21 novembro 2025

Sonho de menino analfabeto

 O chão foi meu quadro-negro;

gravetos, o meu giz. (Paulo Freire)


Quero aprender a ler e a escrever logo.

Quero sentar no chão do meu quintal e, com prego ou graveto, escrever um montão de palavras bem bonitas. No chão, já desenho melhor do que no caderno.

Quero escrever um dia nomes de gente muito amada; de minha mãe; de meu pai, dos meus irmãos, de meu avô, de minha avó, dos meus tios e primos.

Quero escrever nomes de países sonhados, de brinquedos perdidos ou quebrados. Nomes de todos os bichos e coisas que já tive e perdi por aí.

Quero escrever como quem sonha e pode dar nome a tudo. Só que nomes escritos, pois já não me interessam os falados.

Vou me lembrar dos amigos todos, dos parentes todos, até daqueles que já sumiram deste mundo e moram agora no céu.

Desenhar um coração, eu já sei. Fazer uma flecha cortando o coração, também já sei. Agora faltam duas coisas: arrumar minha primeira namorada e aprender a escrever, no coração dividido, os nomes meu e dela.

Quando eu souber escrever, vai ser tudo diferente... Posso escrever todos os meus sonhos, todas as minhas alegrias e também as minhas tristezas. Sonho escrito deve durar mais. Tristeza escrita deve se apagar dentro da gente e ficar inteirinha no papel.

Daqui a um ano, vou deixar só de rabiscar bolinhas e montanhas. Vou deixar de colorir coisas chatas, que já vêm desenhadas pra gente. Vou aprender a escrever e a desenhar tudo o que vejo no mundo: gente, flor, bicho, casa e coisas.

Acho que quem escreve pode ser meio dono deste mundo...


Conto de Elias José retirado do livro O Furta-Sonos e Outras Histórias, Coleção Era Uma Vez, Atual Editora, 4ª Edição, São Paulo, 1991.

O Dono da Bola

A coisa mais joia, mais maravilha das maravilhas, a maior sensação é ser dono da bola de futebol. Uma bola de capotão, durinha, feita de couro, com partes brancas e outras negras. Uma bola de verdade, não essas feitas de meia velha, que grudam no chão. Bola bonita e firme pra gente chutar e chutar, até fazer gol.

E a molecada da rua, vendo a bola, fica sempre com muita inveja. E agrada que agrada a gente.

Quem tem uma bola assim de verdade vira rei. Vira príncipe. Vira tudo o que quiser. Basta falar "quero", e todo mundo obedece, com medo de não entrar no futebol.

Quero uma bola lindona, de couro puro, durinha, branca e preta.

Já ando cheio de chutar bola de meia velha. De chutar tudo o que vejo e que tem forma arredondada ou oval. De chutar lima, limão, laranja, manga, mamão e até bolinhas de papel.

Quero uma bola de verdade, bem minha. Não quero mais saber de bola de couro que só more nos meus sonhos.

Quando tiver minha bola, ninguém vai poder comigo. Vou ser o moleque mais feliz e mais respeitado e mais amado de minha rua. Quem tem uma bola de couro, uma bola durinha, de verdade, branca e preta, não precisa de mais nada...


Conto de Elias José retirado do livro O Furta-Sonos e Outras Histórias, Coleção Era Uma Vez, Atual Editora, 4ª Edição, São Paulo, 1991.

20 novembro 2025

Fazendo cabeças para quem vai nascer

Com as próprias mãos, Oxalá amassou o barro e com ele modelou os bonecos aos quais deu a vida com o sopro de Olorum, transformando-os em seres humanos. Mas isso também não foi nada fácil. O Criador fracassou várias vezes antes de chegar à matéria-prima mais adequada para a modelagem dos humanos.

Primeiro os fez de ar, mas eles se desvaneciam, sem consistência. Com água também não funcionou: as criaturas lhe escorriam por entre os dedos, caíam num jorro e se infiltravam no solo.

Oxalá achou que tinha que dar mais solidez ao ser humano e tentou fazê-lo de pau. Agora sim, os novos seres se mantinham firmes e não lhe escapavam das mãos. Só que ficaram duros demais, quase nem podiam se mexer.

E assim Oxalá foi experimentando tudo quanto era material que lhe parecia apropriado. De ferro, os modelos do ser humano ficaram pesados demais. De massa de inhame ficaram leves, mas muito moles.

Adetutu ficou tentada a sugerir a Oxalá que pedisse ajuda a Exu, mas decidiu não se meter na Criação. Exu insistia em seu ouvido:

"Diga a ele para me pedir ajuda, diga."

Ela preferiu ficar quieta. Mas Oxalá, talvez ciente da conversa de Exu com Adetutu, chamou o imrão e lhe deu de presente um galo preto bem gordo para reforçar a oferenda anterior.

Passoi-se algum tempo e nada aconteceu. Frustrado e com medo do fracasso, Oxalá se sentou às margens de um lago para descansar e refletir.

Nanã, que habitava o fundo daquelas águas, veio em socorro de Oxalá. Quando Nanã saiu do lago, a visão de seu corpo feito de lama iluminou a mente de Oxalá.

"Você, que é a mais antiga de nós, se move tão bem com seu corpo de lama. E como é bela!", ele disse. "De lama poderia ser também o corpo dos humanos."

Adetutu imaginou seu corpo feito de lama e avaliou que não ficara nada mau.

Nanã disse:

"Pode usar a lama e fazer quantos humanos quiser. Mas se um dia não tiver mais um bom uso para suas criaturas e decidir se desfazer delas, terá que me devolver a matéria-prima."

"Feito", concordou Oxalá, satisfeito com o trato, achando que nunca teria de devolver nada a Nanã.

Então, com uma porção de barro do fundo do lago, Oxalá modelou sua criatura e lhe deu vida. Fez corpo, cabeça e membros. Recheou com o coração, os pulmões, as tripas e os demais componentes que preenchem a barriga. Fez dois modelos iguais. Num, pôs pênis e testículos; no outro, ovário útero e vagina, e seios cheios de leite. Para que a criatura dotada de pênis penetrasse a criatura dotada de vagina, e suas sementes se misturassem e produzissem outras criaturas, sem mais trabalho para Oxalá, que poderia descansar.

Caprichou o quanto pôde. Só esqueceu de pôr alguma coisa dentro da cabeça.

Dotados de vida, os seres, que foram chamados homem e mulher, não pensavam, não agiam, nem mesmo se interessavam um pelo outro. Bela reprodução!, pensou Oxalá, desolado.

Foi consultar o adivinho Ifá para saber onde errara.

Seguia acompanhado de Adetutu, que segurava sua mão e procurava encorajá-lo.

O resultado da consulta ao oráculo foi bastante promissor. Disse Ifá:

"Está tudo certo, meu irmão. Você apenas esqueceu de dar a cada ser humano um destino, as vontades e o raciocínio próprio. Basta completar sua obra, e ela funcionará."

"Ah, bom!", reagiu Oxalá, aliviado.

Oxalá pagou a Ifá duas porções de azeite e dezesseis fileiras de búzios pela adivinhação, despediu-se e, depois de deixar na encruzilhada mais um agradinho para Exu, foi à casa de outro irmão, o oleiro Ajalá.

Combinaram que a partir de então, para cada homem ou mulher, Ajalá forneceria o recheio do crânio, que conteria o destino e a personalidade de cada um.

Assim foi feito.

Bastou que as criaturas recebessem o que está dentro da cabeça para saírem pelo mundo como seres humanos prontos para a vida.

De seu palácio. Olorum sorriu para Oxalá, agradecido, e se retirou para seus aposentos.

Oxalá estava cansado, muito cansado, mas a obra, enfim, estava feita.

Antes de voltar para casa, deu a Adetutu um caracol, que ela guardou na sua sacolinha de segredos.

E desde então os homens se multiplicaram e tomaram conta da Terra. Hoje são seus senhores. E Oxalá pôde descansar.

A labuta do oleiro Ajalá, entretanto, prossegue até os dias de hoje: antes de nascer, cada ser humano deve passar na olaria de Ajalá e escolher uma cabeça para si. O trabalho de Ajalá não cessa, sempre é preciso fazer novas cabeças. Nunca para de nascer gente.

Ajalá faz as cabeças de barro e depois as cozinha no forno. Nem sempre a tarefa é bem-sucedida. Ajalá às vezes bebe demais e erra o ponto, de modo que algumas cabeças saem meio cruas, outras cozidas demais, quando não tortas, ocas, malformadas. Na pressa de nascer, os seres humanos pegam qualquer cabeça. Pobre de quem nasce com uma cabeça daquelas...

Adetutu, ao se lembrar desse pormenor, chacoalhou bem sua cabeça, querendo se certificar de que era boa. "Louca eu não sou", ela concluiu, satisfeita.

Teve pena de Ajalá. Tanta trabalheira, e quase ninguém se lembrava dele, poucos lhe faziam festa. Adetutu tinha aprendido que Iemanjá cuidava das cabeças. Alguém lhe dissera: "Ajalá faz, Iemanjá conserta". Então ela se lembrou da história.

Houve um tempo em que Iemanjá foi casada com Oxalá. Ela tinha uma missão muito bem definida: tomar conta de Oxalá e de sua casa. Devia cuidar para que nada lhe faltasse, dando-lhe o carinho e as honras merecidos por aquele que havia criado a humanidade. Afinal, eram os homens que alimentavam os deuses, e seu Criador merecia um lugar muito importante entre os orixás.

Iemanjá achava que a missão não lhe dava o prestígio merecido. Cuidar de Oxalá era um encargo honroso, mas para ela isso era pouco, queria uma tarefa grandiosa, em que pudesse usar de poderes que os demais invejassem. Oxalá era o pai de todos os seres humanos, não era? Então, sendo casada com ele, ela era a mãe. Queria honra maior? Ela queria. Queria ser chamada de mãe, sim, mas que fosse por seu próprio mérito, e não por ser casada com o Criador.

Enquanto cozinhava para Oxalá, preparava seu banho, alvejava suas túnicas brancas, Iemanjá falava sem parar. Queria tanto fazer alguma coisa de grande, ter uma missão que a tornasse indispensável, estar verdadeiramente à altura de Oxalá, o Grande Orixá.

Tanto falou no ouvido de Oxalá, tanto reclamou, que ele enlouqueceu.

E agora? Iemanjá se assustou. O que diriam os outros? Em vez de cuidar de Oxalá, ela o fizera adoecer. Certamente seria castigada, nunca teria os poderes que almejava. 

Iemanjá tratou de curar a cabeça de Oxalá. Com a ajuda de Exu a Ossaim, que sabia tudo sobre o poder curativo das plantas, Iemanjá preparou banhos e unguentos para a cabeça de Oxalá, fez oferendas, cuidou para que ele repousasse num ambiente todo branco, limpo e silencioso, rezou. Em pouco tempo Oxalá ficou bom da loucura, sarou.

Olorum gostou de resultado e ordenou que, a partir de então, Iemanjá cuidasse da cabeça de todos os homens e mulheres. Demonstrara ter talento para isso. Muitos tinham a cabeça malformada e precisavam de ajuda.

Agora sim. Os humanos sabiam que Iemanjá tinha força para ajudar os loucos, os deprimidos, os de mente fraca. E como de louco todo mundo tem um pouco, não houve quem deixasse de adorar Iemanjá. Presentes e festas nunca lhe faltaram. Os humanos dançavam para ela e a chamavam de Mãe das Cabeças, Mãe da Humanidade.

Adetutu agradeceu a Iemanjá por manter sua cabeça em bom estado. Apesar de todo o sofrimento a que estava submetida desde que os caçadores de escravos a tinham raptado, apesar de toda a incerteza que povoava os seus dias, Adetutu se mantinha lúcida e esperançosa. Iemanjá ficou feliz por ter sido lembrada, e deu um peixinho de prata a Adetutu, que o guardou na sacolinha. Pensou como eram tantas as histórias de Iemanjá. E continuou a sonhar com a Criação.


Conto de Reginaldo Prandi retirado do livro A Criação do Mundo - Contos e Lendas Afro-brasileiros, Editora Cia. das Letras / Editora Schwarcz, São Paulo, 2009.

Tem início a maior criação da criação

Ao acordar, Oxalá não podia acreditar no que seus olhos viam. Estava tudo mudado. O mundo agora existia!

Onde antes não havia nada, viam-se campos, rios, mares. Plantas de todas as formas e tamanhos forravam o chão da Terra, peixes enchiam os mares de formas e movimentos, bandos de pássaros animavam os ares em revoadas coloridas e sonoras. A luz estava em todos os lugares. O Sol, no firmamento, iluminava o dia. E depois do dia vinha a noite, e com ela o escuro, quebrado pelo clarão da Lua e pelo cintilar das estrelas. Oxalá se comoveu com tanta beleza e se aqueceu no calor do universo recém-nascido.

De repente se deu conta: quem era o responsável por aquilo tudo, se ele dormira nas últimas horas? Procurou o saco da Criação e não o achou. Mais que depressa, Oxalá tratou de voltar à casa de Olorum. No caminho, ao passar pela encruzilhada, deu de cara com Exu terminando sua refeição, lambendo os beiços de prazer. Zombeteiro, Exu disse:

"Os inhames que ganhei de Odudua estavam soberbos. E você, meu caro irmão mais velho, apreciou o vinho-de-palma?"

Oxalá não precisou ouvir mais nada: fora passado para trás. Enganado por seu próprio orgulho e presunção.

Adetutu sentiu pena de Oxalá e resolveu lhe fazer companhia no caminho para o palácio de Olorum. Mas não lhe deu atenção, estava deprimido demais. Ou será que ele não percebia que ela estava ali, será que ela ainda não existia? Pensou a menina.

Na casa de Olorum, Oxalá foi duramente repreendido.

"Nunca mais beberá vinho-de-palma nem comerá nada que se extraia da palmeira de dendê", determinou o Ser Supremo, como castigo. "Nem você, nem nenhum de seus descendentes."

Oxalá estava arrasado, evidentemente, e não ousava olhar o Pai nos olhos. O Ser Supremo então disse:

"Ainda falta o mais importante no mundo. Eu pus na sua cabeça a semente de uma ideia que não pus no saco da Criação. Apesar de tudo, você é meu primogênito e há de ser lembrado como Oxalá, o Grande Orixá."

Oxalá sentiu que alguma coisa se mexia em sua cabeça. Então o Pai lhe disse:

"Vá e crie."

Oxalá partiu com destino ao mundo.

Olorum mandou chamar Exu e ordenou:

"Acompanhe seu irmão mais velho. Espero que desta vez ele não beba. E você, nada de trapaças."

Oxalá tratou de passar bem longe do dendezeiro. Compenetrado, sempre lembrando que dessa vez devia tentar ser humilde, Oxalá depositara na primeira encruzilhada, como presente para Exu, um cabrito, quatro galos, cebolas, azeite de dendê, sal, pimenta e noz-de-cola e outra de água fresca. Um verdadeiro banquete dos deuses, que Exu adorou.

Adetutu sentia que suas pernas e braços, seus pés e mãos, todas as partes de seu corpo, enfim, eram apertadas por várias mãos vigorosas, como se alguém a estivesse modelando, ajustando aqui, dando forma ali. Depois sentiu no rosto o calor de um sopro e ouviu palavras de ordem que a chamavam para a vida.

Oxalá estava criando o ser humano.


Conto de Reginaldo Prandi retirado do livro A Criação do Mundo - Contos e Lendas Afro-brasileiros, Editora Cia. das Letras / Editora Schwarcz, São Paulo, 2009.

19 novembro 2025

O bem se paga com o bem

A onça caiu numa armadilha preparada pelos caçadores e, por mais que tentasse escapar, ficou prisioneira. Resignara-se a morrer, quando viu passar um homem. Chamou-o e lhe pediu que a libertasse.

- Deus me livre! - disse o transeunte. - Se você ficar solta, vai me devorar.

A onça jurou que seria eternamente agradecida, e o homem desatou as cordas que seguravam a tampa do alçapão e ajudou a onça a deixar a cova. Logo que esta se encontrou livre, agarrou seu salvador por um braço, dizendo:

- Agora você é meu jantar.

Debalde o homem pediu e rogou. A onça, finalmente, decidiu:

- Vamos combinar uma coisa. Ouvirei a sentença de três animais. Se a maioria for favorável ao meu desejo, eu o como.

O homem aceitou e saíram os dois. Encontraram um cavalo, velho, doente, abandonado. A onça narrou o caso. O cavalo disse:

- Quando eu era moço e forte, trabalhei e ajudei o homem a enriquecer. Qual foi o meu pagamento? Largaram-me aqui para morrer, sem um auxílio. O Bem só se paga com o Mal.

Adiante depararam-se com um boi. Consultado, opinou pela razão da onça. Contou sua vida de serviços ao homem e, quando julgava que ia ser recompensado, soube que fora vendido para ser morto e retalhado pelo açougueiro. O Bem só se paga com o Mal.

O homem triste, acompanhava a onça que lambia o beiço, quando viram um macaco. Chamaram o macaco e pediram seu parecer. O macaco começou a rir. E saltava, fazendo caretas e rindo. A onça ia-se zangando:

- Por que tanta risada, camarada macaco?

- Não é fazendo pouco - explicou o macaco -, é que eu não acredito que o homem caísse na armadilha que ele mesmo preparou.

- Ele não caiu. Quem caiu fui eu - contava a onça.

- Foi você? Então como é que esse homem fraquinho pôde libertar um bicho tão grande e forte como a camarada onça?

A onça, despeitada pelo macaco julgá-la mentirosa, foi até o alçapão e saltou para o fundo do fosso, gritando lá de baixo:

- Está vendo? Foi assim!

Mais que depressa o macaco empurrou o engradado de varas pesadas que fazia de tampa e a onça tornou a ficar prisioneira.

- Camarada onça - sentenciou o macaco -, o Bem só se paga com o Bem. E você fez o Mal, receba o Mal.


Conto de Luís da Câmara Cascudo retirado do livro Contos Tradicionais do Brasil, Coleção Literatura em Minha Casa, Volume 5, Tradição Popular, Global Editora, São Paulo, 2003.

Tachos e Gamelas

Mais que verdade. Um pouco de assunto para a gente ter coragem de escafeder-se por aí por esse Brasil mundão grande afora.

- Senta, Niquinha.

- Num havera eu de sentar?

- E pra quê essa cara de muxoxo?

- Se incomode não.

- O Zeca veio?

- Veio coisa nenhuma aquele safado sem-vergonha metido a besta odiento fingido que eu gosto de doer. 

- E então?

- Ara!

- Num vai me contar?

- Ara, ara!

- Pois num conte, uai. Fica aí sentada. Até a bunda arder. É capaz que chova agorinha.

Tia Natércia foi soprar fogo na cozinha. Niquinha revirou os olhos castanhos tristes fundos para as bandas da Rua Campo Formoso e quis chorar. Era mais que verdade. Pra lá de muito mais.

- Ô Niquinha!

Era a menina Miroca chamando de outro lado da rua. Os cabelos de Miroca voavam. Seu sorriso esquentou o frio de Niquinha.

- Que é, Miroca?

- Vamo catar gabiroba lá no mato do corgo?

Niquinha espichou as pernas no degrau da varanda. Baixou os olhos e viu uma borboleta branca alvinha e pequetita em cima de um copo de leite do jardim.

- Tô com querência pra isso não.

- Deixa de ser boba... Resmungou Miroca amarrando o laço de uma sandália vermelha que lhe soltara do pé.

Niquinha esqueceu-se da borboleta branca e escutou a voz de Tia Natércia cantando na cozinha. Lembrou-se do Zeca. Desembestou a chorar alto sacudindo o corpo todo.

Miroca veio até ela e seus cabelos ainda voavam.

- Êta Niquinha pamonha! Chorando desse jeito por causa de home!

- Cala a boca, Miroca! Cê num sabe o que é amor.

Miroca sentou-se no peitoril da varanda e começou a roer unha.

Niquinha olhou para ela e se arrependeu da malcriação.

- Me desculpa, Miroca. Num liga pro que eu falo não.

- Num ligo não, Niquinha. Só queria te enterter um tiquinho.

- Me enterter?

- A gente bem que podia catar gabiroba...

- Tô sem vontade nenhuma...

- Ia ser bom procê!

- O Zeca num me sai do juízo, aquele desgraçado, aquele diabo, aquele merda.

- Num apareceu mais não?

- Havera de aparecer por um acauso?

- A gente achava que o Zeca tava doidinho por ocê.

- Pois é. Até a tia já tava gostando do jeitão dele...

Niquinha soltou um choro fino comprido que parecia não ter mais fim. Miroca se ajoelhou perto dela e falou com voz de alegria quase:

- E se a gente fosse ver o trem na Estação. Êta que chega cada baita home bonito lá!

Mas Niquinha não se contentou nem um pouco. Levantou-se do degrau da varanda e foi para dentro de casa. Deu com a porta de seu quarto. Entrou. Suspirou uma horinha de frente para o espelho. Caminhou até à cozinha. Tia Natércia cozinhava mandioca no tacho. Na gamela sobre a mesa havia biscoitos de polvilho e uma caneca de café recebia tapinhas do sol que passava por cima da goiabeira bem em frente a porta da cozinha.

- Vamo ou num vamo catar gabiroba?

Gritou ainda Miroca lá da varanda.

Niquinha se lembrou do Zeca mais uma vezinha. Apalpou a barriga. Pensou na coisa bonita que estava dentro dela, coisinha miúda que ia crescer que nem abóbora moranga.

- Quer tomar café? Perguntou Tia Natércia com o rosto quente de fogo da trempe.

Niquinha sentou-se no tamborete:

- Esses biscoitos tão cheirando... Acho que vou deixar a gamela vaziinha de tudo

Tia Natércia riu da fomeagem dela. Depois foi buscar mais uma gamelada de biscoitos de polvilho que já estava fora do forno, aquele quintal de tanta árvore e de tanta fruta, batido pela gostosura do sol, com cheiro de coisa boa e limpa.

A chuva nem tardou.


Conto de Stela Maris Rezende Paiva retirado do livro Dentro das Lamparinas, Horizonte  Editora, Brasília, 1979.

18 novembro 2025

Na Rodoviária

O lugar mais frio do mundo. Debaixo daquelas placas de cimento, todas tão altas, tão grandes, tanto frio nas costas cobertas apenas por uma camisa de algodão, amarelada e respingada de lama. No bancos enfileirados os corpos sentados com as pernas cruzadas, com as pernas esticadas, com as pernas encolhidas. Os rostos que não dizem coisa alguma. Os olhos de todos. Com um brilho sombrio, uma luz sem direção. Nas bocas um riso tosco que mais parece uma careta repetitiva e angustiante.

A camisa não aquece. O vento está levantando a saia daquela moça que passou com um embrulho de pastel na mão. A gordura do pastel está molhando o embrulho. A moça para, sem olhar para ele, para sua camisa que não aquece. A moça abre o embrulho e tira um pastel enorme que deve ter muita carne dentro. Ela como o pastel com vontade, com um sorriso. Com um brilho diferente nos olhos fundos. Depois ela desaparece entre as pernas daqueles homens altos e louros que conversam perto da lanchonete. Mas o pastel ficou. O pastel corre de mão em mão, todos comem um pedacinho. Só ele observa tudo, encostado a uma das pilastras, sentindo esse frio todo, essa tristeza toda, essa fome toda.

- Ei, guri.

Levanta os olhos com preguiça.

- Tá me ouvindo, guri?

Examina o rosto enrugado da mulher, o batom vermelho nos lábios finos, o pó de arroz sobrando nas bochechas murchas.

- Qual é a tua? Num fala não, é?

Acha graça na voz da mulher. Ri do jeito de mexer com os ombros.

- Vai falando, dona.

Ela acende um cigarro com um isqueiro azul. Começa a fumar, os cabelos estão soltos e pegajosos.

- Sabe o que é, guri? É que... Bom, eu tava a fim de...

Sente cheiro de cerveja. Essa mulher deve ter tomado muita cerveja. Os olhos dela são miúdos e piscam muito.

- Eu tava a fim de papear com alguém, sacou?

Agora ele ri bastante, sacudindo os ombros.

- A dona tá querendo me gozar? Nunca me viu mais gordo e tá a fim de papear comigo?

- Você não quer?

Ele para de rir bruscamente. Lembra-se do pastel. Da carne quentinha que devia estar dentro dele.

- Tô a fim de comer um pastel, dona. Tô com uma fome dos diabo!

Cala-se.  Envergonha-se do que acabou de dizer, meio perplexo, meio tonto. A mulher puxa-o pela mão. Leva-o diante da lanchonete e apoia-se no balcão de mármore branco. Compra o pastel para ele. Depois, ao voltar a seu lado, em direção à pilastra, ela passa as mãos enrugadas em suas costas.

- Essa tua camisa num tá com nada, meu guri.

Engole a carne moída com pedacinhos de tomate e folhas de salsa. Mais uma vez olha pra ela, agora achando tudo isso muito esquisito e bom.

- A dona mora aqui mesmo em Brasília?

Ela belisca um pedacinho do pastel.

- Desculpa. Num tô com fome não, é só uma mania que eu tenho. Moro na Cidade Livre. Num barraco de tábua.

- Eu também moro num barraco de tábua, num tenho nenhuma inveja da senhora.

Os dois estão rindo. Rindo sem parar. O pastel acabou. O frio parece que diminuiu um pouco. Uma criança passa correndo, chamando pela mãe que voltou para a escada rolante, deve ter esquecido algum dos pacotes de suas compras.

- A senhora sabia que aqui é a capital da esperança?

A mulher continua rindo, os olhos miúdos são engolidos pelas bochechas murchas. Ele tira o resto da gordura das mãos com uma ponta da camisa. Ergue os olhos e vira o rosto. Vê ao longe, embaçada e triste, a Praça dos Três Poderes.


Conto de Stela Maris Rezende Paiva retirado do livro Dentro das Lamparinas, Horizonte  Editora, Brasília, 1979.

17 novembro 2025

Mitologia e Simbologia de Escorpião

Todos os signos do Zodíaco correspondem a uma lenda mitológica muito bonita que teve sua origem em tempos muito antigos.

Os deuses gregos possuíam todas as fraquezas humanas e, da mesma forma que os deuses, eram sensuais e ambiciosos como os homens, seus pais e mães, eram possessivos e dominadores como os pais e mães humanos.

Existem duas histórias mitológicas correspondentes, por um lado a Escorpião e por outro lado a Marte, que era o regente deste signo na antiguidade.

Existem várias versões lendárias, mas aconteceu mais ou menos assim:

Em uma versão, Netuno apaixonou-se por Euríale, filha do rei Minus e dela teve uma filho que chamou-se Órion.

Órion tinha três características que o distinguiam do resto dos mortais: possuía uma extraordinária habilidade como caçador, era dotado de uma beleza incomum e tinha uma estatura gigantesca.

O gigante Órion era tão grande que as lendas contam que quando caminhava sua cabeça atingia as nuvens.

Órion morreu vítima de uma flecha perdida lançada por Diana em uma competição com seu irmão Apolo.

Visto que Diana era apaixonada por Órion, que não correspondia a seu amor por amar Aurora, muitos afirmam que ela o teria matado intencionalmente por ciúmes.

Seja como for, Órion foi imortalizado entre as estrelas numa das maiores e mais belas constelações existentes, que o brasileiro está acostumado a identificar facilmente graças às "Três Marias", agrupamento de estrelas que forma o "Cinturão de Órion".

Em outra versão, Júpiter e Netuno foram recebidos de forma hospitaleira por um camponês, que os recebeu em sua modesta casa sem saber que eram deuses.

Como paga pela acolhida, os deuses presentearam o lavrador com um bebê, surgido do nada sobre uma pele de ovelha.

Uma das versões da vingança de Diana está relacionada com o escorpião e se passa mais ou menos assim:

Da relação entre Júpiter e Latona, filha de um dos Titãs, nasceu um casal de gêmeos, Diana (a Lua) e seu irmão Apolo (o Sol).

Diana teria nascido uns instantes antes de seu irmão testemunhando as dores sofridas por sua mãe.

Apavorada diante da perspectiva de passar pelo mesmo sofrimento não considerou a felicidade da maternidade que transcende todas as dores e covardemente pediu a Júpiter que lhe desse a graça de permanecer eternamente virgem.

Apesar do voto de castidade, quando adulta Diana se apaixonou algumas vezes, em uma delas foi pelo caçador Órion, mas, castigo do destino, jamais foi correspondida por ele.

Órion já havia sido conquistado por Aurora, que era muito formosa e assim se chamava porque abria as portas do céu para o surgimento do carro do Sol todas as manhãs.

Não sendo correspondida, Diana tomada de ciúmes, inventou uma história complicada em que ela tivera seu véu tocado pelas mãos impuras do caçador e resolveu matá-lo pela audácia.

Incumbiu dessa missão o escorpião, que mordeu Órion e o matou através de dores terríveis.

Mais tarde, Diana teria se arrependido e implorado ao pai que perpetuasse nos céus seu amado e o inseto que realizara sua perfídia.

Órion foi imortalizado em sua constelação. O escorpião na constelação que leva esse nome e o fiel cão de caça de Órion na constelação do Cão Maior.

Devido a essas lendas, atribui-se ao signo de Escorpião a vingatividade, o ciúme e a motivação sexual como impulso determinante de atitudes impensadas.

Evidentemente tais avaliações são excessivamente maniqueístas e muitos outros fatores astrológicos teriam que ser considerados antes de afirmativas desse nível.


Marte

Da união de Júpiter com sua irmã gêmea Juno, nasceu Marte o deus da guerra.

Marte teve como seu mestre na arte marcial Príapo, filho da ninfa Naias.

Como deus da guerra, envolveu-se em inúmeras batalhas, sempre acompanhando Eris (a discórdia), Ênio e Queres (divindades do morticínio e do genocídio) e Ago (divindade do combate).

De seu amor por Vênus, Marte gerou Deimos e Fobos (o terror e o medo), que também o acompanhavam em suas batalhas.

Uma das esposas de Marte era Belona, uma mulher monstruosa que tinha serpentes no lugar dos cabelos e que atrelava e conduzia seu carro de batalha.

Dizem que a deusa Fama seguia sempre o carro de Marte em suas batalhas, e tocando sua trombeta chamava a vitória ou a derrota.

Conta-se também que apenas a vitória atendia aos chamados de Fama quando se tratava de batalhas travadas por Júpiter.

Marte teve outros filhos com Vênus, Eros (o amor) e Anteros (o anti-amor ou o ódio).

Marte era adorado entre os gregos e romanos.

Os gregos lhe consagraram o rochedo vizinho a acrópole de Atenas, também chamado Aeropago.

Os romanos acreditavam ser descendentes diretos de Marte, que teria gerado Rômulo e Remo (os fundadores de Roma) em um relacionamento que teve com Sílvia.

Grandes templos foram erguidos em sua homenagem quando os césares passaram a acreditar serem deuses e merecer a proteção especial de Marte.


Texto retirado do livro Escorpião, de Loreley Somma e Marco Natali, Coleção Astral, Ediouro/Editora Tecnoprint S.A., São Paulo, 1986.

16 novembro 2025

Signo Solar Escorpião

De muitas maneiras, Escorpião é o mais poderoso signo do Zodíaco; pois é regido por Marte e Plutão, sendo também o signo da exaltação de Urano.

Mais do que qualquer outro signo, Escorpião lida com o processo de transformação fundamental em todos os níveis.

Essa transformação pode atingir níveis altos ou baixos dependendo da motivação por trás da mudança.

Os escorpianos possuem grande poder fundamentado na vontade e nos intensos desejos emocionais.

A vida deles é uma constante batalha para conquistar os desejos através do uso criativo da vontade.

Visto que este signo está fortemente relacionado com o princípio do desejo e do direcionamento sexual, há uma tremenda força emocional por trás dos envolvimentos românticos dos escorpianos.

Quando foge ao controle, isso pode levar a possessividade, ciúme e violência.

Nenhum signo tem tanto potencial para o bem e para o mal como escorpião.

Nunca brincam com a vida superficialmente. Onde quer que se envolvam, o fazem pelas consequências mais sérias possíveis.

Algumas vezes o desejo de fazer tudo perfeitamente torna-os incapazes de delegar responsabilidades, por isso é comum se desgastarem em busca da perfeição em todos os detalhes.

Os escorpianos mais desenvolvidos são os defensores mais ardentes da justiça, ainda que seja em face da morte.

Levam a bom-termo todos os assuntos, ainda que a custa de muito esforço e sacrifício.

Apesar de desprezarem a fraqueza neles mesmos e não gostarem de vê-la nos outros, geralmente são generosos e compassivos, desdobrando-se para ajudar aos demais.

Eles esperam, entretanto, que uma vez que a pessoa tenha sido ajudada, seja capaz de manter-se por si mesma.

Nem sempre são diplomáticos, visto que costumam expressar suas ideias e sentimentos com franqueza que, às vezes, pode ferir.

Às vezes, preferem ficar em silêncio do que submeter os outros a suas verdadeiras emoções e opiniões.

São intensamente voltados a investigação da natureza das coisas e descobrir as causas que se ocultam por trás do mundo manifesto.

Consequentemente, muitos deles se envolvem em trabalhos ligados a investigações, pesquisas e investigações ocultas.

Tendem a ser muito discretos sobre os resultados de suas pesquisas.

Quando em luta, não cedem muito facilmente e nem esperam que seus adversários cedam.

Costumam possuir olhos profundos e penetrantes, além de uma aura de misticismo pessoal e magnetismo.

A intuição dos escorpianos costuma ser bem desenvolvida, dando-lhes habilidade para penetrar os pensamentos dos outros e extrair informações secretas deles.

Quando espiritualmente desenvolvidos obtêm imenso poder de sua capacidade de lidar com as forças fundamentais, criativas e regenerativas da natureza.

Suas realizações podem, algumas vezes, parecer miraculosas.

Não são inclinados a temer a morte, pois têm um entendimento místico da natureza cíclica das manifestações.


Texto retirado do livro Escorpião, de Loreley Somma e Marco Natali, Coleção Astral, Ediouro/Editora Tecnoprint S.A., São Paulo, 1986.

Um Esclarecimento

Por que a Astrologia, sendo tão antiga, é tão atual e de tanta utilidade hoje?

A Astrologia, a linguagem dos astros, estuda o Zodíaco e seu conjunto de símbolos há mais de 6.000 anos. Documentos históricos atestam que esse conhecimento milenar acompanhou boa parte das civilizações que povoaram a Terra desde a aurora dos tempos. Há uma série de estudos e livros especializados que trazem, em detalhes, todos esses referenciais.

Sabe-se que sumerianos, caldeus, assírios, judeus, egípcios, os povos do Extremo Oriente, incas, astecas, gregos e romanos já conheciam e interpretavam essa linguagem, a mais antiga de que se tem notícia.

A Astrologia não tem a pretensão de oferecer todas as respostas, nem tenta explicar todos os eventos, mas orgulha-se de reunir um dos maiores acervos de conhecimento de que o homem dispõe para melhorar sua qualidade de vida.

Ela não nega o livre-arbítrio, nem prega o determinismo. O homem é livre para fazer suas escolhas dentro do mundo condicionado em que vive. Sempre pode escolher em qual polaridade prefere viver tentar ou pelo menos procurar decifrar qual a mensagem contida nos fatos da vida.

Entre os vários ramos do conhecimento, a Astrologia conseguiu uma façanha única: mantém-se viva, atuante, e há séculos vem prestando serviços à humanidade. Os ensinamentos astrológicos atravessaram todas as fases históricas com sucesso, porque constituem um verdadeiro "manual de instruções" para uma vida melhor.

Mesmo com toda essa bagagem e tradição, ainda hoje ouve-se a ingênua pergunta: você acredita em Astrologia? A resposta certa é não. A Astrologia não é uma crença nem uma religião, muito menos um dogma, por isso não cabe o verbo "acreditar", e sim o verbo "conhecer". Aqueles que tiveram acesso a ela e puderam verificar a eficácia de seus recursos são unânimes em afirmar: a Astrologia funciona.


UMA RESPOSTA A UMA ETERNA PERGUNTA


Toda vez que um astrólogo encontra um leigo, ouve a solene pergunta: "A Astrologia é uma ciência?"

A resposta conveniente é sim. A Astrologia está alinhada entre as ciências humanas porque é um saber que se encaixa em todos os requisitos do que se considera ciência. Vejamos a definição do Dicionário Aurélio:


"Ciência [Do lat. scientia.] Saber que se adquire pela leitura e meditação; instrução, erudição, sabedoria. Conjunto de conhecimentos socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente acumulados, dotados de universalidade e objetividade, que permitem sua transmissão, e estruturados com métodos, teorias e linguagens próprias, que visam compreender e possam orientar a natureza e as atividades humanas."


A Astrologia não pretende ser uma ciência exata, nem se fundamenta em um processo puramente matemático. É um conhecimento acumulado no decorrer dos séculos. Dotada de universalidade e objetividade, é estruturada em métodos, teorias e linguagem própria, e seu objetivo é melhor compreender e, possivelmente, orientar a natureza e as atividades humanas.

A Astrologia é, sobretudo, a arte de "cienciar", ou seja, dar ciência ao homem sobre o seu processo evolutivo durante sua passagem na Terra.

Complementando essa ideia, o astrólogo Antônio Carlos Harres acrescenta:


"As mais modernas concepções da ciência afirmaram que, nos domínios do microuniverso, não há como separar observador e observado, sujeito e objeto. Muito antes dessa descoberta da física quântica, mas de forma análoga, os 'scientes' da antiguidade (os praticantes da ciência, os que conheciam, os que estavam a par, modernamente, os que estão 'por dentro') criaram sistemas simbólicos que expressam sua constatação da indissolúvel união do Homem com a Natureza, do ser com a totalidade, do indivíduo com a sociedade e da humanidade com a Astrologia.

Astrologia é ciência porque analisa, estuda e constrói uma corpo de conhecimento que se revela sempre o mesmo em sua essência e é regido por constantes e leis próprias.

E é 'com-ciência' porque, embora separando, não deixa de incluir; dividindo, não perde de vista o conjunto; analisando, não abandona a síntese, evitando que o estudante atento seja lançado ao ceticismo e à esterilidade psicológica e espiritual a que se condena todo adepto do cientificismo, que se crê capaz de existir ou perceber à revelia do Cosmos."


CONCLUSÃO


Evoluir é o destino do homem, mesmo que ele tenha consciência disso. Nascemos "programados" para uma gradual evolução, não importa quais sejam nossos objetivos pessoais. Mas, se utilizarmos o conhecimento de nossos recursos mentais, já teremos meio caminho andado. E, mais uma vez, a Astrologia participa com outra importante função - fornecer aos homens "ferramentas" que propiciem sua escalada nesse rumo vertical.

A vida não teria nenhum sentido, nenhuma razão lógica para acontecer, se não fosse por esse propósito evolutivo. 

Por último, lembramos que, embora a Astrologia esteja disponível para todos, nem todos têm afinidade com esse tipo de saber. Para o grupo de simpatizantes, fizemos uma transposição e uma adaptação das palavras finais de C. G. Jung, no Prefácio do I Ching - O Livro das Mutações:


"A Astrologia não oferece fatos nem poder, porém, para os amantes do autoconhecimento e da sabedoria - se estes existem -, parece ser o conhecimento indicado. Para alguns, seu espírito parecerá claro como o dia; para outros, sombrio como o crepúsculo; e para outros, ainda obscuro como a noite. Aquele que não o aprecia não precisa usá-la, e aquele que é contra não é obrigado a considerá-la verdadeira. Que a deixem seguir para o mundo em benefício daqueles que sejam capazes de discernir seu significado."


Texto retirado de O Livro dos Signos, de Maria Eugênia de Castro, Luiz Augusto P.A. Figueira e Paula Dornelles Bevilaqua, Saberes Editora, 15ª Edição, São Paulo, 2011.