domingo, 5 de novembro de 2023

De macacos para homens suados

Fundamental na regulagem térmica do corpo, a transpiração ajudou na evolução


Com o planeta passando por mudanças climáticas que o tornarão mais quente, o estudo do suor voltou a ter peso. Uma das descobertas mais recentes dá conta de que a transpiração contribuiu para a própria evolução do ser humano. "Geralmente se diz que os cérebros grandes tornaram possível a nossa evolução de macaco a humano. Mas eles nunca poderiam ter se desenvolvido se não tivéssemos uma pele excepcionalmente suarenta", disse a antropóloga Nina G. Jablonski, da Universidade Estadual da Pensilvânia, em entrevista ao jornal "The New York Times".

Autora do livro "Skin: A Natural History" (Pele: Uma História Natural, sem tradução em português), Nina explica: A transpiração regula o calor. Quando os ancestrais humanos foram para as savanas africanas, passaram a correr longas distâncias em pleno sol tropical. Os músculos em grande atividade esquentam o corpo (por isso suamos tanto ao fazer exercícios, para resfriar). Um cérebro maior necessitava de um resfriamento melhor. Os indivíduos com cérebro grande e maior número de glândulas sudoríparas - e consequentemente menos pelos - estavam melhor adaptados a esse ambiente. Para possibilitar essa adequação, o corpo conta com um sistema aparentemente paradoxal que retira líquido por meio dos poros para diminuir a temperatura. Para que ele vire vapor, é preciso energia térmica, que é extraída do corpo na transpiração. Ao expulsar calor, o corpo acaba se resfriando.

Hoje um ser humano tem em média 2,6 milhões de glândulas sudoríparas, mas há quem tenha até 4 milhões. Há dois tipos delas, o que explica a diferença entre o cheiro do suor do corpo e aquele específico das axilas. As glândulas écrinas - responsáveis por secreções incolores e inodoras, compostas por 99% de água - estão em todo o corpo; já as apócrinas ficam nas axilas e nas áreas anal e genital, embora a genitália externa não tenha glândulas. O suor é constituído basicamente de água e cloreto de sódio (sal de cozinha), mas o que sai das glândulas apócrinas inclui proteínas e ácidos graxos (que, metabolizados por bactérias, causam o odor que se tenta combater com desodorantes).

E por que uns suam mais que outros? Segundo o médico Craig Crandall, especialista em termo-regulação da Universidade do Texas, idade, sexo, genética, peso e forma do corpo têm seu papel. O "termostato" do corpo é uma região do cérebro chamada hipotálamo. Para funcionar corretamente, a temperatura oscila em torno de 37°C ao longo do dia (menos pela manhã, mais à tarde). Basta passar um pouco disso para atingir o estado de febre - que costuma ser letal a partir de 43-44°C. Na menopausa, mulheres que sentem ondas de calor estão sofrendo o efeito desse "termostato" desregulado.

Por falar em ondas de calor, elas têm matado grande número de idosos, especialmente na Europa. A partir dos 60 anos, o ser humano começa a suar menos. Seus cérebros podem não estar enviando os comandos à glândulas. A dilatação dos vasos sanguíneos também ajuda a eliminar calor, mas pessoas de idade têm veias e artérias menos elásticas. Vários remédios também podem afetar a transpiração, como relaxantes musculares ou pílulas para dormir. E pessoas idosas em geral usam mais medicamentos.

A coisa piora com a umidade. Com o ar saturado de água, a evaporação do suor diminui. Uma vítima de insolação para de suar, por motivo desconhecido. Pode ser que as células nervosas superaquecidas parem de enviar sinais para o corpo suar. Ou o estresse térmico pode liberar substâncias que aumentam a temperatura - como se o corpo tentasse combater uma infecção por meio da febre.

Consumidores de cocaína também podem "desligar" o termostato cerebral. Um estudo de Crandall e colegas na revista médica. "Annals of Internal Medicine" mostrou que a droga afeta a capacidade de o corpo regular a temperatura. A pessoa que fez uso da droga não sente quando está ficando perigosamente quente. Achava-se que o problema vinha da maior agitação e atividade muscular, mas a droga de fato causa diminuição da transpiração e da dilatação dos vasos sanguíneos.

Para estudar o suor, os cientistas Robert Farrington, John e Desikan Bharathan, do Laboratório Nacional de Energia Renovável, EUA, até já construíram um aliado: Adam, o manequim capaz de suar. Eles colaboraram com Heather Paul, Grant Bue e Luis Trevino, do Centro  Espacial Johnson, da Nasa, para testar roupas de astronauta no boneco. Adam tem sensores de temperatura, poros e um reservatório de líquido. Foi projetado para testar a eficiência do ar-condicionado de automóveis, mas pode ajudar a compreender a nossa evolução.


Texto de Ricardo Bonalume Neto retirado do Revista Galileu, Outubro 2007, nº 195, Editora Globo, São Paulo.

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