19 novembro 2025

Tachos e Gamelas

Mais que verdade. Um pouco de assunto para a gente ter coragem de escafeder-se por aí por esse Brasil mundão grande afora.

- Senta, Niquinha.

- Num havera eu de sentar?

- E pra quê essa cara de muxoxo?

- Se incomode não.

- O Zeca veio?

- Veio coisa nenhuma aquele safado sem-vergonha metido a besta odiento fingido que eu gosto de doer. 

- E então?

- Ara!

- Num vai me contar?

- Ara, ara!

- Pois num conte, uai. Fica aí sentada. Até a bunda arder. É capaz que chova agorinha.

Tia Natércia foi soprar fogo na cozinha. Niquinha revirou os olhos castanhos tristes fundos para as bandas da Rua Campo Formoso e quis chorar. Era mais que verdade. Pra lá de muito mais.

- Ô Niquinha!

Era a menina Miroca chamando de outro lado da rua. Os cabelos de Miroca voavam. Seu sorriso esquentou o frio de Niquinha.

- Que é, Miroca?

- Vamo catar gabiroba lá no mato do corgo?

Niquinha espichou as pernas no degrau da varanda. Baixou os olhos e viu uma borboleta branca alvinha e pequetita em cima de um copo de leite do jardim.

- Tô com querência pra isso não.

- Deixa de ser boba... Resmungou Miroca amarrando o laço de uma sandália vermelha que lhe soltara do pé.

Niquinha esqueceu-se da borboleta branca e escutou a voz de Tia Natércia cantando na cozinha. Lembrou-se do Zeca. Desembestou a chorar alto sacudindo o corpo todo.

Miroca veio até ela e seus cabelos ainda voavam.

- Êta Niquinha pamonha! Chorando desse jeito por causa de home!

- Cala a boca, Miroca! Cê num sabe o que é amor.

Miroca sentou-se no peitoril da varanda e começou a roer unha.

Niquinha olhou para ela e se arrependeu da malcriação.

- Me desculpa, Miroca. Num liga pro que eu falo não.

- Num ligo não, Niquinha. Só queria te enterter um tiquinho.

- Me enterter?

- A gente bem que podia catar gabiroba...

- Tô sem vontade nenhuma...

- Ia ser bom procê!

- O Zeca num me sai do juízo, aquele desgraçado, aquele diabo, aquele merda.

- Num apareceu mais não?

- Havera de aparecer por um acauso?

- A gente achava que o Zeca tava doidinho por ocê.

- Pois é. Até a tia já tava gostando do jeitão dele...

Niquinha soltou um choro fino comprido que parecia não ter mais fim. Miroca se ajoelhou perto dela e falou com voz de alegria quase:

- E se a gente fosse ver o trem na Estação. Êta que chega cada baita home bonito lá!

Mas Niquinha não se contentou nem um pouco. Levantou-se do degrau da varanda e foi para dentro de casa. Deu com a porta de seu quarto. Entrou. Suspirou uma horinha de frente para o espelho. Caminhou até à cozinha. Tia Natércia cozinhava mandioca no tacho. Na gamela sobre a mesa havia biscoitos de polvilho e uma caneca de café recebia tapinhas do sol que passava por cima da goiabeira bem em frente a porta da cozinha.

- Vamo ou num vamo catar gabiroba?

Gritou ainda Miroca lá da varanda.

Niquinha se lembrou do Zeca mais uma vezinha. Apalpou a barriga. Pensou na coisa bonita que estava dentro dela, coisinha miúda que ia crescer que nem abóbora moranga.

- Quer tomar café? Perguntou Tia Natércia com o rosto quente de fogo da trempe.

Niquinha sentou-se no tamborete:

- Esses biscoitos tão cheirando... Acho que vou deixar a gamela vaziinha de tudo

Tia Natércia riu da fomeagem dela. Depois foi buscar mais uma gamelada de biscoitos de polvilho que já estava fora do forno, aquele quintal de tanta árvore e de tanta fruta, batido pela gostosura do sol, com cheiro de coisa boa e limpa.

A chuva nem tardou.


Conto de Stela Maris Rezende Paiva retirado do livro Dentro das Lamparinas, Horizonte  Editora, Brasília, 1979.

18 novembro 2025

Na Rodoviária

O lugar mais frio do mundo. Debaixo daquelas placas de cimento, todas tão altas, tão grandes, tanto frio nas costas cobertas apenas por uma camisa de algodão, amarelada e respingada de lama. No bancos enfileirados os corpos sentados com as pernas cruzadas, com as pernas esticadas, com as pernas encolhidas. Os rostos que não dizem coisa alguma. Os olhos de todos. Com um brilho sombrio, uma luz sem direção. Nas bocas um riso tosco que mais parece uma careta repetitiva e angustiante.

A camisa não aquece. O vento está levantando a saia daquela moça que passou com um embrulho de pastel na mão. A gordura do pastel está molhando o embrulho. A moça para, sem olhar para ele, para sua camisa que não aquece. A moça abre o embrulho e tira um pastel enorme que deve ter muita carne dentro. Ela como o pastel com vontade, com um sorriso. Com um brilho diferente nos olhos fundos. Depois ela desaparece entre as pernas daqueles homens altos e louros que conversam perto da lanchonete. Mas o pastel ficou. O pastel corre de mão em mão, todos comem um pedacinho. Só ele observa tudo, encostado a uma das pilastras, sentindo esse frio todo, essa tristeza toda, essa fome toda.

- Ei, guri.

Levanta os olhos com preguiça.

- Tá me ouvindo, guri?

Examina o rosto enrugado da mulher, o batom vermelho nos lábios finos, o pó de arroz sobrando nas bochechas murchas.

- Qual é a tua? Num fala não, é?

Acha graça na voz da mulher. Ri do jeito de mexer com os ombros.

- Vai falando, dona.

Ela acende um cigarro com um isqueiro azul. Começa a fumar, os cabelos estão soltos e pegajosos.

- Sabe o que é, guri? É que... Bom, eu tava a fim de...

Sente cheiro de cerveja. Essa mulher deve ter tomado muita cerveja. Os olhos dela são miúdos e piscam muito.

- Eu tava a fim de papear com alguém, sacou?

Agora ele ri bastante, sacudindo os ombros.

- A dona tá querendo me gozar? Nunca me viu mais gordo e tá a fim de papear comigo?

- Você não quer?

Ele para de rir bruscamente. Lembra-se do pastel. Da carne quentinha que devia estar dentro dele.

- Tô a fim de comer um pastel, dona. Tô com uma fome dos diabo!

Cala-se.  Envergonha-se do que acabou de dizer, meio perplexo, meio tonto. A mulher puxa-o pela mão. Leva-o diante da lanchonete e apoia-se no balcão de mármore branco. Compra o pastel para ele. Depois, ao voltar a seu lado, em direção à pilastra, ela passa as mãos enrugadas em suas costas.

- Essa tua camisa num tá com nada, meu guri.

Engole a carne moída com pedacinhos de tomate e folhas de salsa. Mais uma vez olha pra ela, agora achando tudo isso muito esquisito e bom.

- A dona mora aqui mesmo em Brasília?

Ela belisca um pedacinho do pastel.

- Desculpa. Num tô com fome não, é só uma mania que eu tenho. Moro na Cidade Livre. Num barraco de tábua.

- Eu também moro num barraco de tábua, num tenho nenhuma inveja da senhora.

Os dois estão rindo. Rindo sem parar. O pastel acabou. O frio parece que diminuiu um pouco. Uma criança passa correndo, chamando pela mãe que voltou para a escada rolante, deve ter esquecido algum dos pacotes de suas compras.

- A senhora sabia que aqui é a capital da esperança?

A mulher continua rindo, os olhos miúdos são engolidos pelas bochechas murchas. Ele tira o resto da gordura das mãos com uma ponta da camisa. Ergue os olhos e vira o rosto. Vê ao longe, embaçada e triste, a Praça dos Três Poderes.


Conto de Stela Maris Rezende Paiva retirado do livro Dentro das Lamparinas, Horizonte  Editora, Brasília, 1979.

17 novembro 2025

Mitologia e Simbologia de Escorpião

Todos os signos do Zodíaco correspondem a uma lenda mitológica muito bonita que teve sua origem em tempos muito antigos.

Os deuses gregos possuíam todas as fraquezas humanas e, da mesma forma que os deuses, eram sensuais e ambiciosos como os homens, seus pais e mães, eram possessivos e dominadores como os pais e mães humanos.

Existem duas histórias mitológicas correspondentes, por um lado a Escorpião e por outro lado a Marte, que era o regente deste signo na antiguidade.

Existem várias versões lendárias, mas aconteceu mais ou menos assim:

Em uma versão, Netuno apaixonou-se por Euríale, filha do rei Minus e dela teve uma filho que chamou-se Órion.

Órion tinha três características que o distinguiam do resto dos mortais: possuía uma extraordinária habilidade como caçador, era dotado de uma beleza incomum e tinha uma estatura gigantesca.

O gigante Órion era tão grande que as lendas contam que quando caminhava sua cabeça atingia as nuvens.

Órion morreu vítima de uma flecha perdida lançada por Diana em uma competição com seu irmão Apolo.

Visto que Diana era apaixonada por Órion, que não correspondia a seu amor por amar Aurora, muitos afirmam que ela o teria matado intencionalmente por ciúmes.

Seja como for, Órion foi imortalizado entre as estrelas numa das maiores e mais belas constelações existentes, que o brasileiro está acostumado a identificar facilmente graças às "Três Marias", agrupamento de estrelas que forma o "Cinturão de Órion".

Em outra versão, Júpiter e Netuno foram recebidos de forma hospitaleira por um camponês, que os recebeu em sua modesta casa sem saber que eram deuses.

Como paga pela acolhida, os deuses presentearam o lavrador com um bebê, surgido do nada sobre uma pele de ovelha.

Uma das versões da vingança de Diana está relacionada com o escorpião e se passa mais ou menos assim:

Da relação entre Júpiter e Latona, filha de um dos Titãs, nasceu um casal de gêmeos, Diana (a Lua) e seu irmão Apolo (o Sol).

Diana teria nascido uns instantes antes de seu irmão testemunhando as dores sofridas por sua mãe.

Apavorada diante da perspectiva de passar pelo mesmo sofrimento não considerou a felicidade da maternidade que transcende todas as dores e covardemente pediu a Júpiter que lhe desse a graça de permanecer eternamente virgem.

Apesar do voto de castidade, quando adulta Diana se apaixonou algumas vezes, em uma delas foi pelo caçador Órion, mas, castigo do destino, jamais foi correspondida por ele.

Órion já havia sido conquistado por Aurora, que era muito formosa e assim se chamava porque abria as portas do céu para o surgimento do carro do Sol todas as manhãs.

Não sendo correspondida, Diana tomada de ciúmes, inventou uma história complicada em que ela tivera seu véu tocado pelas mãos impuras do caçador e resolveu matá-lo pela audácia.

Incumbiu dessa missão o escorpião, que mordeu Órion e o matou através de dores terríveis.

Mais tarde, Diana teria se arrependido e implorado ao pai que perpetuasse nos céus seu amado e o inseto que realizara sua perfídia.

Órion foi imortalizado em sua constelação. O escorpião na constelação que leva esse nome e o fiel cão de caça de Órion na constelação do Cão Maior.

Devido a essas lendas, atribui-se ao signo de Escorpião a vingatividade, o ciúme e a motivação sexual como impulso determinante de atitudes impensadas.

Evidentemente tais avaliações são excessivamente maniqueístas e muitos outros fatores astrológicos teriam que ser considerados antes de afirmativas desse nível.


Marte

Da união de Júpiter com sua irmã gêmea Juno, nasceu Marte o deus da guerra.

Marte teve como seu mestre na arte marcial Príapo, filho da ninfa Naias.

Como deus da guerra, envolveu-se em inúmeras batalhas, sempre acompanhando Eris (a discórdia), Ênio e Queres (divindades do morticínio e do genocídio) e Ago (divindade do combate).

De seu amor por Vênus, Marte gerou Deimos e Fobos (o terror e o medo), que também o acompanhavam em suas batalhas.

Uma das esposas de Marte era Belona, uma mulher monstruosa que tinha serpentes no lugar dos cabelos e que atrelava e conduzia seu carro de batalha.

Dizem que a deusa Fama seguia sempre o carro de Marte em suas batalhas, e tocando sua trombeta chamava a vitória ou a derrota.

Conta-se também que apenas a vitória atendia aos chamados de Fama quando se tratava de batalhas travadas por Júpiter.

Marte teve outros filhos com Vênus, Eros (o amor) e Anteros (o anti-amor ou o ódio).

Marte era adorado entre os gregos e romanos.

Os gregos lhe consagraram o rochedo vizinho a acrópole de Atenas, também chamado Aeropago.

Os romanos acreditavam ser descendentes diretos de Marte, que teria gerado Rômulo e Remo (os fundadores de Roma) em um relacionamento que teve com Sílvia.

Grandes templos foram erguidos em sua homenagem quando os césares passaram a acreditar serem deuses e merecer a proteção especial de Marte.


Texto retirado do livro Escorpião, de Loreley Somma e Marco Natali, Coleção Astral, Ediouro/Editora Tecnoprint S.A., São Paulo, 1986.

16 novembro 2025

Signo Solar Escorpião

De muitas maneiras, Escorpião é o mais poderoso signo do Zodíaco; pois é regido por Marte e Plutão, sendo também o signo da exaltação de Urano.

Mais do que qualquer outro signo, Escorpião lida com o processo de transformação fundamental em todos os níveis.

Essa transformação pode atingir níveis altos ou baixos dependendo da motivação por trás da mudança.

Os escorpianos possuem grande poder fundamentado na vontade e nos intensos desejos emocionais.

A vida deles é uma constante batalha para conquistar os desejos através do uso criativo da vontade.

Visto que este signo está fortemente relacionado com o princípio do desejo e do direcionamento sexual, há uma tremenda força emocional por trás dos envolvimentos românticos dos escorpianos.

Quando foge ao controle, isso pode levar a possessividade, ciúme e violência.

Nenhum signo tem tanto potencial para o bem e para o mal como escorpião.

Nunca brincam com a vida superficialmente. Onde quer que se envolvam, o fazem pelas consequências mais sérias possíveis.

Algumas vezes o desejo de fazer tudo perfeitamente torna-os incapazes de delegar responsabilidades, por isso é comum se desgastarem em busca da perfeição em todos os detalhes.

Os escorpianos mais desenvolvidos são os defensores mais ardentes da justiça, ainda que seja em face da morte.

Levam a bom-termo todos os assuntos, ainda que a custa de muito esforço e sacrifício.

Apesar de desprezarem a fraqueza neles mesmos e não gostarem de vê-la nos outros, geralmente são generosos e compassivos, desdobrando-se para ajudar aos demais.

Eles esperam, entretanto, que uma vez que a pessoa tenha sido ajudada, seja capaz de manter-se por si mesma.

Nem sempre são diplomáticos, visto que costumam expressar suas ideias e sentimentos com franqueza que, às vezes, pode ferir.

Às vezes, preferem ficar em silêncio do que submeter os outros a suas verdadeiras emoções e opiniões.

São intensamente voltados a investigação da natureza das coisas e descobrir as causas que se ocultam por trás do mundo manifesto.

Consequentemente, muitos deles se envolvem em trabalhos ligados a investigações, pesquisas e investigações ocultas.

Tendem a ser muito discretos sobre os resultados de suas pesquisas.

Quando em luta, não cedem muito facilmente e nem esperam que seus adversários cedam.

Costumam possuir olhos profundos e penetrantes, além de uma aura de misticismo pessoal e magnetismo.

A intuição dos escorpianos costuma ser bem desenvolvida, dando-lhes habilidade para penetrar os pensamentos dos outros e extrair informações secretas deles.

Quando espiritualmente desenvolvidos obtêm imenso poder de sua capacidade de lidar com as forças fundamentais, criativas e regenerativas da natureza.

Suas realizações podem, algumas vezes, parecer miraculosas.

Não são inclinados a temer a morte, pois têm um entendimento místico da natureza cíclica das manifestações.


Texto retirado do livro Escorpião, de Loreley Somma e Marco Natali, Coleção Astral, Ediouro/Editora Tecnoprint S.A., São Paulo, 1986.

Um Esclarecimento

Por que a Astrologia, sendo tão antiga, é tão atual e de tanta utilidade hoje?

A Astrologia, a linguagem dos astros, estuda o Zodíaco e seu conjunto de símbolos há mais de 6.000 anos. Documentos históricos atestam que esse conhecimento milenar acompanhou boa parte das civilizações que povoaram a Terra desde a aurora dos tempos. Há uma série de estudos e livros especializados que trazem, em detalhes, todos esses referenciais.

Sabe-se que sumerianos, caldeus, assírios, judeus, egípcios, os povos do Extremo Oriente, incas, astecas, gregos e romanos já conheciam e interpretavam essa linguagem, a mais antiga de que se tem notícia.

A Astrologia não tem a pretensão de oferecer todas as respostas, nem tenta explicar todos os eventos, mas orgulha-se de reunir um dos maiores acervos de conhecimento de que o homem dispõe para melhorar sua qualidade de vida.

Ela não nega o livre-arbítrio, nem prega o determinismo. O homem é livre para fazer suas escolhas dentro do mundo condicionado em que vive. Sempre pode escolher em qual polaridade prefere viver tentar ou pelo menos procurar decifrar qual a mensagem contida nos fatos da vida.

Entre os vários ramos do conhecimento, a Astrologia conseguiu uma façanha única: mantém-se viva, atuante, e há séculos vem prestando serviços à humanidade. Os ensinamentos astrológicos atravessaram todas as fases históricas com sucesso, porque constituem um verdadeiro "manual de instruções" para uma vida melhor.

Mesmo com toda essa bagagem e tradição, ainda hoje ouve-se a ingênua pergunta: você acredita em Astrologia? A resposta certa é não. A Astrologia não é uma crença nem uma religião, muito menos um dogma, por isso não cabe o verbo "acreditar", e sim o verbo "conhecer". Aqueles que tiveram acesso a ela e puderam verificar a eficácia de seus recursos são unânimes em afirmar: a Astrologia funciona.


UMA RESPOSTA A UMA ETERNA PERGUNTA


Toda vez que um astrólogo encontra um leigo, ouve a solene pergunta: "A Astrologia é uma ciência?"

A resposta conveniente é sim. A Astrologia está alinhada entre as ciências humanas porque é um saber que se encaixa em todos os requisitos do que se considera ciência. Vejamos a definição do Dicionário Aurélio:


"Ciência [Do lat. scientia.] Saber que se adquire pela leitura e meditação; instrução, erudição, sabedoria. Conjunto de conhecimentos socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente acumulados, dotados de universalidade e objetividade, que permitem sua transmissão, e estruturados com métodos, teorias e linguagens próprias, que visam compreender e possam orientar a natureza e as atividades humanas."


A Astrologia não pretende ser uma ciência exata, nem se fundamenta em um processo puramente matemático. É um conhecimento acumulado no decorrer dos séculos. Dotada de universalidade e objetividade, é estruturada em métodos, teorias e linguagem própria, e seu objetivo é melhor compreender e, possivelmente, orientar a natureza e as atividades humanas.

A Astrologia é, sobretudo, a arte de "cienciar", ou seja, dar ciência ao homem sobre o seu processo evolutivo durante sua passagem na Terra.

Complementando essa ideia, o astrólogo Antônio Carlos Harres acrescenta:


"As mais modernas concepções da ciência afirmaram que, nos domínios do microuniverso, não há como separar observador e observado, sujeito e objeto. Muito antes dessa descoberta da física quântica, mas de forma análoga, os 'scientes' da antiguidade (os praticantes da ciência, os que conheciam, os que estavam a par, modernamente, os que estão 'por dentro') criaram sistemas simbólicos que expressam sua constatação da indissolúvel união do Homem com a Natureza, do ser com a totalidade, do indivíduo com a sociedade e da humanidade com a Astrologia.

Astrologia é ciência porque analisa, estuda e constrói uma corpo de conhecimento que se revela sempre o mesmo em sua essência e é regido por constantes e leis próprias.

E é 'com-ciência' porque, embora separando, não deixa de incluir; dividindo, não perde de vista o conjunto; analisando, não abandona a síntese, evitando que o estudante atento seja lançado ao ceticismo e à esterilidade psicológica e espiritual a que se condena todo adepto do cientificismo, que se crê capaz de existir ou perceber à revelia do Cosmos."


CONCLUSÃO


Evoluir é o destino do homem, mesmo que ele tenha consciência disso. Nascemos "programados" para uma gradual evolução, não importa quais sejam nossos objetivos pessoais. Mas, se utilizarmos o conhecimento de nossos recursos mentais, já teremos meio caminho andado. E, mais uma vez, a Astrologia participa com outra importante função - fornecer aos homens "ferramentas" que propiciem sua escalada nesse rumo vertical.

A vida não teria nenhum sentido, nenhuma razão lógica para acontecer, se não fosse por esse propósito evolutivo. 

Por último, lembramos que, embora a Astrologia esteja disponível para todos, nem todos têm afinidade com esse tipo de saber. Para o grupo de simpatizantes, fizemos uma transposição e uma adaptação das palavras finais de C. G. Jung, no Prefácio do I Ching - O Livro das Mutações:


"A Astrologia não oferece fatos nem poder, porém, para os amantes do autoconhecimento e da sabedoria - se estes existem -, parece ser o conhecimento indicado. Para alguns, seu espírito parecerá claro como o dia; para outros, sombrio como o crepúsculo; e para outros, ainda obscuro como a noite. Aquele que não o aprecia não precisa usá-la, e aquele que é contra não é obrigado a considerá-la verdadeira. Que a deixem seguir para o mundo em benefício daqueles que sejam capazes de discernir seu significado."


Texto retirado de O Livro dos Signos, de Maria Eugênia de Castro, Luiz Augusto P.A. Figueira e Paula Dornelles Bevilaqua, Saberes Editora, 15ª Edição, São Paulo, 2011.

15 novembro 2025

Os Astros governam nossa vida

As mais recentes pesquisas do telescópio Hubble mostram que existem no Universo mais de 250 milhões de galáxias com bilhões de sóis iguais ao nosso, o que revela a existência de um campo progressivo de força e energia, gerador de campos gravitacionais que interferem em todo o Universo. Se somos matéria, o que vale dizer, energia em determinado estado de vibração, não resta dúvida de que toda essa força existente no Universo há de interferir, de uma forma mais sutil ou mesmo em graus mais intensos, em nossa forma de ser.

Isso explica a astrologia e nos dá um caminho para entender por que seres de diferentes origens apresentam semelhanças em sua maneira de agir e de reagir, como se fossem guiados por uma mesma energia.

Quando dizemos que o nativo do signo de Escorpião age de forma determinada e rigorosa na busca de todos os seus objetivos de vida, estabelecendo metas e as buscando com fixação por vezes o torna teimoso, estamos simplesmente afirmando que as pessoas nascidas no planeta Terra, quando ele se encontra em determinado ponto do espaço, recebem o mesmo feixe de influências geradas por esses milhões de galáxias que agem em conjunto na formação da energia que move o universo.

E isso se aplica a todos os signos, de forma quase exata, levando-nos à certeza de que os movimentos do Planeta Terra em torno de si mesmo, circundando o Sol e se inserindo na evolução do sistema solar dentro da nossa galáxia, que também está em movimento, influenciam sistemas, planetas, continentes, mares, terra e gente... Não há como negá-lo.

Essa energia transmudada em matéria que forma nosso corpo é passível de influências externas, e nesse aspecto entram os conceitos de astrologia como forma de detecção de temperamento, personalidade e comportamento.

Analisando os signos, chega-se facilmente à conclusão da similitude de elementos entre os nativos de um mesmo período, como se todos os que nascem quando os movimentos de translação, rotação e da caminhada da Terra em direção a outro ponto da Via-Láctea absorvessem os mesmos dons e a mesma capacidade e debilidade.

Por isso, quando se recomenda, por exemplo, a um nativo de um signo um pouco mais de abertura em seus contatos humanos, toca-se em característica comum daquele signo que tem nas suas características a introversão; ou seja, a introversão faz parte de um tipo específico de influência para os que nascem em um dado período - quando um planeta passa por determinada constelação. E isso se repete signo a signo, de uma forma impressionante.

Se há energia ou força cósmica gerando os mesmos elementos de influência, conhecê-los, dirigi-los e controlá-los é mudar nossa própria vida, buscando os pontos ideais que todos pretendemos em nossa existência com o emprego dessa mesma força e energia. E isso é possível...

O autoconhecimento é a ciência de nossos pontos mais fortes e das características mais frágeis de nosso temperamento e de nossa personalidade. Uma ciência que nos faz pessoas mais capazes por lidarmos com coisas que sabemos passíveis de mudança ou atenuação.

Isso vale tudo para a criatividade arietina, a segurança taurina, a indecisão geminiana, o isolacionismo canceriano, o exibicionismo leonino, o detalhismo virginiano, o equilíbrio libriano, o passionalismo escorpiano, o senso crítico sagitariano, as exigências capricornianas, os avanços aquarianos e o misticismo pisciano. Para todos os nativos de um determinado signo, os elementos são os mesmos e se repetem.

Cabe-nos dirigir nossas energias, conhecendo bastante nossos pontos fortes e fracos para saber o que fazer quando eles se manifestam. Isso nos torna pessoas mais perfeitas, embora não se pretenda, por impossível, remover-se traços de temperamento e caráter.

A astrologia é uma das mais perfeitas dessas ferramentas e podemos usá-la em todos os instantes em nosso cotidiano de trabalho, nos relacionamentos, nos projetos, em família, no amor e em tudo o que fazemos.

Não se usa a astrologia como forma mundana de adivinhação barata. Sem ser ciência, o estudo das influências dos astros sobre nosso temperamento é uma proposta de estudo em um campo que o ser humano ainda não conhece inteiramente. Um estudo válido e que pode nos tornar bem melhores do que somos.


Texto de Max Klim retirado do livro Escorpião, coleção Você e Seu Signo, Editora Nova Era, Rio de Janeiro, 2001.

Altar Íntimo (93)

 "Temos um altar." - Paulo. (HEBREUS, 13:10.)

Até agora, construímos altares em toda parte, reverenciando o Mestre e Senhor.

De ouro, de mármore, de madeira, de barro, recamados de perfumes, preciosidades e flores, erguemos santuários e convocamos o concurso da arte para os retoques de iluminação artificial e beleza exterior.

Materializado o monumento da fé, ajoelhamo-nos em atitude de prece e procuramos a inspiração divina.

Realmente, toda movimentação nesse sentido é respeitável, ainda mesmo quando cometemos o erro comum de esquecer os famintos da estrada, em favor das suntuosidades do culto, porque o amor e a gratidão ao Poder Celeste, mesmo quando mal conduzidos, merecem veneração.

Todavia, é imprescindível crescer para a vida maior.

O próprio Mestre nos advertiu, junto à Samaritana, que tempos viriam em que o Pai seria adorado em espírito e verdade.

E Paulo acrescenta que temos um altar.

A finalidade máxima dos templos de pedra é a de despertar-nos a consciência.

O cristão acordado, porém, caminha oficiando como sacerdote de si mesmo, glorificando o amor perante o ódio, a paz diante da discórdia, a serenidade à frente da perturbação, o bem à vista do mal...

Não olvidemos, pois, o altar íntimo que nos cabe consagrar ao Divino Poder e à Celeste Bondade.

Comparecer, ante os altares de pedra, de alma cerrada à luz e à inspiração do Mestre, é o mesmo que lançar um cofre impermeável de trevas à plena claridade solar. Se as ondas luminosas continuam sendo ondas luminosas, as sombras não se alteram igualmente. 

Apresentemos, portanto, ao Senhor as nossas oferendas e sacrifícios em quotas abençoadas de amor ao próximo, adorando-o, através do altar do coração, e prossigamos no trabalho que nos cabe realizar.


Texto retirado do livro Fonte VivaFrancisco Cândido Xavier pelo Espírito Emmanuel, FEB, Brasília, 1987.

14 novembro 2025

Nota do Autor (A Linguagem dos Sentimentos)

Nossos sentimentos são nosso sexto sentido, o sentido que interpreta, organiza, dirige e resume os outros cinco. Os sentimentos nos dizem se o que estamos experimentando é ameaçador, doloroso, lamentável, triste ou alegre. Os sentimentos podem ser descritos e explicados de maneiras simples e diretas. Não há nada de místico ou mágico sobre eles. Os sentimentos formam uma linguagem bem própria. Quando os sentimentos falam, somos compelidos a ouvir - e às vezes a agir - mesmo que nem sempre compreendamos o porquê. Não estar cônscio dos sentimentos de alguém, não compreendê-los ou não saber como usá-los ou expressá-los é pior do que ser cego, surdo ou paralítico. Não sentir é não viver. Mais do que qualquer outra coisa, os sentimentos nos tornam humanos. Os sentimentos nos tornam todos parentes uns dos outros.

Os sentimentos são nossa reação ao que percebemos e, por sua vez, eles colorem e definem nossa percepção do mundo. Na verdade, os sentimentos são o mundo em que vivemos. Pelo fato de tanto do que sabemos depender de nossos sentimentos, ficando à mercê das ondas, em sentimentos confusos ou indistintamente percebidos, somos esmagados por um mundo confuso.

Ao escrever este livro, meu objetivo foi o de explicar a natureza dos sentimentos - o que eles significam, como funcionam, de onde procedem, e como compreendê-los e usá-los. A interpretação que aqui ofereço deriva tanto de meu treinamento e experiência na prática, assim como deriva de minha familiaridade comigo mesmo, de minha autocompreensão, a qual malgrado incompleta, está ainda promissoramente se desenvolvendo. Desenvolvendo minha perspectiva, mais tomei consciência de minhas próprias limitações, e tentei tomar o cuidado de fazer com que elas não se intrometessem. Não pretendo ter todas as respostas. Não obstante, adquiri um certo conhecimento dos sentimentos ao longo dos anos, e tentarei registrar estes vislumbres de uma maneira tão direta e simples quanto possível.

A linguagem dos sentimentos é a maneira pela qual nos relacionamos conosco mesmos, e se não podemos nos comunicar conosco mesmos, simplesmente não podemos nos comunicar com os outros. Como afirmei, percebemos o mundo através de nossos cinco sentidos. As impressões sensoriais desta maneira a nós retransmitidas precisam ser novamente integradas por cada um de nós. A maneira pela qual cada um de nós percebe - com qualquer um dos sentidos - varia mas não varia tanto quanto a maneira pela qual o mundo faz sentido. Este processo de integrar o mundo ao nosso próprio estilo é um processo mental básico. É também o processo criativo.

Nossos sentimentos são nossa reação ao que percebemos através dos sentidos e podem modelar nossa reação ao que experimentaremos no futuro. A pessoa que carrega consigo muita raiva não apaziguada, por exemplo, provavelmente achará o mundo que encontra também raivoso e, assim, justifica e perpetua seu próprio sentimento de raiva.

Acredito que isto sugere que em grande parte o mundo é criação da gente mesmo. Na verdade, o mundo está consideravelmente mais sob nossa influência do que a maioria de nós se dá conta. Quando a pessoa assume a responsabilidade por seus sentimentos, assume também responsabilidade por seu mundo. Compreender os sentimentos é a chave para o domínio de nós mesmos, para achar a verdadeira independência, que é atingir o único poder real digno de se ter. Se bem que esta ideia implica em que cada um de nós é responsável por si mesmo, ela também significa que muito existe que cada um de nós pode fazer para endireitar as peças desconjuntadas de sua vida para harmonizá-las. Verdadeiramente, desconfio que, se cada pessoa aceitasse a responsabilidade de pôr em ordem seu próprio mundo emocional, o mundo como um todo poderia também tornar-se mais real, mais harmonioso e, quiçá, mais pacífico.

Espero que este livro ajude a desfazer alguns dos mistérios dos sentimentos, que torne mais possível às pessoas reconhecerem e compreenderem o que sentem, que mostre onde provêm seus sentimentos e para onde eles estão indo, de forma que eles, os sentimentos, possam ser aliados nossos - em vez de serem inimigos nossos - no caminho de nosso natural progresso. Não proponho nenhuma maneira fulminante ou que esteja "na onda" para conseguir isto. O método básico é a compreensão, e espero que através dela todo leitor tenha uma nova consciência de si próprio.

Provavelmente, muito existe nestas páginas em que praticamente todo mundo já pensou ou, no mínimo, já sentiu antes. Este livro tenta dar uma certa ordem a isto e, por conseguinte, tenta ser mais útil - para mostrar uma linguagem dos sentimentos e, por isso, articular uma sintaxe das emoções.

À medida que a pessoa se abre mais em relação a seus sentimentos, menos necessidade existe de se guardar das coisas ameaçadoras do mundo, porque, em vez de se ocultar dos sentimentos, a pessoa aberta usa-os como um guia que interpreta o mundo que ela está experienciando. As pessoas que se apóiam tão somente em seu intelecto para descobrirem seu caminho pelo mundo, não têm a probabilidade de estarem em harmonia como as pessoas que também usam seus sentimentos. As realizações mais elevadas do homem não estão na precisão de sua ciência, mas na perfeição de sua arte. A arte humana é o louvor de seus sentimentos em seu ponto mais coerente.

A realidade não pode ser compreendida sem levarmos em conta os sentimentos. As abstrações do intelecto e do raciocínio são importantes, mas quando perdem contato com os sentimentos, abrem passagem para atos inumanos e destrutivos. Quando perdemos contato com nossos sentimentos, perdemos contato com nossas qualidades mais humanas. Vivendo em nossos sentimentos, estamos mais em contato, mais vivo. Parafraseando Descartes, nada mais verdadeiro do que "Sinto, logo sou".

Espero neste livro construir uma estrutura contra a qual o leitor possa examinar seus próprios sentimentos e sua vida. Assim fazendo, espero também oferecer um guia que permita aos sentimentos acharem sua expressão mais natural de um modo tanto quanto possível aceitável, e que no processo esses mesmos sentimentos tenham a melhor probabilidade de resolver os conflitos e de encorajar o crescimento. Podemos administrar nossos sentimentos de modo defensivo ou criador, aquele voltando-se para dentro de si mesmo, este num expressivo fluxo para fora do indivíduo.

Acredito que tudo isso seja realmente uma determinação muito grande, e que, quando muito, pode ser apenas incompletamente atingida. Espero que o leitor pegue as ideias e os métodos aqui sugeridos e os use como os vê para resolver os enigmas, para reunir os detalhes de sua própria experiência e, a partir daí, criar sua própria vida melhor, por si mesmo e para si mesmo.


Retirado do livro A Linguagem dos Sentimentos, de David Viscott, Summus Editorial, 16ª Edição, São Paulo, 1982.

Introdução (do livro Preconceito contra homossexualidades)

A sexualidade humana é uma dimensão da experiência social permeada por inumeráveis questões. Através dela, todo um universo de desejos, crenças e valores são articulados, definindo um amplo espectro do que entendemos como sendo a nossa identidade. Todavia, como veremos, esse jogo não se faz à margem da história; muito pelo contrário, ele se fabrica no intercâmbio de significados e contextos que ocorre entre o "eu" e o "outro", o "eu" e o "nós" e o "eles", enfim, acontece na troca reinterpretativa de significados e interações sociais e institucionais que criam posições sociais e, consequentemente, posições identitárias e políticas.

As sexualidades sempre participaram da estruturação das hierarquias sociais, fazendo parte do debate político. Vários historiadores e tratados bibliográficos que retomam os tempos históricos evidenciam a intensidade e os caminhos pelos quais as formas de sexualidade são e foram objeto de disputa, de controle social e individual, de emancipação ou violência contra a pessoa humana. O desafio deste livro é compreender como estas formas de significação da sexualidade se entrelaçam em um emaranhado visível e invisível no cotidiano de todos nós.

Uma vez que compreendemos que este debate é, por princípio, provisório e inacabado, apresentamos este livro que pretende introduzir o leitor em um conjunto de literaturas, pesquisas e debates que não só abarcam os temas relativos à sexualidade e à orientação sexual, mas também colaboram na construção de uma sociedade mais justa, dando visibilidade às formas de enfrentamento do preconceito sexual, participando ativamente do processo de democratização de nossa sociedade. Assim, nosso objetivo aqui não é discutir as homossexualidades como um fenômeno isolado, mas sim a relação entre homossexualidades e a inferiorização social a que muitas pessoas estão submetidas cotidianamente, do ponto de vista público e político.

Podemos afirmar então que discutir as sexualidades envolve mais temas do que podemos abordar neste espaço, motivo pelo qual faremos um desenho circunscrevendo as formas de orientação sexual em torno das homossexualidades e as questões políticas e identitárias envolvidas nessas relações privadas e públicas na sociedade contemporânea, já que é a partir da politização das sexualidades que podemos observar o preconceito e os enfrentamentos em torno da visibilidade e dos direitos homossexuais.

Este livro que ora apresentamos está articulado em seis capítulos que objetivam sustentar o argumento de que o preconceito, como um mecanismo social, colabora e produz formas subalternas de cidadanias e que o enfrentamento contra essas subalternidades exige um alargamento do campo do político.

O Capítulo 1 é a apresentação do argumento principal do livro ou o limite e a expansão do debate que ele enfoca. Introduzimos a discussão da homossexualidade no âmbito da política e, para tal, lançamos mão de dois conceitos fundamentais: o de política e o de identidade. Seu argumento principal é que a experiência homossexual tensiona os limites historicamente estabelecidos entre as experiências privada e pública nas sociedades atuais.

No Capítulo 2,para compreensão do lugar de subalternidade em que as homossexualidades estão inseridas, retomaremos os principais debates históricos sobre a diversidade sexual e alguns modelos de explicação da sexualidade humana. Serão apresentados alguns dos principais argumentos que posicionaram as homossexualidades no campo do debate público, seja científico ou moral. A partir daí, o leitor poderá seguir os nossos argumentos, os quais defendem que o preconceito é um instrumento importante na manutenção das hierarquias sociais. Em seguida, no Capítulo 3 apresentamos alguns fragmentos de importantes estudos sobre gays, lésbicas, travestis e transgêneros, que têm consubstancializado um campo de pesquisa e intervenção dos mais dinâmicos e criativos nas últimas décadas.

No Capítulo 4 explicitamos uma abordagem sobre o preconceito e a sua relação com a manutenção da subalternidade. Aqui a principal questão focada se baseia na ideia de que o preconceito, como um mecanismo psicológico e social, sustenta e é sustentáculo de formas de criminalização, classificação social e hierarquização das experiências da diversidade. No Capítulo 5 fazemos uma apresentação daquele que entendemos como um ator político fundamental no enfrentamento da inferiorização social a que homossexuais estão submetidos, além de ser, sem dúvida, um dos mais expressivos movimentos de enfrentamento do preconceito com relação à diversidade sexual: os movimentos GLBTs. Fazemos uma rápida apresentação da emergência deste ator político e das novas configurações político-culturais que, através da ação social de inúmeros grupos, organizações não-governamentais e movimentos sociais, se evidenciam atualmente como um importante agente de democratização do espaço público brasileiro. E, por fim, mas sem conclusões, indicamos uma lista de recursos para a continuidade dos estudos sobre as diversas problemáticas que envolvem atualmente as homossexualidades.

O leitor aqui não é só convidado a navegar pelas palavras e pensamentos dos autores, mas é também convocado a reescrever nossas posições, criticá-las e, portanto, dialogar conosco, pois o enfrentamento do preconceito e a democratização das hierarquias sexuais não se dão somente por consensos científicos ou aparatos legais, mas sobretudo pelo fomento de uma nova cultura política embasada na conscientização social dos indivíduos participantes de determinada comunidade política.


Texto retirado do livro Preconceito contra homossexualidades - A hierarquia da invisibilidade, de Marco Aurélio Máximo Prado e Frederico Viana Machado, Editora Cortez, Coleção Preconceitos, São Paulo, 2008.

13 novembro 2025

Tocar - O Significado Humano da Pele (Apresentação)

Este livro chegou na hora certa.

Ele é extraordinariamente importante para todos os animais superiores, o contato, o toque, a proximidade, a carícia. Verdade para o adulto, verdade verdadeiramente vital para todas as crias, filhotes e filhos.

Não pode haver saúde, nem funcionamento pleno, se os sistemas vivos não estiverem ou não mantiverem contatos frequentes.

Mas não é monótono de se ler. A cada página, a cada parágrafo, um fato curioso, surpreendente, engraçado. Ou é uma história de bicho - bem observada, ou alguma história de gente, ou uma experiência bem feita - em laboratório. Uma sucessão ininterrupta de fatos e argumentos, todos entrelaçados, envolventes, fascinantes; porque o estilo é científico, sóbrio, mas o conteúdo é tudo o que sempre soubemos - mas que quase ninguém tem a coragem de viver.

Por isso estamos tão doentes. Falta-nos proximidade, contato; não trocamos carícias nem gostamos que toquem em nós.

Quanto mais civilizados, mais asséptico, mais distante e mais frio. Só palavras. Pouca mímica. Nenhum contato. Por isso foi tão fácil inventar robôs.

Estamos cercados o tempo todo daquilo que mais desejamos e ninguém ousa se apropriar - tocar, abraçar, acariciar - olhos nos olhos...

É bem capaz que, por isso, estejamos nos perdendo, caminhando a passos largos em tantas direções destrutivas. Por isso, não nos juntamos em ação comum em defesa da vida de todos nós, tão ameaçada por tantos perigos, todos se desenvolvendo em velocidade uniformemente acelerada...

Mas, deveras, cabe o "por que" dramático. Por que nos afastamos tanto assim uns dos outros? Que função ou que disfunção é essa? De que doença sofremos? Quanto mais "educados" mais distantes e separados - mais "leprosos"...

Estranha maldição porque, junto com a vida, perdemos horas infindas de prazer e felicidade. Tudo tão aí. Tudo tão impossível.

Estranha maldição. Inclusive seus maiores defensores - do contato e da carícia - não fizemos nada do que pregaram, muito pelo contrário. Falo de Reich e das muitas bioenergéticas que dele nasceram. A maior parte delas parece cena de tortura, não de prazer. De solidão e não de contato.

Por que contradição? Porque a proposição mais importante de Reich enquanto clínico e terapeuta do homem ocidental foi essa: "a pior - a mais insuportável - de todas as angústias é a angústia de prazer".

Então, pergunto: Por que não proporcionar prazer às pessoas permanecendo atento a todos os modos que a pessoa lançará mão a fim de não não sentir o que está sentindo?

Não pode. Só fazer sofrer - aí pode - todos aceitam e aprovam. Fazer feliz é perigoso demais.

Por que os terapeutas fazem assim? Porque eles tampouco sabem manter contato ou sentir prazer. Terapeuta não deve sentir prazer. Quem poderia pensar uma coisa tão... imoral! Primeiro o paciente fica viciado, depois, como é que além de viver feliz o terapeuta ainda cobra!

Logo: o contato é impossível em nosso mundo.

Começa no começo. O autor reitera: Maternidade foi feita para obstetra: nem para a mãe e muito menos para a criança. As Maternidades são um crime contra a natureza e a consequência de seus procedimentos que ainda ousam acreditar científicos ainda serão bem avaliadas um dia e ver-se-à, então, que o Circo Romano era menos cruel.

Porque, nas dulcíssimas palavras da santo cientista, "humanizar-se é viver aprendendo e sendo cada vez mais gentilmente amoroso".

Este livro chegou na hora. Em poucos anos  tirou edições novas, cada qual mais recheada de fatos e experiências.

Que seja muito lido.

Que comece a acontecer!


Texto de José Ângelo Gaiarsa para a Apresentação da Edição Brasileira do livro Tocar - O Significado Humano da Pele, de Ashley Montagu, tradução de Maria Sílvia Mourão Netto, Summus Editorial, 4ª Edição, São Paulo, 1986.