domingo, 19 de novembro de 2023

Carl Rogers 2

Carl Rogers é um dos grandes nomes da Psicologia. Cabe a ele o desenvolvimento de um método psicoterapêutico centralizado na pessoa. Possuía também preocupações com as situações de opressão política e conflitos sociais.


Carl Rogers é um dos eminentes psicólogos norte-americanos de sua geração. Com uma concepção pouco comum sobre a  natureza humana, elaborou uma psicoterapia original, que mais tarde deu origem a uma visão muito pessoal sobre a educação.

Rogers é um dos fundadores da abordagem humanista da psicologia com ênfase na pesquisa em psicoterapia. Ele ficou famoso por desenvolver um método psicoterapêutico centrado no próprio indivíduo. Segundo o seu pensamento, o terapeuta deveria desenvolver uma relação de confiança com o paciente, para que ele encontrasse sozinho a sua própria cura.

Fred Zimring, em Carl Rogers (Editora Massangana), descreve que "seu procedimento terapêutico provocou muitas controvérsias. Seu método correspondia à ideia que ele tinha da natureza humana. Considerava que cada pessoa possui a capacidade de se autoatualizar, a qual, uma vez liberada, lhe permitiria resolver os seus problemas. O terapeuta, segundo ele, mais do que agir como um especialista que compreende o problema e decide sobre a maneira de resolvê-lo, deve liberar o potencial que o paciente possui para resolver, por si mesmo, os seus problemas. Rogers prefere utilizar a palavra "cliente", em vez de paciente. É uma concepção de terapia que não poderia deixar de suscitar controvérsia, porque ela caminhava no sentido contrário da ideia, geralmente disseminada no seio da profissão, segunda a qual o paciente, ou o cliente, necessita de um especialista para resolver os seus problemas".

Rogers desenvolveu os seus conceitos humanísticos quando trabalhou com crianças problemáticas e abusadas. Assim, ele tentou mudar o panorama do mundo da psicoterapia, afirmando de forma corajosa e inovadora que psicanalistas, terapeutas experimentais e comportamentais estavam impedindo seus clientes de nunca atingir a autorrealização e o autocrescimento, devido à sua análise autoritária. Para ele, os terapeutas deveriam permitir que os pacientes descobrissem as suas soluções pessoais.

Por meio de esforços extensivos em expressar a sua teoria da personalidade por meio da publicação de livros e palestras, ele ganhou muita atenção e seguidores. Entretanto, o seu trabalho também teve a oposição de muitos estudiosos.

Quando Carl Rogers começou a exercer o seu trabalho como terapeuta, a psicoterapia nos Estados Unidos era uma atividade reservada exclusivamente aos médicos. Entretanto, ele era contra esta situação, pois considerava que a atividade deveria ser exercida por aqueles que tivessem formação em Psicologia.


Vida


Carl Ransom Rogers nasceu em 1902, em Oak Park, Illinois, subúrbio de Chicago; era o quarto dos seis filhos do casal Walter A. Rogers, um engenheiro civil bem sucedido e Julie Cushing, uma dona de casa dedicada. Sua família era extremamente unida, religiosa (cristianismo protestante) e fechada.

De acordo com os seus biógrafos, seus pais controlavam o comportamento dos filhos de uma forma sutil. Entretanto, apesar das restrições sociais, Rogers e seus irmãos recebiam incentivos intelectuais dos pais. Assim, Rogers foi criado em um ambiente religioso ético, e se tornou uma pessoa independente, disciplinada, porém muito isolado socialmente.

Aos doze anos, mudou-se com a família para uma fazenda a cerca de 30 km de Chicago, onde passou a adolescência. A mudança para o campo se deu porque seu pai pretendia afastar os filhos das más influências da vida na cidade. Foi ali que Rogers desenvolveu um interesse pelos métodos experimentais e passou a sentir atração e respeito pelo desenvolvimento do conhecimento e pela forma científica de se abordar um problema.

Diante desses fatos, é perfeitamente natural compreender que Rogers inclinou-se para trabalhos voltados à agricultura. Em 1919, ingressou no curso de Agronomia, na Universidade de Wisconsin. Pouco depois se interessou pelos meios evangélicos e mudou para o curso de História, com o intuito de dedicar-se posteriormente à carreira religiosa.

Nessa época, ele foi escolhido para participar, em Pequim, do Congresso Internacional da Federação Mundial de Estudantes Cristãos. Rogers permaneceu seis meses na cidade, onde viveu experiências inovadoras que ampliaram o seu pensamento. Ele passou a duvidar e a questionar algumas de suas ideias religiosas básicas. Assim, abandonou parte de suas convicções. Em sua obra Tornar-se Pessoa (Martins Fontes) ele diz: "fui forçado a admitir e a compreender como é que pessoas sinceras e honestas podiam acreditar em doutrinas religiosas muito divergentes. Emancipei-me pela primeira vez da atitude religiosa dos meus pais e vi que já não os podia seguir (...) compreendi que foi nesse momento, mais do que em qualquer outro, que me tornei uma pessoa independente".

Quando concluiu sua graduação em História, em 1924, ele frequentou o Seminário da União Teológica em Nova Iorque, conhecido por suas concepções liberais e, ao mesmo tempo, academicamente bem conceituado. "Lá, Rogers tem contato com disciplinas do curso de Psicologia e decide transferir-se para o Teachers College da Universidade da Columbia para frequentar o curso de Psicologia Clínica e Psicopedagogia", diz Mariana Tavares em Carl Ransom Rogers - Uma trajetória de vida inspiradora (carlrogers.org.br). "Foi influenciado pela filosofia de Dewey e pela psicóloga Leta Hollingworth. Obteve seu grau de mestre em 1928 e doutor em 1931. Suas primeiras experiências clínicas e psicoterápicas ocorreram no Instituto de Aconselhamento Infantil de Nova Iorque, de forte orientação psicanalítica. Rogers pôde perceber uma clara incompatibilidade entre o pensamento freudiano e as ideias fortemente estatísticas do Teachers' College. Segundo Rogers: 'nesse tempo tinha a impressão de viver em dois mundos diferentes e nunca os dois iriam se encontra'".

Rogers tornou-se especialista em psicologia clínica e, notadamente, em terapia infantil, profissão que exerceu durante doze anos, na Rochester Child Guidance Clinic. De 1935 a 1940, foi professor na Universidade de Rochester. Nessa época, lançou O Tratamento Clínico da Criança Problema, baseado em suas experiências profissionais com crianças. Em 1940, passou a lecionar Psicologia clínica na Universidade de Ohio. Dois anos depois lançou seu segundo livro Psicoterapia e Consulta Psicológica.

Atendendo a um convite, criou em 1945 um centro de aconselhamento da Universidade de Chicago. Tavares descreve que o período de 1945 a 1957 foi muito rico em experiências para Rogers, o que resultou na publicação de uma vasta bibliografia, "com destaque para a publicação do livro Terapia Centrada no Cliente (1951), que continha a sua teoria formal sobre a terapia, a sua teoria da personalidade e algumas pesquisas que corroboraram com a sua abordagem. Rogers obteve reconhecimento profissional, sendo eleito presidente da Associação Americana de Psicologia (1946) e da Academia Americana de Psicoterapeutas (1956). Recebeu um prêmio da Associação Americana de Psicologia, em 1956, por ter desenvolvido um método original para descrever e analisar o processo terapêutico, por ter formulado uma teoria da psicoterapia e dos seus efeitos na personalidade e no comportamento, susceptível de ser testada, pela extensa e sistemática pesquisa para explicitar o valor do método e explorar e testar as implicações da teoria".

De 1957 a 1963, lecionou na Universidade de Wisconsin, Madison. Nesse período escreveu a sua obra mais célebre Tornar-se Pessoa. De acordo com Tavares, o livro vendeu mais de um milhão de cópias. O sucesso se deve ao fato de não ter sido escrito exclusivamente para terapeutas, mas para todos os interessados em relacionamentos humanos, independentemente da profissão. Na obra, ele "explora a aplicação dos princípios da Terapia Centrada no Cliente em outros domínios humanos como a educação, as relações impessoais, familiares e criatividade. Rogers aproxima a sua abordagem de uma filosofia de vida, uma maneira de ser".

Em 1964, mudou-se para La Jolla, Califórnia, devido a um trabalho no Western Behavioral Studies Institute (Instituto de Estudos Comportamentais do Oeste. Ele ficou ali até sua morte, em 1987.


Método


Carl Rogers é considerado um inovador no ramo da psicologia. No início de sua carreira, ele acreditava ser capaz de resolver os problemas das pessoas. Da mesma forma que seus colegas de profissão, ele deveria controlar a relação com o paciente, analisando-o e tratando-o como se fosse um objeto. Entretanto, percebeu a ineficácia deste método, pois o avanço do tratamento dependia da profundidade do entendimento e da sinceridade entre os dois indivíduos sentados em um consultório. Assim, concluiu que os resultados eram mais positivos quando ele permitia que os pacientes dirigissem o processo, dando início à forma de Terapia Centrada na Pessoa.

Segundo Tom Butler-Bowdon, em 50 Grandes Mestres da Psicologia (Universo dos Livros), no lugar de tentar "consertar" as pessoas, Rogers considerou ser mais importante escutar completamente o que eles tinham a dizer. Essa postura dava aos pacientes a oportunidade de aceitarem os seus pensamentos e, após diversas sessões, curarem a si próprias. Rogers resumia a sua filosofia em "simplesmente ser eu mesmo e deixar a outra pessoa ser ela mesma".

Outra inovação criada por Rogers está relacionada à postura do terapeuta que tradicionalmente deveria ser sempre a de uma pessoa calma e controlada que escutava os seus pacientes. "Ele afirmou o direito dos terapeutas a ter personalidade e a expressar as suas próprias emoções. Se, por exemplo, ele se sentisse hostil ou irritado não fingiria ser um médico agradável, desconectado. Se não tivesse uma resposta, não alegaria que tinha. Se a relação com o paciente deveria se apoiar na franqueza, ele pensou, deveria incluir os humores e sentimentos do profissional", explica Butler-Bowdon.

Na elaboração de seus conceitos e ideias, Rogers sofreu influências do filósofo existencialista Martins Buber e o seu conceito de "confirmar" o outro. Na verdade, Rogers tinha a ideia de que a vida é um processo fluído e que o indivíduo realizado deveria, antes de qualquer coisa, aceitar a si mesmo como um fluxo de "tornar-se" e não como alguma coisa terminada.

Assim, segundo o estudioso, cada pessoa possui em si mesmo as respostas para as suas próprias inquietações, assim como as habilidades necessárias para a resolução de seus problemas. Neste contexto, considera-se que o sentimento de pena e o determinismo seriam apenas maneiras de negar a capacidade de realização de cada pessoa.

Butler-Bowdon considera que o impacto das ideias de Carl Rogers foi muito além da psicologia. A ênfase dada à necessidade de as pessoas enxergarem a si mesmas como um processo fluído em constante transformação no lugar de uma "coisa fixa" fez parte das ideias que cercaram e envolveram a revolução da contracultura, da década de 1960. Sua influência ainda pode ser percebida nos dias de hoje em diversos trabalhos e obras de sucesso.

Atualmente é possível perceber a existência de muitos nomes para a Abordagem Baseada na Pessoa (ACP). Orientadores educacionais, pedagogos, psicólogos e até mesmo professores utilizam outros termos como, por exemplo Orientação Não Diretiva, Psicoterapia Humanista-Existencial, Terapia Centrada no Cliente, Pedagogia Centrada no Aluno, Abordagem Experiencial, Gestão Humana Existencial de Recursos Humanos, Mediação de Conflitos Sociais pela ACP, Políticos ou Raciais Centrados na Pessoa, etc.


Em nome da Paz


Carl Rogers foi muito mais que um psicólogo famoso ou um estudioso que criou teorias que marcaram profundamente o pensamento humano. Seu trabalho não ficou restrito aos meios da psicologia. Durante a década de 1950, por exemplo, foi uma das pessoas que questionou o macartismo, criticando muitos acontecimentos dessa época, considerando-os retrógrados e inadmissíveis para uma sociedade do século 20.

Suas experiências religiosas, que se iniciaram na juventude, se expandiram. Ele acreditava na possibilidade de um mundo melhor para as pessoas, sem ignorar que momentos de dor e sofrimento poderiam estar presentes na vida de qualquer um.

Zimring explica que o pensamento do psicólogo é melhor compreendido quando se considera que nasceu em uma família do meio oeste americano, onde os valores rurais eram prezados. Alguns deles, por exemplo, incentivaram a autonomia. Provavelmente devido a estas influências, ele criou a ideia de que o indivíduo agirá sempre para o seu próprio bem se ele não for obrigado a se conformar com alguma aprendizagem determinada pela sociedade. "A experiência adquirida por Rogers no meio rural o convencera sobre o vigor e sobre o caráter inelutável do crescimento, ou da germinação dos elementos naturais", diz Zimring.

Rogers, nos últimos anos de sua vida, propôs soluções para situações de opressão política e conflito social. Para tanto, realizou workshops em diversas regiões do mundo. Ele esteve com católicos e protestantes na Irlanda do Norte, Belfast, com brancos e negros na África do Sul e com os sobreviventes da ditadura. Aos 85 anos, realizou sua última viagem para a União Soviética, onde realizou palestras vivenciais com o intuito de promover a comunicação e a criatividade.

Em 1987, foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz, pouco tempo depois da sua morte que ocorreu em consequência de uma queda e uma fratura da pélvis. Este acidente deu origem a complicações no pâncreas e em poucos dias ele morreu. Seus biógrafos relatam que ele se encontrava nessa época, apesar da idade, lúcido e extremamente ativo.


Texto de Ana Elizabeth Cavalcanti retirado da Revista Grandes Ícones do Conhecimento, número 07, Mythos Editora, São Paulo.

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