quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Tem tudo a ver

 A poesia

tem tudo a ver

com tua dor e alegrias,

com as cores, as formas, os cheiros,

os sabores e a música

do mundo.


A poesia

tem tudo a ver

com o sorriso da criança,

o diálogo dos namorados,

as lágrimas diante da morte,

os olhos pedindo pão.


A poesia

tem tudo a ver com a plumagem, o voo e o canto,

a veloz acrobacia dos peixes,

as cores todas do arco-íris,

o ritmo dos rios e cachoeiras,

o brilho da lua, do sol e das estrelas,

a explosão em verde, em flores e frutos.


A poesia

- é só abrir os olhos e ver -

tem tudo a ver

com tudo.


Poema de Elias José retirado do livro Palavras de Encantamento, série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

terça-feira, 15 de novembro de 2022

O menino que carregava água na peneira

 Tenho um livro sobre águas e meninos.

Gostei mais de um menino

que carregava água na peneira.


A mãe disse

que carregar água na peneira

Era o mesmo que roubar um vento e sair

correndo com ele para mostrar aos irmãos.


A mãe disse que era o mesmo que

catar espinhos na água

O mesmo que criar peixes no bolso.


O menino era ligado em despropósitos.


Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.


A mãe reparou que o menino

gostava mais do vazio

do que do cheio.

Falava que os vazios são maiores

e até infinitos.


Com o tempo aquele menino

que era cismado e esquisito

Porque gostava de carregar água na peneira


Com o tempo descobriu que escrever seria

o mesmo que carregar água na peneira


No escrever o menino viu

que era capaz de ser

noviça, monge ou mendigo

ao mesmo tempo


O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.


Foi capaz de interromper o voo de um pássaro

botando ponto no final da frase.


Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.


O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor!

A mãe reparava o menino com ternura.


A mãe falou:

Meu filho você vai ser poeta.


Você vai carregar água na peneira a vida toda.


Você vai encher os

vazios com as suas peraltagens


E algumas pessoas

vão te amar por seus despropósitos


Poema  de Manoel de Barros retirado do livro Palavras de Encantamento, da série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Flores em Você

 De todo o meu passado

Boas e más recordações

Quero viver meu presente

E lembrar tudo depois

Nessa vida passageira

Eu sou eu, você é você

Isso é o que mais me agrada

Isso é o que me faz dizer:

Que vejo flores em você!


Música de Edgard Scandurra gravada pelo grupo Ira! em seu então LP Vivendo e não Aprendendo lançado em 1986 pela Gravadora WEA e relançado em CD no ano de 2000.

domingo, 13 de novembro de 2022

O Pião

 A mão firme e ligeira

puxou com força a fieira:

e o pião

fez uma elipse tonta

no ar e fincou a ponta

no chão.


É o pião com sete listas

de cores imprevistas.

Porém,

nas suas voltas doidas,

não mostra as cores todas

que tem:


- fica todo cinzento,

no ardente movimento...

E até

parece estar parado,

teso, paralisado,

de pé.


Mas gira. Até que, aos poucos,

em torvelins tão loucos

assim,

já tonto, bamboleia,

e bambo, cambaleia...

Enfim,

tomba. E, como uma cobra,

corre mole e desdobra

então, 

em hipérboles lentas,

sete cores violentas,

no chão.


Poema de Guilherme de Almeida retirado do livro Caminho da Poesia, série Literatura em minha casa, Global Editora, São Paulo, 2003.

sábado, 12 de novembro de 2022

Estado Mental de Felicidade

    A problemática da felicidade encontra solução eficaz no comportamento íntimo do indivíduo em relação à vida.

    Por que transferir para o futuro o momento de ser feliz, quando se pensa em conseguir determinados valores, que possivelmente não lograrão completar o quadro de harmonia e ventura pessoal?

    Pode-se e deve-se ser feliz em cada instante, pois que tal conquista procede do estado de espírito e não dos recursos materiais amealhados de que se pode dispor.

    O dinheiro soluciona alguns problema; projeta a personalidade; promove socialmente o indivíduo, mas não resolve as situações interiores, nas quais estão as bases da harmonia como do desequilíbrio.

    É necessário valorizar-se o que realmente pode proporcionar a felicidade e não os seus acessórios. Digamos, então, que esta é um estado mental, variando de pessoa para pessoa, conforme o seu grau de evolução, portanto, a sua aspiração maior.

    As conquistas materiais não dispõem do poder de fazer as criaturas felizes. Podem diminuir-lhes a aflição, atender a algumas necessidades, minorar amarguras, gerar bem-estar e conforto...

    Esperando-se conseguir o beneplácito da felicidade, mediante as dádivas da cornucópia da fortuna, por exemplo, perdem-se muitos instantes felizes que dificilmente retornarão.

    Essa felicidade dourada, sem preocupações, ociosa, não existe; é miragem que se dilui ante a realidade.

    Podes conseguir o estado mental da felicidade de permanente, crendo que ela é propiciada pelo amor a Deus, que a deposita no escrínio dos teus sentimentos, a fim de que aí a desdobres, brindando-as às demais pessoas.

    Assim, não obstante as mudanças e circunstâncias em que te encontres, alterando o ritmo dos assuntos e acontecimentos externos, ela permanecerá contigo, porque está em ti.

    O vendaval das paixões não a expulsa; a frialdade do abandono não a empalidece; a chuva das acusações não a conspurca; o granizo da ofensa não a fere; o ouro das ambições não a entorpece; o fogo das lutas cruzadas não a atinge.

    Ela permanece serena, e qual chama abençoada, com a luz aponta o caminho seguro a seguir, acalmando as ansiedade do coração.

    A felicidade plena e compensadora não é deste mundo. No entanto, germina e se desenvolve enquanto o Espírito avança pela estrada  reencarnacionista, graças às ações desenvolvidas e ao comportamento mantido.

    Reservada para o Reino dos Céus, é indispensável que o homem lhe conduza as matrizes íntimas mediante as quais se desvela no momento oportuno.


Retirado do livro Momentos de Esperança; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Bem-te-vi... Bem-te-vi...

 Que terás visto?

Há quanto tempo tu avisas, bem-te-vi...

Bem-te-vi da minha infância, sempre a gritar,,

sempre a contar, fuxiqueiro,

e não viste nada.


Meu amiguinho, preto-amarelo.

Em que ninho nasceste, de que ovinho vieste,

e quem te ensinou a dizer: Bem-te-vi?...

Bem te vejo, queria eu também cantar e repetir

para ti: Bom dia, bem te vejo, te escuto.

Bem-te-vi sobrevivente

de tantos que já não voam sobre o rio,

nem pousam nas palmas dos coqueiros altos...


Mostra para mim, meu velho companheiro

de uma infância ultrapassada,

tua casa, tua roça, teu celeiro, teu trabalho, 

tua mesa de comer,

tuas penas de trocar,

leva-me à tua morada de amor e procriar.


Vamos ao altar de Deus agradecer ao Criador

não desaparecerem de todo os bem-te-vis

dos Reinos de Goiás.


Canta para mim, tão antiga como tu,

as estorinhas do passado.

Bem-te-vi inzoneiro, malicioso e vigilante.

Conta logo o que viste, fuxiqueiro do espaço,

sempre nas folhas dos coqueiros altos,

que também vão morrendo devagar 

como morrem os coqueiros,

comidos de velhice e de lagartas.


Poema de Cora Coralina retirado do livro Caminho da Poesia, série Literatura em minha casa, Global Editora, São Paulo, 2003.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Dois e dois: quatro

 Como dois e dois são quatro

sei que a vida vale a pena

embora o pão seja caro

e a liberdade pequena


Como teus olhos são claros

e a tua pele, morena


como é azul o oceano

e a lagoa, serena


como um tempo de alegria

por trás do terror me acena


e a noite carrega o dia

no seu colo de açucena


- sei que dois e dois são quatro

sei que a vida vale a pena


mesmo que o pão seja caro

e a liberdade, pequena


Poema de Ferreira Gullar retirado do livro Caminho da Poesia, da série Literatura em minha casa, Global Editora, São Paulo, 2003.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Desenho de Caminhão

 Lápis, papel, num minuto

ele fez seu avião,

fez um navio minúsculo,

fez também um caminhão.


O navio foi ao fundo,

caiu longe do avião.

O menino deu um pulo,

entrou no seu caminhão.


Quem tem um lápis tem tudo,

alegrias da invenção, 

tem à frente o vasto mundo,

estradas pro caminhão.


O menino já tem rumo,

tem caminhos, condução;

agora, vai num segundo

dar partida ao caminhão.


Poema de Antonieta Dias de Moraes retirado do livro Caminho da Poesia, série Literatura em minha casa, Global Editora, São Paulo, 2003.

terça-feira, 8 de novembro de 2022

A lua no cinema

 A lua foi ao cinema,

passava um filme engraçado,

a história de uma estrela

que não tinha namorado.


Não tinha porque era apenas

uma estrela bem pequena,

dessas que, quando apagam,

ninguém vai dizer, que pena!


Era uma estrela sozinha,

ninguém olhava pra ela,

e toda a luz que ela tinha

cabia numa janela.


A lua ficou tão triste

com aquela história de amor,

que até hoje a lua insiste:

- Amanheça, por favor!


Poema de Paulo Leminski retirado do livro Caminho da Poesia, série Literatura em minha casa, Global Editora, São Paulo, 2003.

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Meio-dia

 Meio-dia. Sol a pino.

Corre de manso o regato.

Na igreja repica o sino;

Cheiram as ervas do mato.


Na árvore canta a cigarra;

Há recreio nas escolas:

Tira-se, numa algazarra,

A merenda das sacolas.


O lavrador pousa a enxada

No chão, descansa um momento,

E enxuga a fronte suada,

Contemplando o firmamento.


Nas casas ferve a panela

Sobre o fogão, nas cozinhas;

A mulher chega à janela,

Atira milho às galinhas.


Meio-dia! O sol escalda,

E brilha, em toda a pureza,

Nos campos cor de esmeralda,

E no céu cor de turquesa...


E a voz do sino, ecoando

Longe, de atalho em atalho,

Vai pelos campos, cantando

A Vida, a Luz, o Trabalho!


Poema de Olavo Bilac retirado do livro Caminho de Poesia, série Literatura em minha casa, Global Editora, São Paulo, 2003.