sábado, 16 de dezembro de 2023

Tornar-se Pessoa

Lançado em 1961, o livro de Carl Rogers "Tornar-se Pessoa" sintetizou o trabalho de mais de trinta anos do famoso psicoterapeuta. Ganhou o mundo. Foi traduzido em diversos idiomas e vendeu mais de um milhão de cópias.


Foi nesta obra máxima, que Carl Rogers expôs de maneira clara, simples e objetiva a sua teoria, seu aprendizado ao longo de mais de três décadas de terapias com os mais variados tipos de pessoas. O livro foi tão impactante que serviu de inspiração não apenas para a psicólogos ou pessoas ligadas ao setor, mas a donas de casa, empresários, pedagogos, publicitários, enfim, a todo e qualquer ser humano interessado em melhorar-se como pessoa.

Na época do lançamento, Rogers escreveu: "Esta obra foi elaborada para ajudar aos psicólogos, psiquiatras, educadores, conselheiros escolares, conselheiros religiosos, assistentes sociais, terapeutas do ontologia, diretores ou gestores, especialistas de organização do trabalho, homens dedicados às ciências políticas, para que todos eles possam encontrar no meu trabalho uma relação direta com os seus problemas profissionais. Sinceramente, é a eles que dedico esta minha obra. Existia ainda um outro motivo, mais complexo e pessoal: a busca de um público que ouvisse o que eu tinha para dizer: o comum, pois ele se refere à pessoa e à sua mudança num mundo que parece ignorá-la ou diminuí-la. Há ainda uma última razão para publicar este livro, um motivo que tem para mim uma enorme importância. Trata-se da grande, da desesperada necessidade do nosso tempo de adquirir o máximo de conhecimentos de base e a maior competência possível para estudar tensões que ocorrem nas relações humanas. [...] Espero que se torne evidente que esses conhecimentos, aplicados preventivamente, poderão ajudar no desenvolvimento de pessoas maduras, não defensivas e compreensivas que possam enfrentar de uma maneira construtiva as tensões que se lhes deparem no futuro. Se eu conseguisse tornar patente a um significativo número de pessoas os recursos por utilizar dos conhecimentos já disponíveis no domínio das relações  interpessoais, considerar-me-ia amplamente recompensado".

As expectativas do autor foram amplamente superadas. A repercussão do livro foi tamanha, que ele passou a ser conhecido como o "psicólogo da América". Sua teoria e algumas expressões usadas por ele na obra entraram definitivamente para as escolas da psicologia. A noção de empatia, por exemplo, tornou-se importantíssima na psicanálise.

Alguns pesquisadores acreditam que muitas teorias de Rogers praticamente se diluíram nas inúmeras escolas. Muitas de suas ideias foram amplamente aceitas apesar de algumas serem revolucionárias para a época. É dele também que vem a importância dada à autoestima. Suas ideias prevalecem até os nossos dias, dentro das profissões de saúde mental. Ele colocou a pessoa como arquiteto de sua própria transformação e capaz de ver dentro dela os próprios valores e conquistas.

Na introdução do livro, o psiquiatra Peter D. Kramer (65 anos), especialista em depressão, destaca que "para Rogers, o homem é 'incorrigivelmente socializado em seus desejos'. Ou, como ele coloca o problema repetidamente, quando o homem é mais plenamente homem, ele é merecedor de confiança. Rogers foi, na classificação de Isaiah Berlin, um porco-espinho: Ele sabia uma coisa, mas o sabia tão bem que poderia fazer disso um mundo. A escola de psicanálise de ponta atualmente é chamada de 'psicologia do self', um nome que Rogers poderia ter cunhado. Como a terapia centrada no cliente, que Rogers desenvolveu na década de 40, a psicologia do self entende a relação, mais do que o insight, como sendo central à mudança; e como a psicoterapia centrada no cliente, a psicologia do self sustém que o nível ótimo de frustração deva ser 'o menor possível'. A postura terapêutica em psicologia do self não podia estar mais próxima à consideração positiva incondicional".

Kramer finaliza dizendo que a abertura do livro pelo autor, intitulada: "Este sou Eu" não precisaria de qualquer introdução, pois contrasta com a postura defendida por seu colegas, que acreditavam que o terapeuta deve se apresentar como uma lousa em branco. "A opinião predominante era de que Rogers poderia ser repudiado, pois não era sério. Esta opinião esconde e revela uma visão estreita do que é sério ou intelectual. Rogers era um professor de universidade e um doutor amplamente publicado, tendo a seu crédito dezesseis livros e mais de duzentos artigos. O próprio sucesso do livro Tornar-se Pessoa pode ter prejudicado a reputação acadêmica de Rogers; ele era conhecido pela argumentação direta e simplicidade".


Como tornar-se pessoa?


Esta é a questão levantada por Rogers no livro de 480 páginas. Nele está a síntese de sua teoria aplicada em vários "clientes", como ele passou a chamar seus pacientes. Seu conteúdo revela que ninguém nasce pronto ou acabado, que não existem modelos de perfeição que devem ser seguidos. Cada ser humano parte do nada e passa a vida tornando-se aquilo que é.

Rogers inicia a obra traçando seu próprio perfil. Mostrando-se por inteiro. Como começou, quando mudou seu modo de pensar, se deu conta de que o psicanalista freudiano estava distante demais de quem precisava ajudar e, finalmente, porque acredita que sua teoria na prática funciona.

Nas primeiras partes do livro ele acentua: "Este é um livro sobre o sofrimento e a esperança, a angústia e a satisfação na sala de todos os terapeutas. É sobre o caráter único da relação que o terapeuta estabelece com cada cliente, e, igualmente, sobre os elementos comuns que descobrimos em todas essas relações. Este livro é sobre as experiências profundamente pessoais de cada um de nós (...). É um livro sobre mim, sentado diante do cliente, olhando para ele, participando da luta com toda a profundidade e a sensibilidade de que sou capaz".

A seguir, vai descrevendo o seu aprendizado: "Nas minhas relações com as pessoas, descobri que não ajuda, em longo prazo, agir como se eu fosse alguma coisa que não sou. Não serve de nada agir calmamente e com delicadeza num momento em que estou irritado e disposto a criticar. Não serve de nada agir como se soubesse as respostas dos problemas quando as ignoro. Não serve de nada agir como se sentisse afeição por uma pessoa quando, nesse determinado momento, sinto hostilidade para com ela. Não serve de nada agir como se estivesse cheio de segurança quando me sinto  receoso e hesitante". Mais à frente ele destaca a necessidade de aceitação das outras pessoas de nosso convívio e como mudou a sua postura de como ajudar para como fazer esta pessoa se ajudar.

Já capítulo Como Tornar-se Pessoa, Rogers salienta que "um dos elementos da terapia de que mais recentemente tomamos consciência é o quanto ela é para o cliente, a aprendizagem de uma aceitação plena e livre, sem receio, dos sentimentos positivos de outra pessoa. Não é um fenômeno que ocorra com muita clareza em todos os casos de longa duração, mas, mesmo nesses, não se produziu uniformemente. No entanto, é uma experiência tão profunda, que fomos levados a perguntar se não se  trataria de uma direção muito importante no processo terapêutico, que, em todos os casos bem-sucedidos, talvez se verifique em certa medida, a um nível não verbalizado". Dito isso, o autor passa a trabalhar a afeição por si mesmo no cliente. Ou seja, a autoestima, importantíssima a seu ver para se chegar a qualquer lugar. A seguir, ele enfatiza a descoberta que norteia toda a sua teoria: "a descoberta de que o centro da personalidade é positivo". Mais à frente, o processo de tornar-se pessoa centraliza-se na resposta do cliente à pergunta: "Quem sou eu, realmente? Por trás da máscara, o processo de tornar-se é viável".

Quase no final, ele lembra as inevitáveis perguntas que todo ser humano se faz ao longo da vida: "Qual é o meu objetivo na vida?", "O que procuro?", "Qual é a minha finalidade?". No caso de seus clientes, Rogers diz que as respostas estão sempre envoltas em confusões sobre eles mesmos e cita um caso: "Vejamos o que diz um rapaz de dezoito anos, numa das primeiras entrevistas: 'Eu sei que não sou assim tão exuberante e tenho receio de que o descubram. É por isso que falo essas coisas... Qualquer dia, descobrem que eu não sou assim tão exuberante. Estou precisamente fazendo tudo para que esse dia seja o mais longínquo possível... Se me conhecesse como eu me conheço (pausa). Não vou lhe dizer que pessoa eu penso realmente que sou'."

Rogers finaliza focando os rumos da terapia sem antes enfatizar os resultados comprovados pela sua centrada na pessoa, na qual o cliente sente-se à vontade com o terapeuta e este totalmente aberto a ele. "Ela permite uma exploração em si mesmo de sentimentos cada vez mais estranhos, desconhecidos e perigosos, exploração que apenas é possível devido à progressiva compreensão de que é incondicionalmente aceito. Começa então o confronto com elementos da sua experiência, que no passado tinham sido negados à consciência como demasiado ameaçadores, demasiado traumatizantes para a estrutura do eu. Descobre-se vivenciando plenamente esses sentimentos na relação, de modo que, em cada momento, ele é o seu medo, a sua irritação, a sua ternura ou a sua força. E à medida que vive esses sentimentos variados, em todos os seus graus de intensidade, descobre que vivenciou a si mesmo, que ele é todos esses sentimentos. Depara com o seu comportamento mudando de uma forma construtiva em conformidade com o seu eu, do qual teve recentemente a experiência".


Aplicação abrangente


A ideia de servir de inspiração para os mais diversos segmentos da sociedade foi plenamente atingida pelo psicoterapeuta americano com o seu livro. A professora Maria do Céu Mota em artigo Tornar-se Pessoa (aventra.eu) diz que durante a sua licenciatura em Ensino de Música, o livro de Carl Rogers foi muito importante para ela. "É um livro cheio de ensinamentos não só para professores, mas para todos", opina. Segundo ela, juntamente com o indiano Krishnamurti, Rogers veio por associação, porque, no seu entender, ambos são semelhantes, não obstante estarem geograficamente tão distantes. "Penso que é uma ótima oportunidade de relembrar os seus ensinamentos e conhecer o que ele aprendeu na sua longa experiência como psicólogo, e psicoterapeuta por meio desta obra. Escolho à sorte algumas passagens, significativas: 'Não ajuda, em longo prazo, agir como se eu não fosse quem sou (...) tentar manter uma atitude de fachada (...) quando me aceito a mim mesmo como sou, estou a modificar-me. (...) todos nós temos medo de mudar'."

Mota alerta para o que considera a grande mensagem de Rogers no livro: "esta 'vida plena' não é para quem desanima facilmente. Implica em coragem de ser. Significa que se mergulha em cheio na corrente da via".

O professor Adolfo Pereira, mestrando em Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida pelo UNIFAE e especialista em Gestão de Pessoas pela PUC de São Paulo, concorda com Mota. No artigo "Líder elefante e líder escada" (www.rhportal.com.br), ele enfatiza que "a tendência das relações reais é mais para se modificarem do que para se manterem estáticas" é o que afirmou Carl R. Rogers no livro Tornar-se Pessoa (1961, p. 29). "Seguindo Rogers deveríamos, portanto, estar mais acostumados com as mudanças, especialmente no âmbito dos relacionamentos dentro das organizações. Mais especificamente, nas relações entre chefes e subordinados. Chefe ou líder, neste texto, representa aquele ou aquela profissional que está à frente de um setor, equipe ou empresa. Gostaria de tocar numa 'ferida' que, invariavelmente, insiste em se fazer presente nas organizações de todo porte, que é 'o medo do chefe de perder o seu cargo para outro (a) que faz parte da equipe ou está tentando ingressar na organização'. O problema se concretiza quando ele usa o seu poder para anular aquele (a) que lhe representa uma ameaça. Isso acontece nas organizações? Conheço mais de uma centena de casos. Eu chamo este tipo de chefe de 'líder elefante', porque sempre que alguém o ameaça, ele levanta a sua pata gigante e o esmaga como se pisasse sobre uma pequenina formiga. Isto é horrível! Ruim para todo mundo, mas acontece o tempo todo".

Flávio Souza, trainer coach da International Coaching, em Empatia Cibernética de Competência Inconsciente: Excelência na Comunicação para Profissionais do Século XXI (www.tecmeddeditora.com.br) ressalta: "(...) o sucesso profissional é primeiramente um produto da capacidade e tendência de empatia do indivíduo, seja em qualquer área de atuação, fazendo-se ainda mais presente nas profissões que se estabelecem uma relação de ajuda. Nesta esfera, a empatia cumpre funções de abrir caminho para a aproximação, informação, ensino/aprendizagem, motivação, liderança, influenciação, e para a ajuda. A empatia amplifica, intensificando essas atitudes, buscando aliviar as necessidades de si mesmo e do outro, exprimindo-se, assim, na forma mais ativa da abordagem centrada na pessoa, que segundo Rogers (1962), trata-se de 'uma filosofia, um modo de ser a vida, um modo de ser, que se aplica a qualquer situação onde o crescimento - de uma pessoa, de um grupo, de uma comunidade - faça parte dos objetivos'. Tomamos como conceito de empatia a capacidade de um indivíduo em se reconhecer no outro e compartilhar com ele os seus sentimentos, emoções, condição situacional e representações sensoriais e estruturas de mundo no momento em que se processa a comunicação; promovendo assim uma conexão e sintonia inconsciente entre as partes envolvidas neste processo do relacionamento, proporcionando compreensão, confiança, segurança e ternura aos indivíduos envolvidos neste sistema, permitindo uma comunicação eficaz e eficiente (...). Então para o estabelecimento de uma empatia autêntica".

Ainda sobre a obra de Carl Rogers, o editor Emanuel Oliveira Medeiros, do Jornal Correio de Açores (www.correiodosacores.net), ao recomendar o livro no suplemento educação, sintetiza a receptividade do público ao livro: "é um clássico contemporâneo. Foi um livro  publicado, inicialmente, em 1961. Depois foi traduzido e publicado em Portugal. Os bons livros, sempre falam à pessoa que somos ou queremos ser. Os tempo que correm, propícios às tensões nas relações humanas, suscitam razões acrescidas para ler este livro. Sobretudo vivê-lo, até onde é possível, a começar pelo título, aparentemente paradoxal! Um livro com rigor acadêmico a serviço de todos".


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Ensino livre e responsável

A "abordagem centrada na pessoa", de Rogers, encontrou na educação um campo fértil. Nos dois livros que escreveu, dirigidos a este setor, ele detalha como deve ser a "aprendizagem significativa" que envolve professores e alunos num único objetivo: crescimento.


Assim como foi aproveitada em diversas áreas, a Teoria Centrada na Pessoa (TCP) do psicólogo norte-americano caiu como uma "luva" no ensino. Muitos chegaram a mudar seu nome para "Abordagem Centrada no Aluno", tal a viabilidade de adaptação que enxergavam. O próprio Rogers notou esta possibilidade e escreveu dois livros especialmente dedicados a isso. Em "Liberdade para Aprender", lançado em 1972 e "Liberdade para Aprender em Nossa Década", em 1985, ele destaca, entre vários princípios da aprendizagem, que "o ser humano possui aptidões naturais para aprender e que a aprendizagem autêntica supõe que o assunto seja percebido pelo estudante como pertinente em relação aos seus objetivos".

Ao explicar o que é Aprendizagem Significativa, na primeira obra, Rogers diz que "a educação tradicionalmente imaginou a aprendizagem como um tipo ordenado de atividade cognitiva pertencente ao lado esquerdo do cérebro. O hemisfério esquerdo deste tende a funcionar de modo lógico e linear. Progride passo a passo numa linha reta, enfatizando as partes, os pormenores que constituem o todo. Aceita apenas o que é certo e claro, lida com ideias e conceitos e está associado com os elementos masculinos da vida". Ele enfatiza: "Este é o único tipo de funcionamento que tem sido inteiramente aceitável para escolas e faculdades". Mas, segundo o psicólogo, "envolver a pessoa como um todo na aprendizagem significa liberar e utilizar também o lado direito do cérebro. Este hemisfério funciona de maneira diferente", esclarece. "(...) é intuitivo, aprende a essência antes de conhecer os pormenores. É estético e não lógico, dá saltos criativos. É o modo do artista, do cientista criativo. Acha-se associado às qualidades femininas da vida".

O terapeuta exemplifica com uma citação do famoso cineasta Ingmar Bergman. De acordo com ele, "Bergman resume de maneira muito incisiva o modo pelo qual estes dois tipos de funcionamento se reúnem numa aprendizagem que utiliza todas as nossas capacidades. Diz ele: Atiro uma lança no escuro - isso é intuição. Então, tenho de enviar uma expedição selva adentro para encontrar o caminho dela - isso é lógica". Ele conclui o raciocínio, ressaltando que "a aprendizagem significante combina o lógico e o intuitivo, o intelecto e os sentimentos, o conceito e a experiência, a ideia e o significado. Quando aprendemos desta maneira, somos integrais, utilizando todas as nossas capacidades masculinas e femininas".

No artigo "Teoria Geral de Carl Rogers - O ensino centrado no aluno: uma abordagem não diretiva". (www.educacaopublica.rj.gov.br), Joana Tolentino e Paulo Mendes Taddei, enfocam justamente esta problemática do ensino tradicional. Eles questionam: "Afinal, o que está por trás desse modelo é um novo paradigma de ser, de pessoa, de jovem. Será que a pessoa que queremos, que amanhã decida os rumos do mundo, é aquela sem autonomia, sem capacidade de fazer escolhas, sem saber nem mesmo quem é, apenas decorando e repetindo fórmulas e estruturas sociais - muitas vezes distorcidas? Pois esse é o jovem que a educação tradicional tutorial está produzindo. De repente, olhamos para a juventude atual e ficamos perplexos com a sua total  ausência de reflexão, de crítica, de autonomia, de envolvimento com o mundo que a cerca, sem ética nem percepção do todo que é a vida. Logo nós, tão acostumados em estabelecer nexos causais para tudo: qual seria a causa de tão desastroso efeito? Por que agora tão descabida perplexidade, se não formamos indivíduos questionadores e atuantes, mas apenas reprodutores da ordem vigente? Por isso, para Rogers, educação sem atuação é adestramento. E atuar pressupõe refletir, questionar e fazer escolhas. Esse é o maior ensinamento que, praticando, pode ser dado".


Proximidades entre Rogers e Freire


Fernanda Fochi Nogueira Insfrán em As contribuições de Carl Rogers e Paulo Freire para a educação: o caso de um pré-vestibular comunitário (www.encontroacp.psc.br), desenvolveu um trabalho inovador em educação comunitária. Junto a uma equipe de vinte e cinco voluntários, entre professores, coordenadores e colaboradores, criou um curso pré-vestibular na cidade de Araruama, Rio de Janeiro, utilizando os preceitos educativos de Carl Rogers e Paulo Freire. O objetivo, conta Fernanda, é lógico, era a aprovação dos alunos em faculdades federais de primeira linha. Todos os alunos vinham de escolas públicas. Mas, ela diz que a intenção foi também proporcionar a eles uma aprendizagem mais crítica e reflexiva, por meio da conscientização e responsabilização dos alunos enquanto sujeitos do processo de ensino-aprendizagem.

Ao comparar a tendência  pedagógica Liberal Tecnicista com a Liberal Não Diretiva, Insfrán salienta que o autor Cipriano Luckesi, em Filosofia da Educação (Cortez), "mostra que a pedagogia liberal tecnicista tem como principal objetivo preparar recursos humanos para o mercado de trabalho. Ainda segundo Luckesi, inspirada na psicologia behaviorista de Skinner e em autores como Gagné, Bloom e Mager, a pedagogia tecnicista atua no aperfeiçoamento da ordem social vigente, articulando-se com o sistema produtivo. É conteúdo útil à aprendizagem apenas o redutível ao conhecimento observável e mensurável. Elimina-se a subjetividade".

A mestranda destaca que em nosso país esta tendência começou a ser utilizada na década de 60, atendendo às aspirações da ditadura militar. Já a pedagogia não diretiva criada por Rogers, defende que "o único homem instruído é aquele que aprendeu como aprender, como se adaptar à mudança; o que se deu conta de que nenhum conhecimento é garantido, mas que apenas o processo de procurar o conhecimento fornece base para a segurança" (Liberdade para Aprender em nossa década, Rogers).

Insfrán sintetiza que, segundo o autor, o ideal é mudar o foco do ensino para melhorar a aprendizagem, ou seja, "não é necessário se ater tanto às coisas que o estudante deve aprender, mas preocupar-se com o como, porque e quando aprendem os alunos, como se vive e se sente a aprendizagem, e quais as suas consequências sobre a vida deles".

A teoria de educação de Paulo Freire tem muitas semelhanças com a de Rogers, acredita Insfrán. Ela lembra que sua "Pedagogia do Oprimido", publicada pela primeira vez em 1970, nasceu em meio aos duros anos de ditadura militar brasileira, durante a qual ele foi preso e exilado. "Freire foi um dos primeiros a desenvolver técnicas de alfabetização de adultos e seu nome tem prestígio internacional na pedagogia", destaca.

A acadêmica enfatiza que "Freire desenvolveu uma pedagogia antiautoritarismo, de atuação não formal, onde aluno e professor devem atuar num sentido de mudança da realidade social. Uma educação crítica e problematizadora, que trabalha com "temas geradores" da prática dos alunos e conteúdos advindos dos próprios alunos". Ela acrescenta que ele criticou duramente as pedagogias tradicional e tecnicista, usando a expressão "educação bancária", na qual a educação é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos.

No seu entender, desenvolvendo a autonomia do saber (Liberdade para Aprender - Rogers), pode-se chegar à pedagogia problematizadora (A Pedagogia do Oprimido, Freire). Foi o que fez nesta experiência com os pré-vestibulandos. E conclui: "Somente um sujeito responsável pela sua aprendizagem e perseverante quanto a suas metas, é capaz de se tornar crítico e reflexivo sobre o contexto em que vive e atuar na modificação deste meio."


Ferramenta para a Psicopedagogia


A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) de Rogers pode ser uma ferramenta útil para a psicopedagogia. É o que afirma Benjamim da Silva Amorim em A Psicopedagogia e a Abordagem Centrada na Pessoa (artigos.psicologado.com). Ele conta que "ao estudar a ACP, uma abordagem que dá sustentação teórica ao Ensino Centrado no Aluno pude entender o porquê das dificuldades de aprendizagem de muitas crianças e adolescentes. Em práticas com outros alunos que apresentam problemas de aprendizagem e que, desmotivados, são conduzidos ao fracasso escolar pela repetência, a ACP traz preceitos auxiliadores na construção do conhecimento para estes alunos". E acrescenta: " Pela minha formação humanista, e dentro dos preceitos da ACP, valorizo acima de tudo o potencial da pessoa para o crescimento, tentando criar para os alunos aos quais atendo um ambiente que lhes dê condições de fazer fluir este potencial latente que cada um possui. Desta forma, os bons resultados, me levam a crer que, ao unir a teoria rogeriana com os conhecimentos psicopedagógicos, pode-se fazer uma diferença real e profunda na vida escolar destes estudantes".

O psicopedagogo lembra uma citação de Rogers em seu livro Liberdade para aprender em nossa década: "Com frequência, fracassamos em reconhecer que grande parte do material que é apresentado aos alunos na sala de aula, tem para eles a mesma qualidade desconcertante e sem sentido que a lista de sílabas absurdas tem para nós. Isto é especialmente verdadeiro para a criança carente, cujo ambiente não fornece qualquer contexto para o material com que está se confrontando. Mas quase todos os estudantes descobrem que grande parte de seu currículo não têm sentido para eles. Desse modo, a educação se torna uma fútil tentativa de aprender material que não possui significado pessoal." Para corrigir isso Amorim destaca a sugestão de Rogers baseada na aprendizagem significante ou significativa, que possui sentido e envolve não apenas os pensamentos como também as sensações e as experiências, conduzindo a uma aprendizagem verdadeira.

Em tom de desabafo, Amorim conclui: "Mais de sete décadas se passaram desde que Rogers publicou suas primeiras ideias, e ainda elas parecem nos chocar, pois pouco daquela escola tradicional foi modificada. Quando há uma tentativa de aplicar uma psicologia humanista em qualquer instituição de ensino esta é considerada experimental. As dificuldades encontradas por Rogers são ainda as mesmas encontradas por aquele profissional que busca aplicar a Abordagem Centrada na Pessoa dentro de nossas escolas".

Apesar das barreiras, ele dá pistas de que não pretende desistir: "o mais importante é a construção da relação pessoal entre o psicopedagogo e o aluno, relação que deve ter como base o respeito, a confiança, o apreço, que dependem de certas atitudes expressas pelo psicopedagogo, como a compreensão empática, autenticidade e aceitação positiva incondicional, e que posteriormente, ao longo dos encontros entre eles, o próprio aluno apresentará tais características, culminando com uma modificação de seu comportamento e facilitando o real aprendizado".


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

domingo, 10 de dezembro de 2023

Como atingir a plenitude em nossa existência?

A "vida plena" é um processo, não um estado de ser. É uma direção, não um destino. (Carl Rogers, Tornar-se Pessoa, 1961)


Plenitude na vida é sinônimo de felicidade e realização? Afinal, como atingi-los? Tem o mesmo significado para todos? É um estado de espírito ou é "vencer", ser bem-sucedido na vida? Acumular bens materiais suficientes e mais do que o necessário para uma vida digna? Será que é tudo ou nada disso?

Carl Rogers acredita que só uma pessoa segura de si ou confiante, que conhece as suas qualidades e defeitos profundamente é capaz de atingir essa vida plena, essa tal felicidade e realização plenas. Em seu livro Tornar-se Pessoa, ele descreve as etapas necessárias para atingir esse, digamos, "êxtase existencial". O primeiro passo, segundo ele, é "A Abertura crescente à experiência". Uma atitude oposta à defensiva, pois de forma progressiva a pessoa consegue perceber o que se passa em si, ou seja, se torna capaz de ouvir a si mesma. Neste contexto, ela está mais aberta aos seus sentimentos considerados negativos - receio, desânimo e desgosto - assim como aos seus sentimentos positivos - coragem, ternura e fervor. "É livre para viver os seus sentimentos subjetivamente, como eles em si existem, e é igualmente livre para tomar consciência deles. Torna-se mais capaz de viver completamente a experiência do seu organismo, em vez de impedi-lo de atingir a consciência".

O segundo passo é o "Aumento da Vivência Existencial", que para o psicólogo significa que a essência e a personalidade de cada um afloram das experiências vividas. Muito diferente do ajustamento de si mesmo a um sistema preconcebido e determinado pelo sistema vigente. Ou seja, a pessoa passa a ser um participante ativo e observador, interagindo com o mundo, respeitando a sua própria natureza em vez de tentar controlá-la. No livro, Rogers esclarece que esse momento implica numa flexibilidade, liberdade de ação que possibilite o total aproveitamento da experiência. "O máximo de adaptabilidade, uma descoberta de estrutura na experiência, uma organização fluente, mutável, do eu e da personalidade. (...) Abrir o espírito àquilo que se está passando agora, e descobrir no processo presente a estrutura específica que se apresenta, tal como ela é, uma das principais características da 'Vida Plena'."

A terceira fase é "Uma Confiança Crescente no Seu Organismo", isto é, a pessoa torna-se mais capaz de confiar na sua adaptabilidade natural diante de novidades, porque descobriu sem medo que era capaz e está satisfeita e confiante com o seu comportamento.

O último passo é "O Processo de um Funcionamento mais Pleno". Ele explica que, chegando a este estágio, "a pessoa mostra-se mais aberta aos testemunhos que provém de outras fontes; mergulha completamente no processo de ser e de se tornar o que é".

Assim procedendo, Rogers conclui que, apenas os adjetivos "feliz", "satisfeito", "contente", "agradável", não definem a plenitude da vida, mesmo que a pessoa venha a senti-los em sua conquista. No seu entender, é muito mais propício conceituá-la com outros termos como "enriquecedor", "apaixonante", "valioso", "estimulante" e "significativo". "O processo da 'Vida Plena' não é um gênero de vida que convenha aos que desanimam facilmente. Este processo implica a expansão e a maturação de todas as potencialidades de uma pessoa. Implica a coragem de ser. (...) Significa que se mergulha em cheio na corrente da vida. E, no entanto, o que há de mais profundamente apaixonante em relação aos seres humanos é que, quando a pessoa se torna livre interiormente, escolhe esta 'Vida Plena'."


Êxtase Humano


"Se tomarmos a vida plena como sinônimo de 'vida boa' na definição do psicólogo Carl Rogers, criador da Abordagem Centrada na Pessoa, compreenderemos, por este conceito, um processo de liberdade psicológica dirigida em quaisquer das direções, implicando em uma abertura crescente à experiência e uma redução contínua das atitudes defensivas, para que possamos viver plenamente cada momento de nossas vidas, como sendo um novo a cada instante", explica o psicólogo Silva Cavalcante Júnior, mestre em Educação Especial e Ph.D. em Leitura e Escrita pela University of New Hampshire (EUA), em Como viver uma vida plena na Universidade? (www.espacoacademico.com.br).

Cavalcante, que também é professor titular dos cursos de graduação e mestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza, Ceará (UNIFOR), acrescenta que, se agirmos dessa maneira, sendo um membro atuante na vida, nossa experiência nos levará à plenitude. Ele explica que Rogers define essa estado de êxtase humano como "a pessoa que funciona em seu modo mais pleno, experimentando todos os seus sentimentos, e sem medo de nenhum deles, mergulhando completamente no processo de tornar-se quem ele ou ela, realmente é, e constituindo-se uma pessoa total - corpo, mente, sentimentos, espírito e poderes psíquicos integrados. Alguém, enfim, que consegue mergulhar em cheio na corrente da vida".

De acordo com o professor, Rogers descreve em seu livro Um Jeito de Ser (1983), que "esta nova pessoa tem sido encontrada entre os executivos que desistiram da competição em terno e gravata, da sedução dos altos salários e das opções da Bolsa para viver uma vida mais simples; homens e mulheres jovens de jeans que estão desafiando a maior parte dos valores da cultura atual e vivendo de novas maneiras; padres, freiras e pastores que deixaram de lado os dogmas de suas instituições para viver de uma maneira que faça mais sentido; mulheres que estão lutando contra as limitações que a sociedade impõe à sua individualidade e superando-as; os negros, as minorias latinas e os membros de outras minorias que estão se libertando de séculos de passividade e caminhando em direção a uma vida assertiva, positiva; aqueles que passaram por grupos de encontro e que estão encontrando lugar para o sentimento e para o pensamento em suas vidas; e os evasores escolares criativos, que estão tentando objetivos mais elaborados que a sua escolaridade estéril permite".


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

sábado, 9 de dezembro de 2023

Abordagem centrada na pessoa, uma nova visão terapêutica

Com seu método revolucionário, abordagem centrada na pessoa, Rogers mudou para sempre os rumos da psicoterapia.


Depois de muitas experiências e anos de trabalho, Carl Rogers teve a certeza de que era preciso modificar os antigos modelos usados na psicoterapia. Desde a postura do terapeuta até a maneira de agir com o seu cliente - que a partir dele passou a ser chamado assim e não mais de paciente -, a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), criada por ele teve, grande aceitação. Tanto que, atualmente, é usada não só por psicoterapeutas, mas na educação, por empresas, gestores de equipes, no esporte e em várias outras áreas que envolvam relações humanas.

Existem até mesmo organizações sem fins lucrativos com este nome e finalidade, espalhadas pelo mundo. No Brasil, em São Paulo, foi inaugurada em 2005 a Associação Paulista da Abordagem Centrada na Pessoa - APACP (www.apacp.org.br), congregando profissionais de todo o estado e que tem esta abordagem como referência.

O norte-americano John Keith Wood, PhD (1934 - 2004), professor na Universidade Estadual de San Diego (Califórnia), que acompanhou Carl Rogers, com quem trabalhava em sua primeira viagem ao Brasil, em 1977, define a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), no site da Associação: " O pressuposto fundamental deste método é que em todo indivíduo existe uma tendência atualizadora e inerente ao organismo, para crescer, desenvolver e atualizar as suas potencialidades numa direção positiva e construtiva: A hipótese central é a de que o indivíduo possui dentro de si mesmo vastos recursos para a autocompreensão e para alterar o seu autoconceito, as suas atitudes básicas e o seu comportamento autodirigido, e estes recursos podem ser liberados se um clima definido como atitudes psicológicas facilitadoras puder ser oferecido".

Wood acrescenta que, de acordo com Rogers, "as atitudes psicológicas facilitadoras que promovem a liberação da tendência atualizadora são Congruência (ser real e genuíno); Consideração Positiva Incondicional (significa não colocar condições para a aceitação ou para a apreciação desta pessoa) e Compreensão Empática (significa perceber apuradamente o quadro interno de referência da outra pessoa como se fosse o seu próprio, sem, contudo, perder a condição de 'como se')".

O professor lembra que, segundo Rogers, "estas condições promovem a atualização do indivíduo em qualquer relacionamento interpessoal, seja no relacionamento terapeuta e cliente, pai e filho, líder e grupo, professor e aluno, administrador e equipe; isto é, em qualquer situação cujo objetivo seja o desenvolvimento da pessoa. Por esse motivo, o campo de aplicação da Abordagem Centrada na Pessoa é bastante amplo".

Wood, que é autor de vários livros sobre o assunto e participou, juntamente com Carl Rogers, Maureen Miller, Maria Constança Villas-Boas Bowen e Jack Bowen, dos primeiros grandes grupos formados em Aldeia de Arcozelo, no Rio de Janeiro, em 1977 e 1978 e, na década de oitenta, facilitou vários grupos de encontro e workshops vivenciais, inclusive no Ceará, termina sua explicação advertindo: "A definição da ACP que detalhei aqui não surgiu de um papo no barzinho da praia, no último fim-de-semana. É o próprio conceito de Rogers, e permeia toda a sua vida de trabalho. Pessoas sérias devem estudar o seu trabalho em profundidade. A ACP é exatamente o que as palavras sugerem, uma abordagem, que consiste de atitudes, crenças, intenções da parte da pessoa que se defronta com o fenômeno (uma pessoa em terapia, um grupo de encontro, um workshop que se reúne por vários motivos). Assim, é uma postura." Wood permaneceu no Brasil até sua morte. Esta opinião entre vários outros artigos e palestras feitas por ele sobre o assunto, foi originalmente veiculada no site do VI Fórum Brasileiro da ACP, realizado em Canelas-RS, em 2005.


Semelhanças


Camila Moreira Maia e Idilva Maria Pires Germano, na tese: "Self, sofrimento psíquico e processo terapêutico: uma revisão da Abordagem Centrada na Pessoa à luz da Psicologia Narrativa" (abrapso.org.br), destacam a semelhança entre as duas vertentes psicoterapêuticas e uma citação crítica do renomado psicólogo e autor norte-americano J. Kenneth Gergen (Universidade de Duke).

Segundo as autoras, na obra O Movimento do Construcionismo Social na Psicologia Moderna (1997), Gergen além de afirmar "que a Abordagem Centrada na Pessoa está pautada num paradigma moderno, ele diz ainda que Rogers possui uma visão romântica de homem, pelo fato de achar que 'os seres humanos são naturalmente bons, mas corrompidos pelas circunstâncias do meio'. Segundo ele, é como se existisse um estado humano natural, normal e bom, que deve ser recuperado por meio da psicoterapia".

Por outro lado, o terapeuta Alex Barbosa Sobreira de Miranda (UES-PI), em seu artigo Abordagem Centrada na Pessoa (artigos.psicologado.com) destaca que "a Abordagem Centrada na Pessoa rejeita as ideias dos outros psicólogos, que se concentraram na perspectiva de que todos sujeito possuía uma neurose básica. Nesse sentido, Rogers defendeu a ideia de que o núcleo básico da personalidade humana era tendência à saúde e ao crescimento. Com essa descoberta, o processo psicoterapêutico nessa ênfase passou a postular uma cooperação entre terapeuta e cliente, a fim de liberar esse núcleo de personalidade, estimulando ao amadurecimento emocional, à redescoberta da autoestima e da autoconfiança".

Controvérsias à parte, Maia e Germano, destacam em seu trabalho que "tanto a Psicologia Narrativa, quando fala das metanarrativas dominantes, quanto a Abordagem Centrada na Pessoa, quando fala do processo de alienação de si, acreditam que um indivíduo entra em situação de mal-estar quando concepções pré-formadas a respeito dele são incutidas na sua maneira de autoconceber-se, de forma que não há espaço para este desenvolver as suas próprias  compreensões sobre si. Há, portanto, de acordo com elas, uma concordância entre as duas formas de pensamento em relação ao caráter rígido e dominado do 'Ser o que realmente se é'."

As acadêmicas concluem que "as ideias defendidas pela Abordagem Centrada na Pessoa, compartilha de muitas noções das psicoterapias de base narrativista; sobretudo, no que diz respeito aos seus objetivos e práticas desencadeadoras de mudanças de autoconceitos e de versões de mundo. Assim, como a Psicologia Narrativa, a ACP não postula a existência de verdades universais; concebe as relações pessoais tanto como formadoras das noções de si dos sujeitos como responsáveis pela produção de formas de existência patológicas e considera que a promoção de bem-estar psíquico está relacionada com a postura de "não saber" adotada pelo terapeuta, com uma apreciação do mundo dos significados do sujeito, com o não julgamento das ações do indivíduo e com a transparência do terapeuta nesta relação".


ACP no futebol


Quem disse que o método criado por Rogers não poderia ser aplicado no esporte mais popular do país? A tese "A Abordagem Centrada na Pessoa e a Psicologia do Esporte" de Bruno José de Mattos, da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (www.bibliotecadigital.unicamp.br), prova que sim.

Ele diz ter convicção de que de que a ACP favorece a liberdade de escolha da pessoa. "Consciente e autônoma ela terá coragem para aceitar quem realmente é. A partir desta aceitação, irá percorrer trilhas traçadas por si, estas levarão ao seu crescimento. Para isto acontecer é valioso o exercício de confiança nas potencialidades de cada ser humano. A pessoa amplia a sua consciência quando passa a escutar a si própria, quando percebe e compreende os seus próprios sentimentos. É um exercício de autonomia que a Psicologia Humanista da ACP propõe, pautado na qualidade de aceitação, compreensão e honestidade da relação entre psicólogo e cliente".

Mattos destaca que a ACP parte do princípio da autocompreensão e autodeterminação do indivíduo. "Não posso entender um atleta feliz, saudável, congruente nas suas ações sem que seus sentimentos e pensamentos estejam de acordo com a situação vivenciada. Mas também considero não ser uma tarefa fácil".

Em sua experiência com jogadores e a comissão técnica de uma equipe, durante os períodos de preparação e disputa da Copa São Paulo de Futebol Júnior, Mattos percebeu que o trabalho do psicólogo, ao ser congruente com a humanização do atleta, pode levar à sua limitação se ou outros membros da comissão técnica (treinadores, preparados físicos, supervisores) têm uma postura rígida, ortodoxa em suas metodologias e olham para os atletas com ar de superioridade. "Quando isso acontece, o psicólogo fica numa posição de linha de fogo entre os dois lados: a compreensão dos sentidos psicológicos que os atletas vivenciam nas suas experiências versus as diretrizes imutáveis dos protocolos de treinos das comissões técnicas".

Ele questiona "As comissões técnicas passam anos preparando o atleta psicologicamente para os mais variados torneios, mas sem nunca saber quem realmente ele é. Então, que ajuda psicológica é esta no esporte, na qual há o desconhecimento dos sentimentos que o atleta dá pata a sua vida, mas que ao mesmo tempo o condiciona para as competições?"

Mattos encerra a sua tese refletindo sobre o seu papel de psicólogo humanista no Esporte. Inevitavelmente se pergunta: "meu trabalho é bom ou ruim?" E lembra que esta também era a preocupação de Carl Rogers quanto à modificação da personalidade, quando o cliente se submetia ao atendimento psicológico. "Ele chegou a desenvolver estudos experimentais para poder medir as alterações na personalidade das pessoas que buscavam ajuda psicológica", pondera.

Ciente de que o seu atendimento aos atletas de futebol não se configuravam como uma terapia, mas uma atenção psicológica orientada pelas premissas da Abordagem Centrada na Pessoa, Mattos se diz consciente de que o serviço prestado para ajudar aos jogadores e a comissão técnica do time foi benéfico somente para os jogadores, mas de pouca valia ao treinador e ao supervisor.


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Inovador e Versátil Legado Teórico

Rompendo com vertentes tradicionais da psicanálise, o trabalho do psicólogo norte-americano Carl Rogers foi de tal forma impactante, que sintetizou a tese dos humanistas em uma só teoria.


"É inegável a importância e consistência do legado teórico produzido por Rogers para a  Psicologia e Pedagogia. Entre muitos outros setores", declara Dilercy Aragão Adler, no ensaio Carl Rogers: Principais Constructos Teóricos e a Realidade Social, Contrapontos Necessários (www.redem.org). Porém, ela considera que há um antagonismo entre suas argumentações e as condições existenciais da sociedade na qual vivia e para a qual propunha sua tese. "Fica claro nos seus estudos que as principais premissas consideram um homem abstrato, a-histórico, descolado de uma dada realidade social. E, em outras palavras, não contemplam uma visão histórica e condições materiais da realidade social em que esse homem está inserido".

Baseada na declaração de Rogers, em sua obra Tornar-se Pessoa, de 1961 - "Nas minhas relações com as pessoas, descobri que não ajuda, em longo prazo, agir como se eu não fosse quem sou. [...] descobri que sou mais eficaz quando posso ouvir a mim mesmo, aceitando-me, e quando posso ser eu mesmo" - a psicóloga afirma que "de uma forma muito lúcida, ele diz que parece ser uma atitude cada vez mais comum, na cultura vigente, esperar que se queira que todas as pessoas sintam, pensem e acreditem como a si próprio. E exemplifica: é difícil para os pais permitirem aos filhos que pensem diferente (isso aconteceu com ele quando se afastou dos princípios religiosos da família); na esfera nacional: que outra Nação tenha valores e comportamentos diferentes. E fecha o argumento dizendo: "Qualquer pessoa é uma ilha, no sentido muito concreto do termo; a pessoa só pode construir uma ponte para comunicar com outras ilhas se, primeiramente, se dispôs a ser ela mesma e se lhe é permitido ser ela mesma".

Adler conclui, então, que só se pode ajudar alguém a tornar-se pessoa, quando aceitam seus sentimentos, atitudes e crenças que compõem seus elementos reais e vitais.

A acadêmica considera que a partir da prática psicoterápica e de sua teoria da personalidade, Rogers desenvolveu abordagens para todas as relações interpessoais. "Suas concepções são também aplicadas à educação, na área da liderança militar e industrial, na prática do serviço social, enfermagem, assistência religiosa e até mesmo nos estudos da Teologia e da Filosofia".


Rogers x Freud


Inúmeros estudos já foram elaborados sobre Freud e Rogers. No artigo A Natureza Humana segundo Freud e Rogers (gruposerbh.com.br), a psicóloga e professora da Universidade Federal da Paraíba, Sônia Maria Lima de Gusmão, traça um paralelo entre as teorias dos dois estudiosos. Profundas diferenças denotam que o psicólogo norte-americano rompeu com os fundamentos do conhecido e aclamado "Pai da Psicanálise". "Um dos pontos mais contraditórios entre a teoria psicanalítica e a teoria centrada na pessoa é aquele que diz respeito à natureza humana. Os autores que abordam essas teorias, frequentemente, enfatizam tal aspecto. Parece não haver dúvidas de que a posição de Rogers é nitidamente otimista em confronto com a de Freud", explica a autora.

Gusmão destaca que, para Freud, o homem possui um permanente conflito entre forças antagônicas existentes em seu interior. Enquanto na Abordagem Centrada na Pessoa, Rogers acentua: "O ser humano tem a capacidade, latente ou manifesta, de compreender-se a si mesmo e de resolver os seus problemas de modo suficiente para alcançar a satisfação e a eficácia necessárias ao funcionamento adequado".

Para a professora, o contexto em que cada um deles viveu influenciou significativamente a elaboração de suas concepções sobre a natureza humana. Ela lembra que Sigmund Freud nasceu no século 19, em 1856, em Freiberg Mähren, atual P íbor, República Tcheca. Viveu em Viena (Áustria) e morreu em Londres, em 1939. Ele sofreu os entraves de duas guerras mundiais. Sua época foi marcada pela repressão sexual, o que lhe trouxe experiências profissionais bem diferentes das de Rogers. Freud foi o criador da Psicanálise e influenciou, igualmente, várias áreas do conhecimento, além da Psicologia. Por sua vez, Rogers nasceu em 1902, num pequeno subúrbio de Oak Park, situado nos arredores de Chicago, Illinois (Estados Unidos) e morreu em 1987, aos 85 anos, em seu próprio país. Foi criado sob rígidos princípios religiosos.

Gusmão cita ainda a opinião de Richard Farson, Diretor do Instituto Esalen, São Francisco, autor de Carl Rogers: o home e suas ideias (Evans, Richard I.) que considerava Rogers um revolucionário tranquilo "pela maneira como contribuiu para mudar vários aspectos da psicologia e de mudar de outras áreas, é sem dúvida alguma um marco referencial na obra  psicológica existente".

A psicóloga afirma que na visão de Freud, o ego e o superego têm o seu lado obscuro ou inconsciente. "Quando apreciamos a obra freudiana, observamos que toda ela é marcada por um certo ceticismo em relação ao homem. Sendo a natureza humana, no seu entender, determinada, sobretudo, pelas pulsões e forças irracionais, oriundas do inconsciente; pela busca de um equilíbrio homeostático; e pelas experiências vividas na primeira infância. Tudo o que o homem construiu - as artes, as ciências, as suas instituições e a própria civilização - num contexto mais amplo, não passa de sublimações dos seus impulsos sexuais e agressivos. Neste sentido, pode-se afirmar que, sem as defesas, é impossível a civilização, e que uma sociedade livre e sem necessidade de controle está fora de cogitação".

Neste sentido, ela salienta que Rogers foi alvo de críticas e chamado de ingênuo e romântico, por acreditar que o ser humano é fundamentalmente bom. No entanto, declara em seu livro Tornar-se Pessoa, de 1961: "Não possuo visão ingênua da natureza humana. Tenho bem consciência de que para se defender e movido por medos intensos, indivíduos podem e, de fato, se comportam de modo incrivelmente destrutivo, imaturo, regressivo, antissocial e nocivo".

A compreensão de Rogers a respeito da natureza humana vai além dessa constatação, afirma Gusmão. Na mesma obra, ele diz que "contrariamente à opinião que vê os mais profundos instintos do homem como sendo destrutivos, observei que, quando o homem é, verdadeiramente, livre para tornar-se o que ele é no mais fundo de seu ser (como no clima seguro da terapia), quando é livre para agir conforme a sua natureza, como um ser capaz de perceber as coisas que o cercam, então ele, nitidamente, se encaminha para a globalidade e a integração".

Gusmão conta que Rogers se mostrou perplexo quando um freudiano do porte de Karl Menninger lhe disse, numa discussão sobre o tema, que percebia o homem como sendo " inatamente destrutivo". Tal afirmativa conduziu o criador da Abordagem Centrada na Pessoa, às seguintes questões publicadas na apostila Carl Rogers e a Natureza Humana (Universidade de Chicago), 1957: "Como pode ser que Menninger e eu trabalhando com um objetivo tão semelhante, num relacionamento tão íntimo com indivíduos angustiados, experimentemos as pessoas tão diferentemente? Talvez, como sugere Snyder, essas profundas diferenças não contem quando o terapeuta se interessa realmente por seu cliente. Mas, como pode o analista sentir um interesse positivo para com o seu paciente, quando sua própria tendência inata é destruir? E ainda mesmo que suas tendências destrutivas fossem adequadamente inibidas e controladas por seu analista, quem controlou a destrutividade daquele analista? E assim sucessivamente, ad infinitum".


Paul Tillich e Rogers


Em Carl Rogers Dialogues, no Diálogo entre Carl Rogers e Paul Tillich, publicado na Revista da Abordagem Gestáltica (pepsic.bvsalud.org) há a transcrição do diálogo entre o teólogo protestante alemão Paul Tillich (1886 - 1965) e Carl Rogers realizado em março de 1965, no estúdio de rádio e televisão da Faculdade Estadual de San Diego, na Califórnia.

Tillich migrou para os Estados Unidos em 1933, tornando-se cidadão norte-americano em 1940 e professor de várias universidades americanas como Harvard e University of Chicago Divinity School, onde permaneceu até o seu falecimento.

O diálogo apresenta um rico conteúdo: "(...) Rogers: Em minha própria experiência, o potencial de aceitação da outra pessoa tem sido demonstrado repetidas vezes, quando um indivíduo sente que ele é tanto plenamente aceito em tudo que é capaz de expressar como ainda é estimado como pessoa. Isso tem uma influência muito grande sobre a sua própria vida e o seu comportamento.

Tillich: Sim, acredito que esse aspecto é realmente o centro do que chamamos de boas novas na mensagem cristão. (...)"

"(...) Rogers: Eu concordo quanto à dificuldade de criar uma liberdade completa. Estou certo de que nenhum de nós poderá criar isso para outra pessoa na sua integralidade... No entanto, o que me impressiona é que mesmo tentativas imperfeitas de criar um clima de liberdade e aceitação e entendimento parecerem liberar a pessoa para mover-se em direção a alvos sociais. Não sei se é o seu pensamento acerca do aspecto demônico, que faz com que coloque um ponto de interrogação aqui.

Tillich: Agora, deixe-me primeiro responder acerca do que você acabou de dizer, e aqui concordo plenamente. Eu diria que há atualizações fragmentárias na história e concordo especialmente com o profundo insight que obtivemos, em grande parte pela psicoterapia, acerca da tremenda importância do amor nas primeiras fases do desenvolvimento infantil. Então, perguntaria: 'Onde estão as forças que criam uma situação na qual a criança recebe esse amor que dá a ela, posteriormente, a liberdade de encarar a vida e não de escapar dela por meio de neuroses e psicoses?'. Deixo essa questão em aberto. Mas agora você está interessado acerca do demônico, e você não é o único. (...) O único termo adequado que encontrei foi o usado pelo Novo Testamento, que se encontra nas histórias acerca de Jesus: similar ao estar possesso. Isso significa uma força, debaixo de uma força, que é mais forte do que a boa vontade do indivíduo. Quero deixar bem claro que não me refiro a um sentido mitológico - como pequenos demônios ou o próprio Satanás correndo pelo mundo - mas me refiro a estruturas que são ambíguas, ambas, até certo ponto, criativas, mas, sem sentido último, destrutivas. É isso que quero dizer com o demônico. (...)


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Rollo May

Na citação de Rollo May, "Redescobrindo a natureza e a imagem do ser humano" (A Descoberta do Ser) está contida a síntese de sua tese existencial, que não rejeita as descobertas técnicas de Freud ou de qualquer outro, e o aproxima dos humanistas.


Após estudar arte e morar três anos na Grécia para aperfeiçoar a sua técnica, Rollo May cursou teologia, o que o levou a uma congregação religiosa, onde ajudava as pessoas como conselheiro espiritual. Esta atividade foi tão importante para ele, que o motivou a buscar maior embasamento técnico para exercê-la: obteve seu título de doutorado em Psicologia Clínica na Universidade de Columbia, em 1949. É o que descreve o Mestre em Filosofia e Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Carlos Roger Sales da Ponte, no artigo "Reflexões críticas acerca da psicologia existencial de Rollo May" (pepsic.bvsalud.org). Ele conta que o famoso psicólogo norte-americano nasceu em 1909, em Ada, Ohio, e que "Suas incursões filosóficas sobre o drama humano existencial começaram a ficar cada vez mais incisivas, quando obteve o doutorado em Psicologia. Uma mostra disto está na sua obra, publicada em 1953, "O homem à procura de si mesmo".

Ponte acrescenta que justamente quando trabalhava na tese, que lhe rendeu o terceiro livro - O Significado da Ansiedade - publicado em 1950, May adquiriu tuberculose. Isto o obrigou a ficar internado num hospital por um ano e meio, porque naquela época a doença ainda era de difícil tratamento e cura. Esse tempo foi utilizado por ele para aprofundar-se na leitura sobre angústia e ansiedade, tanto do ponto de vista de Freud quanto do de Kierkegaard. Mesmo com as grandes diferenças entre os dois, May não fez uma escolha entre eles. E, ao contrário de muitos colegas da vertente humanista, que passaram a rejeitar as teorias psicanalíticas, ele acredita que os dois pontos de vista são importantes e necessários.

"Tais experiências fizeram com que May se alinhasse cada vez mais a uma concepção de psicologia de cunho fortemente existencial, fazendo-o aprofundar-se cada vez mais nesta corrente filosófica", afirma Pontes. Ele lembra ainda que sua concepção mais aberta o levou a organizar, em 1958, juntamente com Ernest Angel e Henri Ellenberger, o livro Existence: a new dimension in psychatry and psychology, "uma obra de referência que difundiu com maior ênfase as ideias e pesquisas em termos de uma psicologia e uma psicopatologia existencial de cunho fenomenológico", Rollo May viveu seus últimos anos em Tiburon, Califórnia, falecendo em 22 de outubro de 1994, aos 85 anos.


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

domingo, 3 de dezembro de 2023

Abraham Maslow

Conhecido como o "Pai Espiritual" da Psicologia Humanista, Abraham Maslow acreditava, assim como Rogers, que o ser humano tem um anseio inato para o crescimento positivo.


Primogênito de uma família judia russa que emigrou para os Estados Unidos, Maslow nasceu no Brooklin, em Nova Iorque, juntamente com outros seis irmãos. De acordo com a professora norte-americana Kendra Cereja (psychology.about.com), ele teve uma infância problemática, que o levou a se "refugiar" nos livros. Graduou-se em Direito e, mais tarde, abraçou a carreira que mais lhe agradava, a Psicologia, chegando ao doutorado pela Universidade de Wisconsin, em 1934.

Lecionou no Brooklyn College de 1937 a 1951, época em que era influenciado pelo psicólogo Max Wertheimer (que seguia a linha da Gestalt) e pela antropóloga Ruth Benedict. "Maslow acreditava que eles eram pessoas tão excepcionais, que começou a analisar e a tomar notas sobre o comportamento deles. Esta análise de base para as suas teorias e pesquisas sobre o potencial humano", conta a professora.

De acordo com ela, durante os anos 50, Maslow tornou-se um dos fundadores e principais incentivadores do movimento humanista. "Suas teorias, incluindo a hierarquia das necessidades, autorrealização e experiências de pico tornaram-se temas fundamentais desta nova visão que influenciou diversos segmentos da sociedade".

Sua teoria sobre as cinco hierarquias das necessidades - a famosa pirâmide - uma das mais populares, segundo a psicóloga, coloca nos níveis baixos as necessidades mais básicas, enquanto que as mais complexas estão localizadas no topo da pirâmide. Aquelas situadas na parte inferior, são requisitos físicos fundamentais para a sobrevivência: comida, água, sono e calor. Uma vez que o essencial na vida esteja atendido, as pessoas podem passar para o próximo nível de conquistas, que ele define como segurança: do corpo, emprego, recursos da moralidade, saúde e propriedade.

Para Maslow, segundo Cereja, as pessoas costumam progredir acima da pirâmide. Desta forma, suas ambições e desejos adquirem cada vez mais um caráter psicológico e social individual. Logo, "a carência de amor, amizade e intimidade tornam-se também importantes. Mais acima na pirâmide, a estima pessoal e os sentimentos de realização aparecem como propriedades. Assim como Carl Rogers, Maslow dá extrema importância à autorrealização, processo de crescimento e evolução que permite à pessoa desenvolver o potencial individual", finaliza.


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Psicologia Humanista

Para grande parte dos psicólogos, "a Psicologia Humanista resgata a individualidade, a subjetividade, as emoções próprias e particularidades de cada ser humano". Ideias defendidas por vários profissionais e, com maior veemência, por Carl Rogers.


"O Humanismo não é uma Escola de Pensamento, mas sim um aglomerado de diversas correntes teóricas", destaca uma das maiores comunidades de psicólogos do Brasil, reunida no site www.psicoloucos.com . Ao explicarem a origem desta corrente da psicologia, os profissionais declaram que foi fundada por Abraham Maslow, mas foi o psicanalista americano Carl Rogers, o maior expoente da obra humanista. "Depois de anos a finco praticando psicanálise, ele notou que seu estilo de terapia se diferenciara muito da psicanalítica formal. Ele utilizava outros métodos, como a fala livre, com poucas intervenções, e o aspecto do sentimento, tanto do paciente, como do terapeuta. Deu-se conta de que o paciente era detentor de seu tratamento", esclarecem. Eles acrescentam que Rogers apresentou três conceitos, que seriam agregados posteriormente para toda a Psicologia: "a congruência (ser o que se sente, sem mentir para si e para os outros), a empatia (capacidade de sentir o que o outro quer dizer, e de entender o seu sentimento), e a aceitação incondicional (aceitar o outro como este é, seus defeitos, angústias, etc.)."

Os acadêmicos e autores Adriana Furtado Holanda, William Barbosa Gomes e Gustavo Gauer, em Psicologia Humanista no Brasil (www.ufrgs.br), confirmam o sentido amplo do humanismo que transcende a psicologia. Segundo eles, este termo não sintetiza apenas a teoria, ou método, filosofia, e nem mesmo só uma vertente da psicologia. "É um movimento implícito na historicidade das ideias que aflora com maior ou menor intensidade de tempos em tempos. Enquanto mensagem, alcança uma variedade de grupos, dos mais diferentes modos, em função de um estado de opressão individual e social. Enquanto força de mobilização, pode estar na base da busca individual por mudança de sentido de vida, ou na mobilização de grandes massas por justiça e reformas sociais", destacam. 

Os autores acrescentam que "os humanismos têm em comum a ênfase no valor da individualidade. O humanismo individual, mais claramente identificado com o que se reconhece como psicologia humanista, tem como meta a promoção de revoluções individuais, isto é, o rompimento com um estilo de vida e com uma maneira de pensar. Em, contraste, o humanismo social, mais claramente identificado com uma psicologia sócio-histórica, é anti-individualista e enfatiza a união de forças em grandes movimentos solidários na promoção de mudanças sociais. Ambos os humanistas estão comprometidos com a melhoria da qualidade de vida".

Segundo os professores, "o aparecimento dos estudos da personalidade, como um esforço integrativo diante da dispersão e fragmentação das pesquisas em processos básicos, recuperou a centralidade da experiência  consciente para a Psicologia. A tendência foi representada pelos trabalhos de Eduard Spranger (1882-1963) e William Stern (1871-1938), na Alemanha; e de Gordon Allport (1897-1967), Abraham Maslow (1908-1970), Rollo May (1909-1994), Charlotte Bühler (1893-1974), e Carl Rogers (1902-1987), nos EUA". Eles esclarecem que esses autores, de várias formas, mas com muitos pontos em comum, sugeriram uma psicologia compreensiva capaz de "enxergar" o ser humano em sua particularidade e totalidade. "A repercussão destas ideias nos EUA deu origem a uma nova orientação no campo psicológico, que se tornou conhecida como a Terceira Força ou Psicologia Humanista. Em suma, os esforços dos experimentalistas na retomada das questões cognitivas, e dos compreensivistas na retomada das questões fenomenais e vivenciais trouxeram de volta o lugar da consciência na pesquisa e na prática psicológica", enfatizam.

Já Eugene T. Gendlin, Ph.D. da University of Chicago em "Celebrações e Problemas da Psicologia Humanista" (www.gruposerbh.com.br), conta que foi treinado por Carl Rogers e seu grupo (John Shlien, Jack Butler, Don Grummond entre outros) com quem trabalhou por onze anos. De acordo com ele, "Rogers pensava que a saúde ideia consistia na ausência de bloqueios, o funcionamento desimpedido de cada aspecto da experiência em relação com todos os demais". Ele lembra que, nos anos 50, Rogers escreveu um artigo sobre "A Pessoa em Funcionamento Pleno". O texto foi aceito, mas o editor insistiu na inserção de um parágrafo seu no início, explicando a sua discordância. Rogers retirou o artigo. Esta e outras experiências levaram Gendlin a iniciar uma nova revista, Psicoterapia: Teoria, Pesquisa e Prática. Ele diz que em 1963 publicou o texto de Rogers em seu primeiro volume.

O companheiro do revolucionário psicólogo norte-americano destaca que Rogers foi contrário a praticamente tudo o que parecia conhecido no campo da psicoterapia. "Ele modificou o papel do terapeuta, que não deveria impor as suas interpretações. (Qualquer pessoa pode pensar em duas ou mais interpretações das coisas humanas). Já não se pensava mais em 'bons' terapeutas que olhavam para os seus pacientes 'doentes' de cima para baixo. O paciente deixava de ser um objeto passivo de 'tratamento'. Rogers mudou o próprio termo 'paciente' para 'cliente'. Eliminou o modelo médico e tirou o novo termo do campo do Direito. 'O advogado é um especialista e um ponto de apoio, mas não quem toma as decisões que concernem à vida do cliente".

Além disso, conta Gendlin, os clientes foram convidados a irem fundo em suas próprias experiências. "O terapeuta estava à disposição para ouvir e partilhar cada nuance da experiência dos clientes. Rogers eliminou o divã. Isso era tão incomum, que um manual daquela época dedicou uma de suas poucas figuras a uma foto de duas pessoas sentadas, separadas por uma mesa. Tratava-se de uma figura da Terapia Centrada no Cliente! Ele eliminou o diagnóstico, a história do paciente, a tomada de notas durante a sessão, o distanciamento clínico, e todas as frias atitudes clássicas. Alguém que se graduava por intermédio de seus programas, tornava-se um novo tipo de psicólogo. Rogers criou um ponto de partida completamente renovado. Isso requereu uma imensa coragem", conclui.


Texto de Denise Berto retirado da Revista/Encarte Grande Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Negrume da Noite

 O negrume da noite

Reluziu o dia o perfil azeviche

Que a negritude criou

Constitui o universo de beleza

Explorado pela raça negra

Por isso o negro lutou

E acabou invejado e se consagrou

Ilê, Ilê, Ilê,

Tu és o senhor dessa grande nação

E hoje os negros clamam

A bênção, a bênção, a bênção


Odé comorodé

Ode are re odé

Comorodé ode ode are re


Música Paulinho do Reco e Cuiuba gravada por Virgínia Rodrigues em seu CD de estreia intitulado Sol Negro, lançado em 1997 pela Gravadora Natasha Records.

domingo, 19 de novembro de 2023

Carl Rogers 2

Carl Rogers é um dos grandes nomes da Psicologia. Cabe a ele o desenvolvimento de um método psicoterapêutico centralizado na pessoa. Possuía também preocupações com as situações de opressão política e conflitos sociais.


Carl Rogers é um dos eminentes psicólogos norte-americanos de sua geração. Com uma concepção pouco comum sobre a  natureza humana, elaborou uma psicoterapia original, que mais tarde deu origem a uma visão muito pessoal sobre a educação.

Rogers é um dos fundadores da abordagem humanista da psicologia com ênfase na pesquisa em psicoterapia. Ele ficou famoso por desenvolver um método psicoterapêutico centrado no próprio indivíduo. Segundo o seu pensamento, o terapeuta deveria desenvolver uma relação de confiança com o paciente, para que ele encontrasse sozinho a sua própria cura.

Fred Zimring, em Carl Rogers (Editora Massangana), descreve que "seu procedimento terapêutico provocou muitas controvérsias. Seu método correspondia à ideia que ele tinha da natureza humana. Considerava que cada pessoa possui a capacidade de se autoatualizar, a qual, uma vez liberada, lhe permitiria resolver os seus problemas. O terapeuta, segundo ele, mais do que agir como um especialista que compreende o problema e decide sobre a maneira de resolvê-lo, deve liberar o potencial que o paciente possui para resolver, por si mesmo, os seus problemas. Rogers prefere utilizar a palavra "cliente", em vez de paciente. É uma concepção de terapia que não poderia deixar de suscitar controvérsia, porque ela caminhava no sentido contrário da ideia, geralmente disseminada no seio da profissão, segunda a qual o paciente, ou o cliente, necessita de um especialista para resolver os seus problemas".

Rogers desenvolveu os seus conceitos humanísticos quando trabalhou com crianças problemáticas e abusadas. Assim, ele tentou mudar o panorama do mundo da psicoterapia, afirmando de forma corajosa e inovadora que psicanalistas, terapeutas experimentais e comportamentais estavam impedindo seus clientes de nunca atingir a autorrealização e o autocrescimento, devido à sua análise autoritária. Para ele, os terapeutas deveriam permitir que os pacientes descobrissem as suas soluções pessoais.

Por meio de esforços extensivos em expressar a sua teoria da personalidade por meio da publicação de livros e palestras, ele ganhou muita atenção e seguidores. Entretanto, o seu trabalho também teve a oposição de muitos estudiosos.

Quando Carl Rogers começou a exercer o seu trabalho como terapeuta, a psicoterapia nos Estados Unidos era uma atividade reservada exclusivamente aos médicos. Entretanto, ele era contra esta situação, pois considerava que a atividade deveria ser exercida por aqueles que tivessem formação em Psicologia.


Vida


Carl Ransom Rogers nasceu em 1902, em Oak Park, Illinois, subúrbio de Chicago; era o quarto dos seis filhos do casal Walter A. Rogers, um engenheiro civil bem sucedido e Julie Cushing, uma dona de casa dedicada. Sua família era extremamente unida, religiosa (cristianismo protestante) e fechada.

De acordo com os seus biógrafos, seus pais controlavam o comportamento dos filhos de uma forma sutil. Entretanto, apesar das restrições sociais, Rogers e seus irmãos recebiam incentivos intelectuais dos pais. Assim, Rogers foi criado em um ambiente religioso ético, e se tornou uma pessoa independente, disciplinada, porém muito isolado socialmente.

Aos doze anos, mudou-se com a família para uma fazenda a cerca de 30 km de Chicago, onde passou a adolescência. A mudança para o campo se deu porque seu pai pretendia afastar os filhos das más influências da vida na cidade. Foi ali que Rogers desenvolveu um interesse pelos métodos experimentais e passou a sentir atração e respeito pelo desenvolvimento do conhecimento e pela forma científica de se abordar um problema.

Diante desses fatos, é perfeitamente natural compreender que Rogers inclinou-se para trabalhos voltados à agricultura. Em 1919, ingressou no curso de Agronomia, na Universidade de Wisconsin. Pouco depois se interessou pelos meios evangélicos e mudou para o curso de História, com o intuito de dedicar-se posteriormente à carreira religiosa.

Nessa época, ele foi escolhido para participar, em Pequim, do Congresso Internacional da Federação Mundial de Estudantes Cristãos. Rogers permaneceu seis meses na cidade, onde viveu experiências inovadoras que ampliaram o seu pensamento. Ele passou a duvidar e a questionar algumas de suas ideias religiosas básicas. Assim, abandonou parte de suas convicções. Em sua obra Tornar-se Pessoa (Martins Fontes) ele diz: "fui forçado a admitir e a compreender como é que pessoas sinceras e honestas podiam acreditar em doutrinas religiosas muito divergentes. Emancipei-me pela primeira vez da atitude religiosa dos meus pais e vi que já não os podia seguir (...) compreendi que foi nesse momento, mais do que em qualquer outro, que me tornei uma pessoa independente".

Quando concluiu sua graduação em História, em 1924, ele frequentou o Seminário da União Teológica em Nova Iorque, conhecido por suas concepções liberais e, ao mesmo tempo, academicamente bem conceituado. "Lá, Rogers tem contato com disciplinas do curso de Psicologia e decide transferir-se para o Teachers College da Universidade da Columbia para frequentar o curso de Psicologia Clínica e Psicopedagogia", diz Mariana Tavares em Carl Ransom Rogers - Uma trajetória de vida inspiradora (carlrogers.org.br). "Foi influenciado pela filosofia de Dewey e pela psicóloga Leta Hollingworth. Obteve seu grau de mestre em 1928 e doutor em 1931. Suas primeiras experiências clínicas e psicoterápicas ocorreram no Instituto de Aconselhamento Infantil de Nova Iorque, de forte orientação psicanalítica. Rogers pôde perceber uma clara incompatibilidade entre o pensamento freudiano e as ideias fortemente estatísticas do Teachers' College. Segundo Rogers: 'nesse tempo tinha a impressão de viver em dois mundos diferentes e nunca os dois iriam se encontra'".

Rogers tornou-se especialista em psicologia clínica e, notadamente, em terapia infantil, profissão que exerceu durante doze anos, na Rochester Child Guidance Clinic. De 1935 a 1940, foi professor na Universidade de Rochester. Nessa época, lançou O Tratamento Clínico da Criança Problema, baseado em suas experiências profissionais com crianças. Em 1940, passou a lecionar Psicologia clínica na Universidade de Ohio. Dois anos depois lançou seu segundo livro Psicoterapia e Consulta Psicológica.

Atendendo a um convite, criou em 1945 um centro de aconselhamento da Universidade de Chicago. Tavares descreve que o período de 1945 a 1957 foi muito rico em experiências para Rogers, o que resultou na publicação de uma vasta bibliografia, "com destaque para a publicação do livro Terapia Centrada no Cliente (1951), que continha a sua teoria formal sobre a terapia, a sua teoria da personalidade e algumas pesquisas que corroboraram com a sua abordagem. Rogers obteve reconhecimento profissional, sendo eleito presidente da Associação Americana de Psicologia (1946) e da Academia Americana de Psicoterapeutas (1956). Recebeu um prêmio da Associação Americana de Psicologia, em 1956, por ter desenvolvido um método original para descrever e analisar o processo terapêutico, por ter formulado uma teoria da psicoterapia e dos seus efeitos na personalidade e no comportamento, susceptível de ser testada, pela extensa e sistemática pesquisa para explicitar o valor do método e explorar e testar as implicações da teoria".

De 1957 a 1963, lecionou na Universidade de Wisconsin, Madison. Nesse período escreveu a sua obra mais célebre Tornar-se Pessoa. De acordo com Tavares, o livro vendeu mais de um milhão de cópias. O sucesso se deve ao fato de não ter sido escrito exclusivamente para terapeutas, mas para todos os interessados em relacionamentos humanos, independentemente da profissão. Na obra, ele "explora a aplicação dos princípios da Terapia Centrada no Cliente em outros domínios humanos como a educação, as relações impessoais, familiares e criatividade. Rogers aproxima a sua abordagem de uma filosofia de vida, uma maneira de ser".

Em 1964, mudou-se para La Jolla, Califórnia, devido a um trabalho no Western Behavioral Studies Institute (Instituto de Estudos Comportamentais do Oeste. Ele ficou ali até sua morte, em 1987.


Método


Carl Rogers é considerado um inovador no ramo da psicologia. No início de sua carreira, ele acreditava ser capaz de resolver os problemas das pessoas. Da mesma forma que seus colegas de profissão, ele deveria controlar a relação com o paciente, analisando-o e tratando-o como se fosse um objeto. Entretanto, percebeu a ineficácia deste método, pois o avanço do tratamento dependia da profundidade do entendimento e da sinceridade entre os dois indivíduos sentados em um consultório. Assim, concluiu que os resultados eram mais positivos quando ele permitia que os pacientes dirigissem o processo, dando início à forma de Terapia Centrada na Pessoa.

Segundo Tom Butler-Bowdon, em 50 Grandes Mestres da Psicologia (Universo dos Livros), no lugar de tentar "consertar" as pessoas, Rogers considerou ser mais importante escutar completamente o que eles tinham a dizer. Essa postura dava aos pacientes a oportunidade de aceitarem os seus pensamentos e, após diversas sessões, curarem a si próprias. Rogers resumia a sua filosofia em "simplesmente ser eu mesmo e deixar a outra pessoa ser ela mesma".

Outra inovação criada por Rogers está relacionada à postura do terapeuta que tradicionalmente deveria ser sempre a de uma pessoa calma e controlada que escutava os seus pacientes. "Ele afirmou o direito dos terapeutas a ter personalidade e a expressar as suas próprias emoções. Se, por exemplo, ele se sentisse hostil ou irritado não fingiria ser um médico agradável, desconectado. Se não tivesse uma resposta, não alegaria que tinha. Se a relação com o paciente deveria se apoiar na franqueza, ele pensou, deveria incluir os humores e sentimentos do profissional", explica Butler-Bowdon.

Na elaboração de seus conceitos e ideias, Rogers sofreu influências do filósofo existencialista Martins Buber e o seu conceito de "confirmar" o outro. Na verdade, Rogers tinha a ideia de que a vida é um processo fluído e que o indivíduo realizado deveria, antes de qualquer coisa, aceitar a si mesmo como um fluxo de "tornar-se" e não como alguma coisa terminada.

Assim, segundo o estudioso, cada pessoa possui em si mesmo as respostas para as suas próprias inquietações, assim como as habilidades necessárias para a resolução de seus problemas. Neste contexto, considera-se que o sentimento de pena e o determinismo seriam apenas maneiras de negar a capacidade de realização de cada pessoa.

Butler-Bowdon considera que o impacto das ideias de Carl Rogers foi muito além da psicologia. A ênfase dada à necessidade de as pessoas enxergarem a si mesmas como um processo fluído em constante transformação no lugar de uma "coisa fixa" fez parte das ideias que cercaram e envolveram a revolução da contracultura, da década de 1960. Sua influência ainda pode ser percebida nos dias de hoje em diversos trabalhos e obras de sucesso.

Atualmente é possível perceber a existência de muitos nomes para a Abordagem Baseada na Pessoa (ACP). Orientadores educacionais, pedagogos, psicólogos e até mesmo professores utilizam outros termos como, por exemplo Orientação Não Diretiva, Psicoterapia Humanista-Existencial, Terapia Centrada no Cliente, Pedagogia Centrada no Aluno, Abordagem Experiencial, Gestão Humana Existencial de Recursos Humanos, Mediação de Conflitos Sociais pela ACP, Políticos ou Raciais Centrados na Pessoa, etc.


Em nome da Paz


Carl Rogers foi muito mais que um psicólogo famoso ou um estudioso que criou teorias que marcaram profundamente o pensamento humano. Seu trabalho não ficou restrito aos meios da psicologia. Durante a década de 1950, por exemplo, foi uma das pessoas que questionou o macartismo, criticando muitos acontecimentos dessa época, considerando-os retrógrados e inadmissíveis para uma sociedade do século 20.

Suas experiências religiosas, que se iniciaram na juventude, se expandiram. Ele acreditava na possibilidade de um mundo melhor para as pessoas, sem ignorar que momentos de dor e sofrimento poderiam estar presentes na vida de qualquer um.

Zimring explica que o pensamento do psicólogo é melhor compreendido quando se considera que nasceu em uma família do meio oeste americano, onde os valores rurais eram prezados. Alguns deles, por exemplo, incentivaram a autonomia. Provavelmente devido a estas influências, ele criou a ideia de que o indivíduo agirá sempre para o seu próprio bem se ele não for obrigado a se conformar com alguma aprendizagem determinada pela sociedade. "A experiência adquirida por Rogers no meio rural o convencera sobre o vigor e sobre o caráter inelutável do crescimento, ou da germinação dos elementos naturais", diz Zimring.

Rogers, nos últimos anos de sua vida, propôs soluções para situações de opressão política e conflito social. Para tanto, realizou workshops em diversas regiões do mundo. Ele esteve com católicos e protestantes na Irlanda do Norte, Belfast, com brancos e negros na África do Sul e com os sobreviventes da ditadura. Aos 85 anos, realizou sua última viagem para a União Soviética, onde realizou palestras vivenciais com o intuito de promover a comunicação e a criatividade.

Em 1987, foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz, pouco tempo depois da sua morte que ocorreu em consequência de uma queda e uma fratura da pélvis. Este acidente deu origem a complicações no pâncreas e em poucos dias ele morreu. Seus biógrafos relatam que ele se encontrava nessa época, apesar da idade, lúcido e extremamente ativo.


Texto de Ana Elizabeth Cavalcanti retirado da Revista Grandes Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.