domingo, 19 de junho de 2022

Axé Carioca

Misto de conquistador, curandeiro e pai-de-santo, o líder negro Juca Rosa criou um ritual próprio, atraindo uma legião de seguidores no Rio de Janeiro do século XIX.


    José Sebastião da Rosa, mais conhecido como Juca Rosa, foi um dos mais importantes e afamados líderes religiosos negros que o Rio de Janeiro conheceu. Nascido em 1833, filho de mãe africana, trabalhou como alfaiate e cocheiro antes de se tornar o grande Pai Quilombo, como também era chamado. Na década de 1860, vivendo no centro da Corte, na rua Senhor dos Passos, quase esquina com a rua do Núncio, Rosa liderava uma misteriosa seita, que agregava diversos adeptos. Além dos negros, dos trabalhadores escravos, livres e libertos e dos capoeiras, figuravam também, entre seus seguidores, políticos, ricos comerciantes, membros das elites econômicas brancas e letradas. Graças ao prestígio que adquiriu, Rosa estabeleceu relações com pessoas importantes da sociedade e suas cerimônias reuniam membros das mais diferentes origens sociais, que se deslocavam até sua casa em busca de seus preciosos - e caros - conselhos e prodigiosas curas. Por caminhos muito particulares, Juca Rosa tornou-se figura notória na sociedade carioca do período.

    Não se tratava de um mero feiticeiro ou rezador, apenas mais um entre tantos e tão variados praticantes de diferentes religiões e artes de cura que habitavam  a Corte, concorrendo com os médicos científicos na disputa por pacientes. Afinal, no Rio de Janeiro do final do século XIX, assim como em todo o país, as mais diversas artes de cura conviviam lado a lado com a medicina oficial do Império. Embora proibidas por lei e arduamente combatidas por grupos de médicos e por setores da imprensa, as práticas ilegais de medicina estavam presentes com bastante força no cotidiano dos mais distintos setores sociais. Mas Juca Rosa, que concentrava as atividades de líder religioso e curandeiro, era um caso especial: seu nome tornou-se sinônimo de líder religioso afro-brasileiro, ou "feiticeiro negro", como diziam as publicações da época, e associado a práticas supersticiosas de pessoas ignorantes.

    Entretanto, uma denúncia anônima que o acusava de envolvimento sexual com várias mulheres, dirigida ao segundo delegado de polícia da Corte, interrompeu suas atividades, levando-o à prisão. Quando o julgamento de Rosa foi iniciado, em 5 de julho de 1871, ele já estava preso havia quase oito meses, sendo processado pelo crime de estelionato. Em seguida, passou a figurar nos periódicos tradicionais e nos pequenos jornais humorísticos, em publicações avulsas, e até mesmo em uma peça de teatro; virou notícia até em jornais de outras capitais, como Belém e Salvador. Todos eles enfatizavam o escândalo de seu envolvimento não apenas com prostitutas, costureiras, mulheres pobres e negras, mas também com senhoras brancas e casadas, provenientes de famílias influentes na vida política da Corte - uma de suas amantes seria, segundo especulações da imprensa, a esposa de um importante político, possivelmente o autor da denúncia. Tudo isso contribuía para a caracterização de Rosa como um monstro imoral e cruel. No entanto, as senhoras, que eram a maioria de seus seguidores, reconheciam o líder como um "homem de atrativos", sempre bem vestido, usando correntes, anéis e outras joias.

    Os jornais estampavam notícias dizendo que Rosa cometia "práticas sacrílegas", apelando ora para a religião, ora para "ridículas e estúpidas feitiçarias"; que teria "uma posição importante em um círculo de mulheres", pobres vítimas, que o buscavam para "conservar fiel algum amante ou o próprio marido, ou fazê-lo voltar a antigos sentimentos amorosos", ou mesmo quando desejavam " fortuna para qualquer empresa ou fim, ou mal de um inimigo". Eram poucos os noticiários da época que defendiam o líder negro. Mas o periódico ilustrado O Lobisomem, com humor peculiar, imaginou uma conversa entre mãe e filha:

    - Mamãe, que história é essa que se vende a dois vinténs? Dizem que é lição aos pais do mau exemplo das mães!

    - São cães que ladram à lua, são invejosos, que queres! Já chamam malvado a um homem que era amigo das mulheres.

    Várias das filiadas, ou "filhas" de Juca Rosa, compareceram para prestar depoimentos durante o processo, e forneceram diversas informações sobre a associação religiosa do Pai Quilombo. De acordo com os depoimentos, as "filhas" o procuravam por livre e espontânea vontade, na maioria das vezes para resolverem problemas amorosos. Várias testemunhas confirmaram sua crença no poderio de Rosa, acreditando que ele conseguiria da sorte tudo o que desejasse. As seguidoras filiavam-se à sua associação ou "mesa" por meio de um cerimonial que envolvia diversos rituais, música e dança, e um juramento de fidelidade ao "chefe das macumbas" do Rio de Janeiro. A macumba em questão não era mais um instrumento musical de pau riscado (algo semelhante ao reco-reco), tocado por Juca em noites de festa. As filiadas também reconheciam que, após o juramento, Rosa passava a ser o senhor de suas almas e corpos. Além de curas e conselhos, era capaz de conseguir para elas amantes ricos, assim como poderia também castigar os homens que as tratassem mal - muitos dos quais participavam dos rituais conduzidos pelo Pai. Esses castigos viriam em diferentes formas: desde "bolos na cabeça" (um murro com os dedos em nó), ruína financeira ou perda da virilidade, fazendo com que "não prestassem para mulher alguma", até a morte.

    Pai Quilombo foi julgado por estelionato, e não por exercer a feitiçaria, já que no Código Criminal do Império não havia nenhuma lei proibindo essa atividade. As depoentes do processo confirmaram que pagavam uma mensalidade a Juca Rosa. Além disso, para trabalhos ou serviços extras, Rosa cobrava à parte. Uma consulta podia custar até 60 mil réis na década de 1860, preço bastante elevado para a época - equivalente a uma consulta a um médico de renome. Várias das filiadas, em sua maioria pobres, residindo em áreas de prostituição, enfrentavam dificuldades para sobreviver e se sacrificavam para manter em dia as contas com o Pai: faziam dívidas, vendiam objetos que não lhes pertenciam e vários outros malabarismos para dar dinheiro a Rosa.

    Emília Carolina Mascarenhas, por exemplo, costureira de 28 anos, disse que procurou Rosa pela primeira vez porque queria conservar a estima de um homem com quem então vivia; e ouvira dizer "que Rosa tinha tanto poder como Deus". Pagou 50 mil réis para que ele iniciasse o "trabalho necessário para o fim que ela tinha em vista". Já Leopoldina Fernandes Cabral, 23 anos, declarou que foi em busca de Juca para "conservar a estima de um moço" por quem tinha "profunda afeição", pois soube que Rosa "tinha meios e poder para conseguir tudo que a ele se pedia". Acabou se filiando à associação, pagando uma mensalidade de 60 mil réis e aceitando Rosa como "senhor de seu corpo e espírito".

    Denunciava-se também a proteção que Rosa auferia de poderosos figurões da cidade, com os quais teria ligações. Em uma sociedade organizada com base na escravidão e na inviolabilidade da vontade dos senhores brancos, o debate surgido em torno do julgamento de um líder religioso afrodescendente, que adquiriu fama e prestígio em plena capital do Império, tomou grandes dimensões por ter ocorrido em um momento político decisivo: os anos 1870 e 1871, em que fervilhavam as discussões em torno da futura Lei do Ventre Livre, e os destinos que se dariam ao país após o fim do trabalho escravo. Esses debates deixavam evidente o que se pensava em relação aos negros nos meios intelectualizados do Brasil. A raça negra era, nesse contexto, considerada inferior, ignorante e supersticiosa, embrutecida e muitas vezes perigosa; discutia-se muito o perigo moral que os negros representariam junto a famílias brancas, como também os danos que a herança africana causaria na formação da nação.

    Para muitos, Juca Rosa fazia parte dessa "escória". Para outros, era considerado feiticeiro poderoso, podendo curar males do espírito e do corpo. Fabricava e vendia breves, um tipo de bolsa de mandinga ou patuá feito para evitar feitiços ou proteger contra malefícios, usado junto ao corpo, num colar ao pescoço. Serviam para proteção contra "qualquer outro feiticeiro que lhe fizesse qualquer mal", e também para "dar felicidade", "dar fortuna" e "livrar de quebranto", como afirmou um seguidor seu.

    Mas grande parte da clientela de Pai Quilombo o procurava em busca de curas. Juca afirmou em seu depoimento que embora "não fosse deus", tinha respostas para males físicos, como dores e ossos quebrados. A forma como tratava as moléstias unia procedimentos rituais, manipulação de forças sobrenaturais e também remédios feitos de erva, juntamente com rezas e velas acesas para "Senhora Santa Ana" e "Senhor do Bonfim", santos que cultuava. Quanto à acusação de receber dinheiro de diversas mulheres, Rosa declarou que elas o faziam por serem extremamente generosas. Reconheceu que teve muitas vezes relações com as filiadas, negando apenas que as tivesse deflorado. Quando perguntado sobre os objetos encontrados em sua casa, como vidros de medicamento, raízes, pandeiros e até tranças de cabelos, explicou: "num caso de enfermidade ou de dificuldade no decorrer da vida, sobre eles derrama o sangue de um galo; esse ato, na sua crença, agradava aos espíritos ou às almas e era praticado por ele em auxílio a qualquer de seus amigos que por enfermo infeliz a ele recorriam.

    Sem dúvida, as atividades de Juca Rosa se assemelhavam a várias práticas religiosas afro-brasileiras. Mas não é possível explicar tais rituais como mera continuidade de atividades religiosas de regiões da África, nem do candomblé que florescia na Bahia, na mesma época, e para onde Juca Rosa fazia várias viagens com o objetivo de "se limpar". Certamente, em terras baianas, Rosa consultava mestres e pais-de-santo, com o intuito de aprender a realizar algumas de suas práticas.

    Da mesma maneira, a associação de Rosa também não pode ser classificada como algo idêntico ao candomblé ou a umbanda que se conhece hoje ainda que se possa identificar algumas íntimas semelhanças, como o sacrifício de animais ou cerimônias envolvendo canto, dança e transe espiritual. Estavam ali, na associação de Juca Rosa, alguns dos primórdios do que seria o candomblé carioca. Porém, a maioria de suas atividades era peculiaridade sua, especialmente seu relacionamento com diversas mulheres.

    Os rituais de Rosa e seus seguidores devem ser encarados, assim, como próprios do Rio de Janeiro nas últimas décadas da escravidão. Uma religião que tinha elementos católicos e elementos de diferentes culturas africanas, sem ser nem católica nem africana: era carioca, marcadamente negra, embora cultuada também por brancos, pobres e ricos. Relacionava-se a objetivos imediatos, de sobrevivência em um ambiente racista e hostil. No entanto, esse não era seu único propósito, pois as pessoas também frequentavam a casa de Rosa em busca de mulheres bonitas, homens gentis e cheios de contos de réis, de preferência; de companheiros e amigos entre pares; de curas para doenças ou infortúnios, ou simplesmente por fé encarnada na figura carismática de José Sebastião Rosa.

    Juca Rosa foi condenado a seis anos de prisão, apesar de ter contratado um famoso advogado para defendê-lo, que fez diversas apelações, até mesmo ao imperador d. Pedro II. Ficou na casa de correção da Corte até 1877. Quando saiu, teria se tornado "guarda da municipalidade", segundo relatos de memorialistas. Seu nome continuou aparecendo na imprensa e em diversas publicações por muitos anos, ora como memória de grandes personagens da história do Rio, ora como sinônimo de feiticeiro negro e grande conquistador, cada vez que um "novo Juca Rosa" aparecia e sacudia a cidade.  


Texto de Gabriela dos Reis Sampaio. Professora de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA). É doutora em História Social pela Unicamp, com a tese "A história do feiticeiro Juca Rosa: cultura e relações sociais no Rio de janeiro Imperial". Publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional, Ano 1, nº 6, Dezembro de 2005.

sábado, 18 de junho de 2022

Ante a Insatisfação

    A insatisfação prepondera no organismo social da Terra, fazendo vítimas que se estiolam em processo de decomposição interior. 

    As pessoas que sofrem dificuldade econômica rebelam-se ou se entregam à prostração do desinteresse, em lamentável estado de agonia lenta.

    As outras, que buscam segurança e dispõem de haveres, projeção e poder na comunidade, experimentam carência afetiva, entregando-se, não raro, a excessos que terminam por entediar, conduzindo-as aos mais sórdidos abusos de desrespeito por si mesmas e pelos outros, exaurindo-se nos alcoólicos, na usança do sexo alucinado, nos tóxicos. O suicídio, direto ou não, é o próximo passo na correria desenfreada. 

    A insatisfação resulta do desconhecimento das finalidades reais da existência terrestre.

    A teimosa negação do homem integral - Espírito, perispírito e matéria - a favor da forma física em que se apresenta é a grande responsável pelo desenfreio que se observa em toda parte.

    Como efeito imediato, a insatisfação arquiteta gozos sempre novos, fugas da realidade, cada vez mais espetaculares, não impedindo, entretanto, que as suas vítimas se reencontrem mais cansadas, mais inquietas, menos saciadas.

    A atual liberação dos instintos e dos conflitos, como terapêutica da autoafirmação do homem, mais o torna ansioso quão mais insatisfeito.

    O processo de amadurecimento psicológico portador de serenidade para o indivíduo, no entanto, é diferente dos cômodos métodos de aparente solução imediata.

    Primeiro, é necessário disciplinar a vontade, após descobrir que se encontra em um estádio da vida, a caminho de nova etapa a conquistar.

    Logo depois, buscar as motivações próprias para a luta que deve travar no seu mundo íntimo, a fim de encontrar-se, equipando-se de equilíbrio, de discernimento para os confrontos inevitáveis do futuro.

    Não ter pressa na colheita de resultados, mas evitar o postergamento das ações.

    Uma vida plena é rica de criatividade, de experiências, de informações e de belezas.

    Em todas as situações, afirmar-se como aprendiz, valorizar o ensejo e adquirir o controle sobre elas.

    Nunca desistir do programa iluminativo.

    Observa as pessoas a tua volta: os saciados, os insatisfeitos, os felizes, os atormentados. Não se detêm em uma análise que lhes resulte benéfica. Transferem-se de uma para outra situação, automaticamente, apressadas, sem que digiram as experiências vivenciadas ou programem as porvindouras.

    Não amadurecem os sentimentos, porquanto as sensações e as emoções perturbadoras têm predomínio em suas vidas.

    Algumas são invejadas, porque prepotentes ou famosas; no entanto, vivem insatisfeitas com a situação que desfrutam, distantes da realização interior.

    Várias afirmam que acreditam na imortalidade da alma. Todavia, a sua não é uma crença consciente, trabalhada pela razão, vívida. É uma chama bruxuleante, que não emite quase claridade, nem aquece os sentimentos, a caminho da extinção sob os ventos contínuos do inconformismo.

    Se a dor tenta convidá-las à reflexão, ao aprofundamento da crença, reagem, sentindo-se defraudadas por Deus e pela vida, que parecem não as poupar do sofrimento, como se fossem especiais, credoras de todas as alegrias sem esforço.

    Não lamentes, não as imites.

    Elas aprenderão com o tempo, este mestre invencível, silencioso e eficaz, que a tudo e a todos transforma.

    A insatisfação de Anás e de Caifás gerou neles a inveja e o ódio contra Jesus.

    A insatisfação de Judas fê-lo vender o Amigo.

    A insatisfação de Pilatos, entediado, manteve-o indiferente, lavando as mãos quanto ao destino do Justo.

    A insatisfação de Pedro tornou-o pusilânime e negador. Porém, despertando do letargo, reassumiu a consciência do amor e do dever, entregando-se-Lhe em regime de totalidade até a morte.

    Lembra-te deles e não te permitas a insatisfação, seja qual for o motivo com que ela te busque apoio.


Retirado do livro Momentos de Iluminação; Divaldo Franco pelo Espírito Joana de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 4ª Edição, 2015.

sábado, 11 de junho de 2022

Vítimas da Loucura

    Sim, são hoje obsessores, catalogados como seres impenitentes, vingadores implacáveis, destituídos de sentimentos de piedade ou compreensão.

    É certo que se deixaram enlouquecer que se deixaram enlouquecer e perseveram na monoideia do desforço, elaborando planos de crueldade e preparando armadilhas para surpreender aqueles contra os quais se movimentam.

    Difíceis ao diálogo e armados de ferocidade, quanto de insensibilidade ao sofrimento alheio, prosseguem cegos pelo rancor.

    Certamente chegam a provocar revolta, e a resposta à sua constante sanha perseguidora é o desespero, quando não o ressentimento profundo com sinais de rebeldia.

    Obsessores, que se tornaram, são sinônimos de inimigos insolventes.

    Não os detestes, porém, por mais lhes sofras os acúleos da perversidade.

    Eles são teus irmãos doentes, em último grau de desequilíbrio. De alguma forma, sem que o percebam, são, também, teus benfeitores.

    Graças ao seu tresvario, despertam-te para a realidade transcendente, a fim de que atentes para os deveres legítimos.

    Não eram obsessores; tornaram-se. Os seus perseguidos empurram as suas esperanças para o abismo da desesperação.

    Confiaram e tiveram os seus ideais traídos.

    Amaram e se tornaram vítimas da infidelidade.

    Doaram os seus sentimentos, que foram atirados ao paul do crime e da indiferença.

    Sonharam com a felicidade, que tiveram transformada em pesadelos de sofrimentos inenarráveis.

    Distenderam a ternura e recolheram a ingratidão.

    Viram enregelar-se as emoções enobrecedoras.

    Desequipados de fé e coragem, caíram na cegueira do ódio; deixaram-se arrastar pela correnteza da desdita e agora, atormentados, não sabem o que fazem.

    Não há razão que lhes justifique a sandice. No entanto, considera se esses infaustos acontecimentos fossem contigo, como agora te apresentarias... Isso te auxiliará a entendê-los e até a amá-los.

    Eles necessitam de tuas vibrações afetuosas.

    Faze o bem renova-te, iluminando-te. Graças a tuas conquistas eles se esclarecerão e voltarão à normalidade, preparando-se para refazer o caminho, recomeçar, tentando seguir contigo em paz.

    Jesus, que é o Senhor dos Espíritos, sempre usou para com eles de imensa misericórdia, afastando-os dos seus hospedeiros, com o objetivo de que não agravassem mais as suas responsabilidades, ao mesmo tempo, ensejando-lhes a aprendizagem da Sua palavra, motivadora de renovação e de liberdade.

    Reflexiona em torno dos teus sentimentos, e, considerando os teus irmãos ainda obsessores, tem cuidado, evitando piorar a tua e a situação deles, por negligência ou irresponsabilidade de tua parte.


Retirado do livro Momentos de Harmonia; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora; Salvador, 3ª edição, 2014.

sábado, 4 de junho de 2022

Janelas na Alma

    O sentimento e a emoção normalmente se transformam em lentes que coam os acontecimentos, dando-lhes cor e conotação próprias.

    De acordo com a estrutura e o momento psicológico, os fatos passam a ter a significação que nem sempre corresponde à realidade.

    Quem se utiliza de óculos escuros, mesmo diante da claridade solar, passa a ver o dia com menor intensidade de luz.

    Variando a cor das lentes, com tonalidade correspondente desfilarão diante dos olhos as cenas.

    Na área do relacionamento humano, também, as ocorrências assumem contornos de acordo com o estado de alma das pessoas envolvidas.

    É urgente, portanto, a necessidade de conduzir os sentimentos, de modo a equilibrar os fatos em relação com eles.

    Uma atitude sensata é um abrir de janelas na alma, a fim de bem observar os sucessos da vilegiatura humana.

    De acordo com a dimensão e o tipo de abertura, será possível observar a vida e vivê-la de forma agradável, mesmo nos momentos mais difíceis.

    Há quem abra janelas na alma para deixar que se externem as impressões negativas, facultando a usança de lentes escuras, que a tudo sombreiam com o toque pessimista de censura e de reclamação.

    Coloca, nas tuas janelas, o amor, a bondade, a compaixão, a ternura, a fim de acompanhares o mundo e o seu séquito de ocorrências.

    O amor te facultará ampliar o círculo de afetividade, abençoando os teus amigos com a cortesia, os estímulos encorajadores e a tranquilidade.

    A bondade irrigará de esperança os corações ressequidos pelos sofrimentos e as emoções despedaçadas pela aflição que se te acerquem.

    O perdão constituirá a tua força revigoradora colocada a benefício de delinquente, do mau, do alucinado, que te busquem.

    A ternura espraiará o perfume reconfortante da tua afabilidade, levantando os caídos e segurando os trôpegos, de modo a impedir-lhes a queda, quando próximos de ti.

    As janelas da alma são espaços felizes para que se espraie a luz, e se realize a comunhão com o bem.

    Colocando os santos óleos da afabilidade na engrenagens da tua alma, descerrarás as janelas fechadas dos teus sentimentos, e a tua abençoada emoção se alongará, afagando todos aqueles que se aproximem de ti, proporcionando-lhes a amizade pura que se converterá em amor, rico de bondade e de perdão, a proclamarem chegada a hora de ternura entre os homens da Terra.


Retirado do livro Momentos de Felicidade; Divaldo Franco pelos Espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora; Salvador, 5ª edição, 2014.

terça-feira, 31 de maio de 2022

As Árvores

Já vi estrelas demais

e ainda estou sem saber

Se escurecer faz gear

como me faz sofrer


Só de pensar em você

as nuvens sabem de nós

E quando o vento aí bater

ouça a minha voz


Aceite gostar de mim

e o tempo dirá por nós

Ninguém vai julgar

desarma esse olhar


Adentre pelos meus jardins

aceite gostar de mim

Não lute com o que mais quer

te espero sem fim

te venero assim

As árvores morrem de pé


É quando a névoa se esvai

Que a noite vem pra valer

E a lua nova conduz

Mais um luar sem luz


Você não sabe o que faz

Do que nasceu entre nós

Então me dê sua mão

Eu sei, eu sei do que sou capaz


Aceite gostar de mim

E o tempo dirá por nós

Ninguém vai julgar

Desarma esse olhar


Adentre pelos meus jardins

Aceite gostar de mim

Não lute contra o que mais quer

Te espero sem fim

Te venero assim

As árvores morrem de pé


Música de Jorge Vercilo que faz parte do CD Livre, lançado pelo EMI em 2003.

sábado, 28 de maio de 2022

Ação Mediúnica

    A faculdade mediúnica se encontra em germe na constituição fisiológica dos homens, consoante acentuou Allan Kardec, em forma de uma certa predisposição orgânica.

    Recurso do Espírito, que é o seu portador legítimo, necessita de células especiais a fim de exteriorizar-se, como ocorre com as demais faculdades intelectuais e morais, que se expressam na convivência social e na atitude pessoal.

    Exigindo a aplicação de variado elenco de recursos morais e culturais, pode ser educada para valiosos investimentos da vida.

    Com finalidade específica estabelecida, deve ser exercitada de maneira consciente e equilibrada, sem o que não consegue alcançar a meta para a qual se destina.

    Polimorfa, na sua manifestação, expande-se de acordo com os recursos que lhe são colocados ao alcance.

    Por isso mesmo, deve ser estudada com zelo, mediante a identificação dos sintomas, da sua fisiologia, recorrendo-se a austeras disciplinas geradoras de hábitos salutares, que facilitam o seu correto exercício.

    A conduta moral é-lhe de vital importância, em razão das afinidades pessoais existentes entre aqueles que se movimentam nas equivalentes faixas vibratórias.

    A faculdade mediúnica é, todavia, neutra em si mesma, sendo, o fenômeno a que dá origem, correspondente às condições ético-morais do médium.

    Nesse sentido, a vigilância assume um compromisso de alta relevância, graças à qual a mente e a conduta selecionam o que é de mais benéfico para o melhor resultado das funções a que se propõem.

    Torna-se necessário observar algumas regras para uso imediato por parte de quem deseje atuar mediunicamente com segurança e aproveitamento.

    Certamente, o fenômeno ocorre também desordenado, tumultuoso, obsessivo, de nível inferior, perturbando e confundindo aqueles que não se encontram equipados pelos conhecimentos para bem o conduzirem.

    Assim, para a conquista de manifestações razoáveis e benéficas, tornam-se imperiosos:

    o estudo sistemático da mediunidade;

    o equilíbrio moral, especialmente no que corresponde à área da conduta sexual;

    o correto exercício da faculdade;

    a disciplina das emoções e manifestações nervosas;

    o clima de prece, meditação e pensamentos elevados;

    a ação constante no bem ao próximo, em última análise, benéfico para si próprio;

    a alimentação frugal nos dias reservados ao ministério;

    o repouso físico e a boa disposição, sem os choques intempestivos das emoções violentas...

    Não estão apresentadas aqui todas as condições para um bom desempenho mediúnico, somente logrado através do tempo e sob a supervisão cuidadosa dos Espíritos Superiores.

    Todavia, qualquer pessoa portadora de faculdade mediúnica, seguindo, à risca, as diretrizes relacionadas, conseguirá resultados expressivos e animadores, avançando para etapas mais significativas a caminho do mediunato, que somente se consegue por meio de abnegação e renúncia, ao lado do trabalho infatigável em favor do bem geral.

    Conhecida em todos os tempos da cultura sócio-histórico-antropológica, na Terra, tem-se manifestado a ação mediúnica através de complexas expressões.

    Nabucodonosor, o célebre rei da Assíria, com frequência visitado por Entidades perversas, assumia postura chocante sob a injunção de doloroso fenômeno obsessivo, que o maltratava mediunicamente.

    Akenathon, o insigne faraó egípcio, inspirado por excelentes Numes Tutelares, penetrou, psiquicamente, no mundo espiritual, oferecendo nobre visão de Deus, através da deidade Athon representada no Astro-rei, que se faz presente em tudo e sustenta a vida...

    Pitágoras, iniciado na comunicação com os Espíritos, ensinava as técnicas de educação espiritual, no seu santuário em Crotona.

    Domício Nero, déspota e alienado, sofria a visita mediúnica da genitora e da esposa, que ele assassinara.

    Na esfera do Cristianismo, as comunicações mediúnicas eram comuns, e o Apóstolo Paulo, escrevendo aos coríntios, apresentou a variedade dos dons mediúnicos que se encontram presentes nas criaturas.

    Francisco de Assis ou Teresa d'Ávila, Condorcet ou Voltaire, Schuman ou Schiller, para citar apenas alguns, foram instrumentos dos Imortais, que lhes tangiam as cordas sensíveis da alma, trazendo do Mundo maior as belas páginas de diversificada cultura e arte que ainda deslumbram e comovem a Humanidade.

    Não te escuses em fazer parte desse grupo de obreiros do bom, do bem e do belo, exercendo a caridade, que se encarregará de alterar a paisagem atual do Planeta, de forma a permitir que o amor estabeleça as regras da felicidade que parece tardar entre os homens.

    A ação mediúnica precederá o advento do reinado espiritual que está programado para breve tempo.

    Faze silêncio e ama com empenho o serviço fraternal, a fim de ouvires essas estrelas fulgurantes que são as vozes dos céus, que ora vêm à Terra buscando erguer os homens.

    Criteriosa e conscientemente, estuda, trabalha e serve, recordando-te que mesmo Jesus, que facilmente se movimentava nas mais diversas vibrações, não poucas vezes, durante o Seu ministério, buscava, após a ação caridosa, a oração e o silêncio, para falar com o Pai e depois retornar ao convívio dos homens, a fim de os elevar das baixadas das sensações terrestres às culminâncias das emoções celestes.


Texto retirado do livro Momentos de Esperança; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 2014, 3ª Edição.

terça-feira, 24 de maio de 2022

Orixás, forças de Olorum

    Na tradição Iorubá, os orixás são entidades sobrenaturais, forças da natureza emanadas de Olorum, uma das divindades da criação. Guiam a consciência dos vivos e protegem as atividades de manutenção da comunidade.

    Os principais orixás cultuados no Brasil são:

OXALÁ

Nome brasileiro do orixá Obatalá, emanação direta de Olorum, uma das divindades da criação da humanidade e o mais elevado dos deuses iorubás. Sua cor é o branco, seu símbolo, o cajado e seu dia é sexta-feira.

IEMANJÁ

Grande orixá feminino das águas, reverenciadas no Brasil como mãe de todos os orixás. Sua festa é no dia 2 de fevereiro, mas é muito homenageada também na noite de 31 de dezembro nas praias. Um de seus símbolos é um colar de contas cristalinas como água. Seu dia é sábado e sua cor é o azul.

OXUM

Orixá feminino das águas doces, da riqueza e do amor. Seus principais símbolos são os seixos rolados e sua cor é o amarelo. Por causa de sua beleza, foi desejada por todos os orixás e fez vários maridos e amantes entre eles, complicando a genealogia dos orixás iorubanos. Seu dia também é o sábado.

OXÓSSI

Orixá da caça e dos caçadores. Desbravador de caminhos, é o guia de Ogum na remoção dos obstáculos ao crescimento espiritual e na indicação de atalhos para se atingir os objetivos. Tem por símbolo o arco e a flecha. Sua cor é o verde e seu dia é quinta-feira.

OGUM

Orixá das lutas e das guerras. Participou da criação provendo as montanhas e os minerais. Seu símbolo é a espada, com o qual abre os caminhos do desconhecido, contribuindo para o avanço da humanidade. Sua cor é o anil ou o vermelho. Seu dia é quinta-feira.

IANSÃ

Orixá feminino também conhecida como Oyá. Esposa de Xangô, é guerreira e suas cores são o vermelho e o branco. Seu dia é a quarta-feira e seu símbolo, o raio, pois seu domínio são os ventos e as tempestades.

XANGÔ

Poderoso orixá, senhor do raio e do trovão. Participou da criação controlando a atmosfera. É neto do Ogum e foi rei da cidade de Oyó. Seu símbolo é o machado de duas lâminas, as quartas-feiras lhe pertencem e suas cores são o vermelho e o branco. No Brasil, é tido como o senhor da justiça.

EXU

Também chamado Elegbara, "o dono da força", é o porta-voz dos orixás, o grande mensageiro, responsável por entregar aos homens as dádivas dos orixás, sejam espirituais ou materiais. Protetor do cumpridores de seus deveres, pune aqueles que ofendem os orixás ou falham no cumprimento de obrigações. Seu dia é segunda-feira, suas cores são o preto e o vermelho e seu símbolo é o tridente.


Retirado da Revista de História da Biblioteca Nacional, Ano 1, nº 5, Dezembro de 2005. Ministério da Cultura.

sábado, 21 de maio de 2022

Terapia da Oração

    Recurso valioso para todo momento ou necessidade, a oração encontra-se ao alcance de quem deseja paz e realização, alternando para melhor os fatores que fomentam a vida e facultam o seu desenvolvimento.

    A oração é o instrumento pelo qual a criatura fala a Deus, e a inspiração pelo qual a criatura fala a Deus, e a inspiração lhe chega na condição de divina resposta.

    Quando alguém ora, luariza a paisagem mental e inunda-se de paz, revitalizando os fulcros da energia mantenedora da vida.

    A oração sincera, feita de entrega íntima a Deus, desenvolve a percepção de realidades normalmente não detectadas, que fazem parte do mundo extrafísico.

    O ser material é condensação do energético, real, transitoriamente organizado em complexos celulares para o objetivo essencial da evolução. Desarticulando-se, ou sofrendo influências degenerativas, necessita de reparos nos intrincados mecanismos vibratórios, de modo a recompor-se, reequilibrar-se e manter a harmonia indispensável para alcançar a finalidade a que se destina.

    O psiquismo que ora consegue resistências no campo de energia, que converte em forças de manutenção dos equipamentos nervosos e funcionais da mente e do corpo.

    A oração induz à paz e produz estabilidade emocional, geradora de saúde integral.

    A mente que ora, sintoniza com as Fontes da Vida, enriquecendo-se de forças espirituais e lucidez.

    Terapia valiosa, a oração atrai as energias refazentes que reajustam moléculas orgânicas no mapa do equilíbrio físico, ao tempo que dinamiza as potencialidades psíquicas e emocionais revigorando o indivíduo.

    Quando um enfermo ora, recebe valiosa transfusão de forças, que vitalizam os leucócitos para a batalha da saúde e sustentação dos campos imunológicos, restaurando-lhes as defesas.

    O indivíduo é sempre o resultado dos pensamentos que elabora, que acolhe e que emite.

    O pessimista autodestrói-se, enquanto o otimista autossustenta-se.

    Aquele que crê nas próprias possibilidades desenvolve-as, aprimora-se e maneja com segurança.

    Aqueloutro que duvida de si mesmo e dos próprios recursos, envolvendo-se em psicosfera perturbadora, desarranja os centros de força e exaure-se, especialmente quando enfermo. Assemelha-se a uma vela acesa nas duas extremidades, que consome duplamente o combustível que sustenta a luz até sua extinção.

    A mente que se vincula à oração ilumina-se sem desprender vitalidade, antes haurindo-a, e mais expandindo a claridade que possui.

    Envolvendo-se nas irradiações da oração a que se entregue, logrará o ser enriquecer-se de saúde, de alegria e paz, porquanto a oração é o interfone poderoso pelo qual ele fala s Deus, e por cujo meio, inspirado e pacificado, recebe a resposta do Pai.

    Ao lado, portanto, de qualquer terapia prescrita, seja a oração a de maior significado e a mais simples a ser utilizada.


Texto retirado do livro Momentos Enriquecedores; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 2ª Edição, 2015.

quinta-feira, 19 de maio de 2022

De escravas fugidas a mães-de-santo cultuadas

    Muitos relatos insistem na ideia de que os diversos candomblés da Bahia serviam de esconderijo para escravos fugidos e, até a metade do século XIX, jornais e relatórios policiais expressavam o temor de que batuques africanos servissem de ensaios para levantes escravos. Não é então acidental que, no início do século, o conde da Ponte tivesse confundido quilombos com candomblés. Esse ponto de vista persistiu porque os escravos continuavam a fugir para as casas de culto africano, onde buscavam especialistas religiosos para obter ervas e preparos a fim de "amansar" seus senhores e obter ajuda dos deuses para conquistar a liberdade. Com frequência pagavam consultas e oferendas com bens roubados de seus donos. O mero comparecimento a cerimônias do candomblé perturbava as relações escravistas porque prejudicava o desempenho do escravo no trabalho.

    Por isso, com frequência, a polícia recebia reclamações de senhores, e a imprensa investia contra os sacerdotes de candomblé que supostamente aprisionavam escravos em seus terreiros. No mais das vezes, tais reclamações se referiam a escravas. Se a maioria dos indivíduos em posição de liderança eram homens, eram as mulheres a vasta maioria das pessoas vistas ou presas pela polícia em candomblés, e que  reconhecidamente dançavam para os deuses ou se iniciavam para servi-los.

    Isso pode explicar por que, na virada do século, as mulheres se tornariam elemento dominante na hierarquia do candomblé. Elas estavam sendo formadas na religião em número muito superior aos homens, os quais aparentemente se recusavam a submeter-se aos complexos ritos iniciáticos - ou então esses ritos lhes eram vedados.

    De um ponto de vista sociológico, a hegemonia feminina que se estabeleceu no candomblé fora construída sob um regime escravista, particularmente em seu lado urbano, no qual elas eram mais independentes e gozavam de mais oportunidades de ascensão social. Mulheres obtinham a alforria em ritmo superior ao dos homens, por exemplo, e tornavam-se bem-sucedidos comerciantes na Bahia, em especial no setor de venda de comida. Dessa forma, a proeminência ritual em certo sentido traduziria a posição social delas. Mas razões de ordem ritual não devem ter sido desprezíveis. Grupos iniciáticos femininos se tornaram tradição em diversas casas de culto baianas, no rastro do Ilê Iya Nassô e seus rebentos: o Gantois e o Axé Opô Afonjá. Enquanto o posto exclusivamente masculino de babalaô (sacerdote-adivinho de Ifá ou Fa) declinou até quase se extinguir, as mulheres tomaram conta do negócio da adivinhação, junto com outras atribuições rituais essenciais no âmbito da religião. Com o desaparecimento dos africanos da população da Bahia e o estabelecimento da supremacia feminina entre os iniciados, a geração seguinte de líderes - a dos crioulos - tornou-se, dessa forma, predominantemente feminina. Se não predominaram em número, como alguns afirmam, destacaram-se na fama e no poder. Tornaram-se míticas e veneradas em todo o Brasil, figuras como Mãe Senhora do Axé Opô e Menininha do Gantois.


Texto de João José Reis retirado da Revista de História da Biblioteca Nacional, Ano 1, nº 6, Dezembro de 2005. Ministério da Cultura.

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Bahia de todas as Áfricas

A trajetória dos líderes e devotos do candomblé do século XIX revela que a história das religiões afro-brasileiras é, sobretudo, a da crescente mistura étnica e social em torno da fé.


    Foi na Bahia do século XIX que ficou estabelecido o modelo básico adotado pelo candomblé que conhecemos hoje. Segundo a tradição, o Ilê Iya Nassô - a Casa de Mãe Nassô, popularmente conhecida como Candomblé do Engenho Novo ou Casa Branca - teria sido o primeiro a celebrar diferentes deuses simultaneamente sob o mesmo teto. Essa prática refletiria alianças entre grupos étnicos diferentes, contribuindo para a consolidação de novas identidades africanas em terras brasileiras.

    Mas teria sido aquele terreiro o único com essas características no ambiente que o viu nascer? Pouco se sabe sobre a história das religiões afro-brasileiras no século XIX, inclusive sobre os indivíduos e grupos envolvidos. É a respeito de líderes, acólitos, devotos e clientes que vamos falar aqui. Informações sobre homens e mulheres participantes de formas diversas nesses rituais aparecem basicamente em dois tipos de fontes, os registros policiais e as notícias de jornal. Os indivíduos que produziam esses documentos, em geral, não eram iniciados no candomblé, não tinham interesse nele como tema de pesquisa, curiosidade ou lazer, e o estavam perseguindo e/ou condenando. Por isso, as informações se apresentam quase sempre incompletas, distorcidas ou simplesmente equivocadas. Apesar disso, revelam muito das práticas e dos praticantes ligados aos cultos de origem africana ao longo do século XIX.

    Durante esse período, na Bahia, a maior atividade do candomblé acontecia nos subúrbios de Salvador. Apesar disso, não foram poucas as denúncias de episódios acontecidos na cidade, sob as barbas da polícia, como insistia O Alabama, periódico "crítico e chistoso", publicado entre 1864 e 1871. Dedicando-se a uma dura e sistemática campanha contra os candomblés baianos, o jornal publicava, com considerável frequência, histórias de pessoas envolvidas nesses rituais.

    Os que podem ser considerados líderes do candomblé não eram apenas os indivíduos que presidiam os terreiros propriamente - ou seja, uma comunidade religiosa com seu grupo de iniciados, estrutura hierárquica e organizacional, calendário de festas e assim por diante. Eram também os auxiliares mais próximos dos chefes de terreiros, incluindo, por exemplo, o líder dos tocadores de atabaques e o responsável pelo sacrifício votivo de animais. Com frequência, adivinhos e curandeiros atendiam em casa, sem participar da hierarquia dos terreiros de candomblé. Alguns atraíam centenas de consulentes, mesmo de fora da Bahia, até da África.

    Nomes como o da sacerdotisa Nicácia, uma mulata que teria morrido em 14 de março de 1807, conforme registrado com precisão, no final do século XIX, em um Resumo chronologico e noticioso da Província da Bahia desde seu descobrimento em 1500. Segundo o autor da obra, o registro de Nicácia fora feito porque ela "tão falada foi por muito tempo e da qual inda hoje se referem factos interessantes". Infelizmente ele não relata esses "factos". Moradora no Cabula, na época periferia rural e hoje bairro popular de Salvador, Nicácia demonstrou seu carisma alguns meses antes quando uma multidão a seguira até a cidade, presa por ordem do governador da capitania da Bahia, o conde da Ponte. Esse governador desencadeou uma vigorosa campanha expressiva contra candomblés e quilombos nos arredores da capital e no recôncavo dos engenhos. Mas a perseguição aos cultos afro aconteceu durante quase todo o século XIX na Bahia.

    Amaro, um liberto africano, foi uma vítima. Preso em novembro de 1855 em incursão policial provocada por rumores de uma conspiração de escravos, era suspeito de ser "o grande sacerdote dos africanos" no distrito da Sé, populoso centro administrativo e religioso de Salvador. Com ele foi encontrada a maioria dos "vários objectos de [...] crenças" africanas confiscados em sua casa e outras da vizinhança. Alguns desses objetos foram assim descritos pelo subdelegado: "figuras, símbolos, sapos mortos e secos, chocalhos, pandeiros e algumas vestimentas". Nessa mesma ocasião, na freguesia de Santana, foi preso o crioulo (preto nascido no Brasil) Francisco Antônio Rodrigues, o Vico Papai, segundo relatório policial porque "com embustes e superstições reúne em sua casa Africanos escravos para dançar e [para] batuques com ofensa à moral pública". Nem Amaro nem Vico Papai estavam liderando conspiração alguma, mas sim cultos da religião africana, o que não deixava de ser uma forma de rebeldia.

    A maioria dos líderes identificados no período tinha nascido na África. É possível ir um pouco mais longe na tentativa de determinar a origem deles. Os escravos  importados para a Bahia ao longo da primeira metade do século XIX vieram principalmente de povos do grupo linguístico gbe, localizados sobretudo na atual República de Benin, conhecidos como jeje na Bahia; ou eram falantes do iorubá, vindos do sudoeste da atual Nigéria e chamados nagôs na Bahia. Maiores vítimas do tráfico transatlântico nos anos que antecederam sua proibição definitiva, em 1850, os nagôs alcançaram a marca de quase 80% dos escravos africanos em Salvador na década de 1860. Tradições religiosas nagôs e jejes predominaram no candomblé da Bahia oitocentista, mas, no final do século, os nagôs já tinham estabelecido sua hegemonia.

    Embora candomblé seja um vocábulo de origem banta (família linguística dos escravos chamados no Brasil angolas, congos, benguelas, cabindas etc., trazidos principalmente de território da atual Angola), poucas são as evidências escritas sobre cultos especificamente bantos no século XIX baiano. Mas temos algumas expressões, como candonga e milonga para designar feitiçaria, e calundu para definir a prática religiosa africana em geral. Este último termo, que predominou até o final do século XVIII, foi mais tarde substituído por candomblé. É possível, porém, identificar uns poucos sacerdotes angolas entre os líderes desse universo religioso. 

    O papel de líder era também desempenhado por crioulos, pardos e até brancos. Tem-se notícia que, em julho de 1859, o português Domingos Miguel e sua amásia, a parda Maria Umbelina, foram presos numa casa à rua Coqueiros d'Água de Meninos, porque ali organizavam um candomblé com "danças e objetos de feitiçaria", dele participando homens e mulheres pardos, crioulos e africanos, escravos, livres e libertos. Prenderam 16 pessoas. Parece provável que o português estivesse envolvido naquela experiência religiosa, mas talvez a batuta estivesse de fato nas mãos de sua amante parda ou de outra pessoa do grupo; talvez nas mãos de Felisarda Sulana, escrava e única africana presa com o grupo.

    A polícia não deixou nenhuma dúvida no caso da outra pessoa branca na lista de líderes. Acusou abertamente Maria Couto de ser "dona ou diretora" de um "grande candomblé! no Saboeiro, arredores de Salvador, que estivera ativo - batendo tambor e dançando para os deuses - por alguns dias em abril de 1873, até ser denunciado por vizinhos alarmados. Segundo o chefe de polícia, além de moradores locais bem conhecidos, estranhos armados e escravos fugidos frequentavam aquelas cerimônias, o que recomendava cuidado. O chefe de polícia ordenou ao subdelegado daquele distrito que prendesse Maria Couto e a levasse à sua presença - sinal de que ele achava pouco usual, talvez preocupante, ou apenas curioso, o fato de uma casa de candomblé ser liderada por uma mulher branca.

    Alguns escravos faziam parte da liderança religiosa africana. O mais antigo documento conhecido no qual o termo candomblé aparece é relativo ao escravo angola Antônio, descrito por um capitão de milícias em 1807 como "presidente do terreiro dos candomblés". Observe-se que aqui também aparece a palavra terreiro associada a candomblé, outra novidade. Sacerdote, adivinho e curandeiro, bem-sucedido Antônio vivia longe de sua senhora, em terras localizadas em um engenho no rico município açucareiro de São Francisco do Conde, onde ele tinha estabelecido seu terreiro. Ali, o escravo era procurado por "número maior [de pessoas] de alguns engenhos vizinhos nas vésperas de dias santos e domingos". Segundo um relatório policial, ele exigia, "apesar de ser moço, que lhe tomassem a bênção, e lhe prestassem obediência, inda os mais velhos". De início, Antônio conseguiu escapar às forças de milícias enviadas para capturá-lo, subornando um feitor do engenho, o que sugere que tinha acesso a algum capital obtido de sua prática religiosa. Prenderam seis escravos para obrigá-los a informar onde Antônio se escondera. Ele foi preso porque o feitor subornado não cumpriria sua parte no trato.

    Para ser chefe de terreiro, que implicava dedicação grande de tempo, um escravo tinha que ter relações especiais com seu senhor. Era o caso de Antônio, cuja senhora o deixava viver sobre si. Infelizmente não sabemos por que. É capaz que ela temesse seus poderes espirituais e se intimidasse com seus conhecimentos de ervas venenosas. Mas a explicação pode ser mais simples: como muitos outros senhores, ela o autorizava a trabalhar sem impedimentos, desde que lhe pagasse parte da renda adquirida. Há casos do período colonial de senhores que chegaram a agenciar escravos curandeiros e por isso tiveram que dar satisfação à Inquisição.

    Uma expressiva maioria dos líderes do candomblé havia nascido livre ou, principalmente, adquirido a alforria por compra ou doação. Os libertos formavam um setor importante da população africana e crioula na Bahia, sobretudo na capital, onde o sistema do ganho facilitava o acesso do escravo ao trabalho remunerado - como o de carregadores, vendedores, operários e artesãos -, que permitia a formação da poupança amiúde usada para a compra da alforria. Foram os libertos, sobretudo, os maiores responsáveis pela estruturação do candomblé baiano nesse período. Alguns deles haviam provavelmente obtido a liberdade com dinheiro ganho com práticas divinatórias, curas e outros trabalhos, ou essas práticas complementavam formas mais convencionais de ganhar a vida e a liberdade.

    Negociantes quitandeiros, ambulantes, vendedores eram algumas das ocupações de muitos dos adivinhos, curandeiros, pais e mães de terreiros. Mas não deviam ser poucos os sacerdotes africanos vivendo exclusivamente da religião, a se considerar os muitos clientes que, segundo as fontes, eles tinham. Esses clientes em geral, deixavam, individualmente, pouca coisa na esteira do adivinho ou do curandeiro, mas de vez em quando pequenas fortunas podiam ser ali gastas. Como aconteceu com a africana liberta Maria Romana, que, em 1856, acusou um certo Jorge, africano liberto como ela, de lhe tomar todo o dinheiro, joias, além de um baú de roupas e até uma casa, como remuneração pelo tratamento de seu marido, o também africano liberto Pedro Theodoro da Silva, que segundo ela teria sido lentamente assassinado com "ervas venenosas" feitas por Jorge. Depois de sete meses tentando negociar, sem sucesso, uma reparação. Maria resolveu denunciar Jorge à polícia. Não se tem notícia do desfecho dessa história. Mas, decerto, a reputação do acusado foi arruinada com o escândalo.

    Era comum que esses líderes fossem despóticos, o que podia até elevar o seu prestígio, mas eles tinham de balancear essa reputação com outra mais positiva de generosidade, proteção e sobretudo eficiência ritual. Esta última é que ajudava as religiões africanas a recrutar, desde o período colonial devotos e clientes de diversas camadas sociais.

    Apesar de sua origem remontar a grupos étnicos específicos da África, na Bahia o candomblé se caracterizou por um movimento crescente de mistura cultural, étnica, racial e social. Isso começou entre os próprios africanos de diferentes etnias. Documentos relativos ao fim do século XVIII e à primeira metade do XIX, ainda que escassos, sugerem a formação de identidades étnicas a partir dessa mistura. Em 1785, por exemplo, seis africanos foram presos em um calundu na vila de Cachoeira, no Recôncavo, onde danças, batuques e cantos eram frequentes. Foram identificados por uma testemunha africana no inquérito policial como dois "marris", dois "jejes", um "dagomé" e um "tapá" (termo iorubá que se usava na Bahia para designar os nupes, povo da África Ocidental).

    Apesar de identidades diversas e mesmo da possível hostilidade que pudesse ter havido na África entre alguns grupos ali representados, eles eram falantes, exceto o tapá, de línguas gbe. Portanto, antes da criação do Ilê Iya Nassô, a religião africana já servia como instrumento de alianças interétnicas na Bahia, sobretudo no mesmo universo linguístico. Mas aqui ainda estamos exclusivamente entre africanos.

    Em 1828, um juiz de paz prendeu mulheres, tanto africanas quanto crioulas, dançando para deuses africanos em Salvador, na freguesia de Brotas. Aquilo representava outro passo largo na formação do candomblé baiano: a incorporação ritual de negros nascidos do lado de cá do Atlântico. Considerando sua reação, o juiz que invadiu o terreiro se defrontara com algo novo. Em longos e coléricos relatórios ao presidente da província, ele argumentou que a mistura de crioulos e africanos para celebrar deuses d'além-mar era a ruptura de uma norma comportamental e prática perigosa para a ordem pública; a seu ver, negras nascidas no Brasil deviam ser exclusivamente católicas.

    Mas, de acordo com o juiz de paz, elas, ao contrário, "adoravam" deuses africanos sem muita preocupação em escondê-lo, embora fingissem ser devotas dos santos católicos. Era como se, à mistura étnica, de fato equivalesse a religiosa. O juiz não entendeu, mas testemunhava um fenômeno, novo para ele, já característico da religiosidade dos que viviam na Bahia: a circulação das pessoas através de diferentes sistemas religiosos, sem necessariamente misturá-los.

    Na segunda metade do século XIX, abundam evidências sobre africanos, crioulos, mulatos e uns poucos brancos ritualmente misturados no candomblé. Com o correr dos anos, observa-se um processo de nacionalização das bases religiosas, mesmo que a liderança continuasse predominantemente africana.

    Em 1862, tendo sabido que um grupo de crioulos havia construído terreiro em um bairro sob sua jurisdição, num local chamado Pojavá, um subdelegado escreveu que "neste distrito nunca os crioulos se deram a tal divertimento, foi a primeira vez que aqui o praticaram com admiração de [todos]". Essa mesma autoridade se vangloriou de haver acabado com todos os candomblés de africanos em sua jurisdição, que representavam - escreveu - "um modo de vida dos africanos que se não queriam empregar na lavoura". O jornal Diário da Bahia fez um perfil detalhado dos presos no candomblé do Pojavá. Dos 26 homens, um era africano, três pardos e 22 crioulos. Quanto às mulheres, duas eram africanas libertas, quatro "pardas escuras" e 29 crioulas, mas nenhuma escrava; entre os homens, apenas quatro crioulos eram escravos. Além da predominância parda e crioula, o candomblé era formado, sobretudo, por gente livre e liberta que, ao contrário do insinuado pelo subdelegado, trabalhava. Havia um tipógrafo, um escultor, um sapateiro, um pintor, um marceneiro, um aparelhador e um lavrador; dois saveiristas e dois funileiros; três alfaiates e três carpinteiros; nove pedreiros. Não listaram as ocupações das mulheres.

    A composição do candomblé do Pojavá refletia os ventos de renovação característicos do processo de nacionalização desse universo cultural no século XIX, fosse seu dirigente africano ou não. Era um candomblé predominantemente formado por gente emancipada da escravidão e, a se considerar o  perfil ocupacional dos homens, gente empregada em um setor mais especializado do mercado urbano de trabalho. Eram também jovens e nascidos no Brasil. Quanto à predominância crioula, o Pojavá não era exceção. No ano seguinte, 1863, um subdelegado da freguesia da Vitória declarou que ali os "filhos da terra" já tinham substituído os africanos nos "batuques de tabaques". Entretanto, os centros religiosos africanos continuariam a existir, pelo menos até a virada do século. E o apelo à pureza africana se tornaria índice de prestígio dos candomblés desde essa época.

    Entre os clientes ocasionais e visitantes, encontra-se mos documentos todo e qualquer grupo, fosse de cunho racial, étnico, social ou ocupacional. Havia negros, brancos e mulatos, escravos e senhores, homens de negócio e vendedores de rua, professore e estudantes, prostitutas e madames, policiais e criminosos, artesãos, empregados públicos, padres católicos, políticos. Pessoas de todos os estratos sociais consultavam adivinhos e curandeiros e compareciam a funerais, ritos de iniciação e festas que celebravam divindades específicas ao longo do ano.

    Típico nesse caso era o que acontecia em 1862, no centro de Salvador, numa casa de ladeira de Santa Teresa, ao lado do convento com o mesmo nome onde eram educados seminaristas. Na casa, libertos e libertas africanas, assim como "pessoas de gravata e lavadas", participavam de cerimônias presididas por Domingos Pereira Sodré, sacerdote nagô da cidade-porto de Onin (Lagos), que havia sido escravo num engenho do Recôncavo. Sodré era um afamado adivinho e "feiticeiro" que atendia a gente de toda sorte. Mas havia muitos outros e outras. Entre a clientela de Anna Maria, mãe de terreiro angola denunciada por O Alabama em 1864, constava uma parda que queria curar o filho de feitiço, um português e uma crioula que procuravam tirar o diabo dos corpos dos respectivos amásios, um crioulo um busca de cura para seu afilhado e uma "moça", provavelmente branca, Virgínia por acaso, que queria arrumar casamento.

    Se é lícito dizer que o candomblé baiano dessa época se identificava com africanos e era encabeçado, sobretudo, por eles, pode-se também afirmar que essa religião aos poucos deixaria de ser uma instituição ou uma forma de espiritualidade apenas africana, uma religião exclusiva de escravos.

    A história do candomblé na Bahia do século XIX é, portanto, a história de sua mistura étnica, racial e, logo, social. Um processo que ocorreu em diversas frentes: a reunião de africanos de diferentes origens étnicas para, juntos, celebrarem seus diferentes deuses, a atração dos descendentes de africanos nascidos na Bahia e a difusão de todo tipo de serviço espiritual entre clientes de diversas origens étnicas, raciais e sociais. Obviamente isso não fez do candomblé parte da cultura dominante local, pois ele continuou a ser visto - talvez pela maior parte da população e decerto pela maioria da elite - como anticristão ou incivilização e legitimamente sujeito à perseguição e à brutalidade policiais.

    Durante todo o século XIX e por muitas décadas depois, o candomblé continuou a ser identificado como uma instituição africana. Devemos admitir que, embora essa religião tenha se  difundido na sociedade, enquanto existiram africanos na Bahia, é provável que tenham existido candomblés apenas de africanos, e, mesmo entre  estes, alguns etnicamente restritos. Mas, ainda que os terreiros não tenham deixado de representar uma memória da identidade étnica - pois continuam até hoje a se definir, de acordo com sua "nação", como nagô, ket, jeje, angola -, tal identidade, em virtude da inclusão de tantos elementos estrangeiros, deixou de se basear na linhagem étnica para se basear na afiliação espiritual. Mesmo com a repressão policial e o menosprezo público, esse processo transcorria a todo vapor nas vésperas da Abolição, em 1888.  


Texto de João José Reis, professor do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia. Retirado da Revista de História da Biblioteca Nacional, Ano 1, nº 6, Dezembro de 2005. Ministério da Cultura.