou uma foice e induziu Crono a atacar o pai. Crono golpeou e cortou o falo do próprio pai. Terríveis gigantes nasceram das gotas de sangue que caíram sobre a terra. O mar, fecundado e salpicado de esperma, deu luz à Afrodite, cujo nome significa "nascida da espuma".

Crono-Saturno substituiu o pai, tornando-se tirano de igual magnitude. Sempre que ele e sua consorte Reia tinham filhos, ele comia. A única criança que conseguiu evitar essa sina foi Zeus. Por sua vez, Zeus liderou uma revolta contra o próprio pai, dando início a uma guerra de dez anos. Muitas forças civilizadoras emergiram com o triunfo de Zeus, mas também ele se tornou prisioneiro do complexo do poder e tornou-se dominador.

Assim, a história de Crono-Saturno envolve poder, ciúme, insegurança - violência para com o princípio do eros, com a geração e com a terra. Como Jung comentou certa vez, na presença do poder o amor nunca está presente. Junto com a grande capacidade de aquisição do poder dramatizada pelos deuses, vemos sua corrupção no complexo do poder. O poder em si é neutro, mas sem eros ele é perseguido pelo medo e pela ambição compensatória, arremessado em direção a fins violentos. Como observou Shakespeare, "inquieta permanece a cabeça que usa coroa".

A maioria dos homens ao longo da história cresceram sob a sombra deste legado saturnino. Sofreram com a corrupção do poder, movidos pelo medo, ferindo a si e aos semelhantes. Se os homens modernos sentem que não há alternativas, que o legado de Saturno é a única possibilidade que existe, eu não penso assim.

Sob a sombra de Saturno é oferecido ao leitor como forma de identificar algumas dentre as inúmeras maneiras pelas quais este mito obscuro marcou nossa alma. Minha esperança é que leve cada um a se voltar para dentro de si em busca de maior liberdade pessoal.


OS OITO SEGREDOS 

QUE OS HOMENS CARREGAM


1. A vida dos homens é tão governada por expectativas restritivas com relação ao papel que devem desempenhar quanto a vida das mulheres.

2. A vida dos homens é basicamente governada pelo medo.

3. O poder feminino é imenso na organização psíquica dos homens.

4. Os homens conluiam-se numa conspiração de silêncio cujo objetivo é reprimir sua verdade emocional.

5. O ferimento é necessário porque os homens precisam abandonar a Mãe e transcender o complexo materno.

6. A vida dos homens é violenta porque suas almas foram violadas.

7. Todo homem carrega consigo profundo anseio pelo seu pai e pelos Pais tribais.

8. Para que os homens fiquem curados, precisam ativar dentro de si o que não receberam do exterior.


Introdução do livro Sob a Sombra de Saturno - a ferida e a cura dos homens, de James Hollis, Paulus Editora, São Paulo, 5ª Edição, 2019.