quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Razões de Estado

Acidentes geográficos e peso da religião no cotidiano das regiões determinaram a origem dos nomes das Unidades Federativas do Brasil


Num país marcado por êxodos e migrações, em que todas as regiões estão em contínua permuta de falantes do idioma, os Estados federativos marcam suas diferenças por fronteiras mais político-econômicas do que  propriamente geográficas e linguísticas.

Das capitanias hereditárias à Constituição de 1988, que estabeleceu a  configuração moderna do país, até as divisões territoriais que geraram Tocantins e Mato Grosso do Sul, o Brasil sacramentou divisões regionais que estimularam maneiras diferentes de falar. Mas que parecem pesar menos entre duas pessoas de mesmo nível cultural de regiões distintas do que entre uma pessoa  analfabeta e outra culta de um mesmo Estado.

As contradições sociais não apagam as divisões de origem, no entanto, marcada por uma riqueza etimológica própria. Os Estados da federação têm nomes motivados po circunstâncias as mais variadas, mas em geral ligadas a acidentes geográficos ou à cultura religiosa. São ao todo 26 nomes, cada um com sua peculiaridade e sua história.


ACRE - O nome origina-se de "aqri" e "acri", formas pelas quais os exploradores da região, no século 19 transcreveram a palavra uwakuru (rio verde), do dialeto dos índios ipurinã, que designava o rio de águas barrentas e piscosas que atualmente marca a fronteira entre Brasil, Bolívia e Peru.

ALAGOAS - Contam-se mais de 30 lagoas na região, motivo pelo qual é conhecido como o "paraíso das águas". O nome do Estado é uma decorrência. Do latim lacus, significando diferentes tipos de reservatório de água (cisterna, tina, bacia etc). Lagoa é uma "lacuna" (um buraco) na terra, cheia de água. Houve a prótese da sílaba "a", sem alterar o significado.

AMAPÁ - Há pelo menos duas hipóteses. Uma delas é amapá, palavra do tupi que indica "lugar de chuva" (lugar, paba, chuva, amana). A outra possibilidade é que se tratasse do nome de uma árvore da região, de cuja casca se pode extrair um látex medicinal para tratar asma e outras afecções pulmonares, bem como cicatrizar feridas.

AMAZONAS - Diz a lenda que o explorador espanhol Francisco Orellana, em meados do século 16, encontrou uma tribo de mulheres na confluência do grande rio com o rio Madeira, e as comparou com as amazonas da mitologia grega. Segundo a etimologia popular, a palavra grega amazón deriva de a("sem") mazós (seio). Imaginava-se que essas guerreiras amputassem o seio direito para manejar melhor o arco-e-flecha. O nome foi transmitido ao grande rio e deste, ao Estado.

BAHIA - Baía é trecho de litoral (maior do que enseada e menor do que golfo) em que se pode aportar com segurança. O nome "Baía de Todos os Santos" foi criado pelo cartógrafo Américo Vespúcio, em 1501, na festa católica de 1º de novembro, ao chegar na caravela comandada por Gaspar de Lemos. Especula-se que "baía" provenha do latim tardio batare, isto é, "abrir". Do antigo francês baie ("abertura") proveio a forma ibérica baya (século 15), que levou à palavra "Bahia".

CEARÁ - No século 16, foi criada a capitania do Siará. O rio Siará emprestará seu nome ao Estado. Uma das explicações para que a palavra é que proveio do tupi siará, "onde canta a jandaia", pássaro da mesma família dos papagaios. Em Iracema, José de Alencar escreve que essa ave cantava ali, com voz plangente: "E foi assim foi que um dia veio a chamar-se Ceará o rio onde crescia o coqueiro, e os campos onde serpeia o rio."

ESPÍRITO SANTO - A capitania do Espírito Santo foi doada ao fidalgo português Vasco Fernandes Coutinho, que chegou à região do domingo de Pentecostes do ano de 1535. "Espírito" vem do latim spiritus, "sopro de vento", que recebeu a conotação metafísica de "sopro vital", "alma". Teologicamente falando, o Espírito Santo é a terceira Pessoa da Santíssima Trindade.

GOIÁS - A origem para esse nome, ao que tudo indica, vincula-se à denominação da nação tupi goiaiase, que ocupava a região no final do século 16. Os índios goiás eram os "amigáveis". O termo gwa ya queria dizer "indivíduo igual", e, portanto, capaz de ser amigo.

MARANHÃO - Uma origem falsa, mas inventiva, é a frase "mar non", atribuída a supostos exploradores espanhóis ao constatarem que o rio, embora de grandes dimensões, não era mar. Uma possibilidade mais verossímil: o rio Maranhão, que passou a nomear o Estado, era chamado pelos indígenas de mara-rana, "semelhante ao mar.

MATO GROSSO (E MATO GROSSO DO SUL) - O povoamento colonial da região só começou, efetivamente, no século 17. No século seguinte, bandeirantes paulistas que percorriam a região em busca de índios e ouro, dirigindo-se para o oeste, encontraram 40 quilômetros de mato alto e espesso, quase impenetrável. O emaranhado da vegetação impressionava, por isso o apelido "mato grosso", que se tornou o nome da capitania e depois do Estado, desmembrado em dois em 1977.

MINAS GERAIS - Em oposição às minas particulares, localizadas na região dos rios das Velhas, das Mortes e dos Caetés, as minas gerais seriam aquelas encontradas em lugares longínquos, e daí o nome do Estado. Outra possibilidade é que as minas gerais eram as minas de ouro que pareciam brotar em todo lugar: Sabarabuçu, Itambé, Itabira, Ouro Preto, Ouro Branco, etc.

PARÁ - Para, em tupi, significa "rio caudaloso", e era como os índios denominavam o braço direito do Rio Amazonas. No início do século 17, os portugueses que fundaram o forte do Presépio, origem da cidade de Belém, batizaram a capitania de Feliz Lusitânia. O nome não vingou e foi substituído pelo de Grão-Pará (grande rio). Mais tarde, simplesmente Pará.

PARAÍBA - O Rio Paraíba recebeu esse nome do tupi: para, "rio caudaloso" + iba, "ruim", "feio", "impraticável". Rio ruim é aquele que não se presta à navegação. A capitania e depois o Estado herdaram o nome.

PARANÁ - Do tupi-guarani para e rana - parana, isto é, rio semelhante a um "rio caudaloso", muitas vezes equiparado à noção de mar.

PERNAMBUCO - Paranampuko, em tupi, significa "o mar furando". Em sua composição, temos parana, em referência ao mar, e puka, "rebentando", "furando". O mar "fura" a barreira de recifes e chega a terra. A capitania de Pernambuco também era chamada Nova Lusitânia, mas esse nome acabou sendo esquecido.

PIAUÍ - Rio cheio de piaus, "peixes grandes", na língua tupi, com boca pequena e fortes dentes. O i significa "água", "rio". Nomeando primeiramente o rio, um dos principais da região, passou a designar a capitania, a província e finalmente o Estado.

RIO DE JANEIRO - Em 1º de janeiro de 1502, os portugueses chegaram à tual Baía da Guanabara e batizaram a região de Rio de Janeiro, em referência ao mês, e por pensarem estar diante da foz de um grande rio. "Janeiro" provém do latim janua. "Janela", também. A janela é abertura para fora e para dentro de uma casa, e o mês de janeiro é o último adeus ao ano anterior e a primeira saudação ao novo ano.

RIO GRANDE DO NORTE - O Rio Potengi, por seu porte, era chamado de "rio grande" e sua forte presença deu nome à capitania e à província. O acréscimo "do Norte" se deveu à existência do Rio Grande do Sul. Potengi, em tupi-guarani, significa rio (i) dos campeões (poti).

RIO GRANDE DO SUL - A cidade de Rio Grande, litoral sul da região, fica às margens do estuário que une a Lagoa dos Patos ao Atlântico. Os primeiros colonizadores portugueses, no século 16, imaginando que o canal de entrada da lagoa fosse um grande rio, chamaram de "Rio Grande" o povoado que ali nasceu. Por seu a cidade mais antiga da região, daí surgiu o nome do Estado.

RONDÔNIA - Chamado, na década de 1940, Território Federal de Guaporé, recebeu o nome de "Rondônia" em 1956, em homenagem a Cândido Mariano da Silva Rondon (1865 - 1958), militar sertanista e indigenista, responsável pela integração da região ao restante do país.

RORAIMA - Até 1962, chamava-se Território Federal de Rio Branco. O nome Roraima origina-se das palavras rora, "verde", e imã, "monte", "serra", no idioma indígena ianomâmi. As belezas naturais da paisagem da região se refletem neste nome: "monte verde".

SANTA CATARINA - Conta-se que, no século 17, estabeleceu-se na ilha dos Patos (onde se localiza hoje a cidade de Florianópolis) o paulista Francisco Dias Velho, a quem se atribui a mudança do nome para ilha de Santa Catarina, em homenagem à santa italiana e, ao que consta, a uma de suas filhas, também assim chamada. O nome estendeu-se ao Estado.

SÃO PAULO - Os padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, fundando o seu colégio em 25 de janeiro de 1554 para catequizar os índios, deram início, no local, à Vila de São Paulo de Piratininga. Piratininga significava em tupi-guarani "peixe seco". Os jesuítas escolheram como protetor de sua missão um santo conhecido por ter desbravado os territórios pagãos.

SERGIPE - Provém do tupi cirigype, que significa "no rio dos siris". É o nome do rio cuja foz encontra-se a região metropolitana de Aracaju.

TOCANTINS - O Estado de Tocantins foi criado em julho de 1988. O nome provém do Rio Tocantins, que por sua vez provinha de uma tribo indígena da região, a tribo tocantin, que significa, em tupi, "bico/nariz de tucano", ave típica do local.


Texto de Gabriel Perissé retirado da Revista Língua Portuguesa Especial - Etimologia nº 2, Editora Segmento, São Paulo, Ano II, Março 2007.

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