Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícaras e pires, prato, bule, talheres, guardanapo. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, blocos de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetor de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras. Cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, chinelos. Vaso, descarga; pia, água, escova, creme dental, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.
quarta-feira, 4 de julho de 2012
A melhor mãe do mundo
Marta Medeiros
Você é. Sua vizinha também. A Maitê. A Malu. A Cláudia. Eu, naturalmente. Somos as melhores mães do mundo. Aliás, essa é a única categoria em que não há segundo lugar, todas as mães são campeãs, somos bilhões de " as melhores " espalhadas pelo planeta. Ao menos, as melhores para nossos filhos, que nunca tiveram outra.
Não é uma sorte ser considerada a melhor, mesmo se atrapalhando tanto? Mãe erra, crianças. E improvisa. Mãe não vem com manual de instruções: reage apenas aos mandamentos do coração, o que tem um inestimável valor, mas não substitui um bom planejamento estratégico. E planejamento é tudo o que uma mãe não consegue seguir, por mais que livros, revistas e psicólogos tentem orientar.
Um dia um exame confirma que você está grávida e a felicidade é imensa e o pânico também. Uau, vou ser responsável pela criação de um ser humano! (Papai também vai, mas em agosto a gente fala dele.) A partir daí, nunca mais a vida como era antes. Nunca mais a liberdade de sair pelo mundo sem dar explicações a ninguém. Nunca mais pensar em si mesma em primeiro lugar. Só depois que eles fizerem dezoito anos, e isso demora. E às vezes nem adianta.
O primeiro passo é se acostumar a ser uma pessoa que já não pode se guiar apenas pelos próprios desejos. Você continuará sendo uma mulher ativa, autêntica, batalhadora, independente, estupenda, mas cem por cento livre, esqueça. De maridos você escapa, dos próprios pais você escapa, mas da responsabilidade de ser mãe, jamais. E nem você quer. Ou será que gostaria?
De vez em quando, sim, gostaríamos de não ter esse compromisso com vidas alheias, de não precisar monitorar os passos dos filhotes, de não ter que se preocupar com a violência que eles terão que enfrentar, de não sofrer pelas dores-de-cotovelo deles, de não temer por suas fragilidades, de não ficar acordadas enquanto eles não chegam e de não perder a paciência quando eles fazem tudo ao contrário do que sonhamos.
Gostaríamos que eles não falassem mal de nós nos consultórios dos psiquiatras, que eles não nos culpassem por suas inseguranças, que não fôssemos razão de seus traumas, que esquecessem os momentos em que fomos severas demais e que nos perdoassem nas vezes em que fomos severas de menos. Há sempre um " demais " e um " de menos " nos perseguindo. Poucas vezes acertamos na intensidade dos nossos conselhos e críticas.
Mas é assim que somos: às vezes exageradamente enérgicas em momentos bobos, às vezes um tantinho condescendentes na hora de impor limites. A gente implica com alguns amigos deles e adora outros e não consegue explicar por quê, mas nossa intuição diz que estamos certas. Mas de que adianta estarmos certas se eles só se darão conta disso quando tiverem os próprios filhos?
Erramos em forçá-los a gostar de aipo, erramos em agasalhá-los tanto para as excursões do colégio, erramos em deixar que passem a tarde no computador em véspera de prova, erramos em não confiar quando eles dizem que sabem a matéria, erramos em nos escabelar porque eles estão com os olhos vermelhos (pode ser resfriado!), erramos quando não os olhamos nos olhos, erramos quando fazemos drama por nada, erramos um pouquinho todo dia por amor e por cansaço.
O que nos torna as melhores mães do mundo é que nossos erros serão sempre acertos, desde que estejamos por perto.
Obrigado por tudo, mãe. Feliz aniversário hoje e sempre... Beijão
crônica do livro " Doidas e Santas ".
terça-feira, 3 de julho de 2012
Lenda do Pequi
Marietta Telles Machado
Tainá-racan tinha os olhos cor de noite estrelada. Seus cabelos desciam pelas espáduas como um tufo de seda negra e luzidia. O andar era elegante, cadenciado, macio como o de uma deusa passeando, flor entre flores, no seio da mata. Maluá botou os olhos em Tainá-racan e o coração saltou, louco e fogoso, no peito do jovem e formoso guerreiro. " Ela é mesmo linda como a estrela da manhã. Quero-a para minha esposa. Hei de amá-la enquanto durar a minha vida! "
Doce foi o encontro e, juntos e casados, a vida dos dois era bela e alegre como o ipê florido. De madrugada, Maluá saía para a caça e para a pesca, enquanto a esposa tecia os colares, as esteiras, moqueava o peixe, preparando o calugi para ofertar ao amado, quando ele chegasse com o cesto às costas, carregado de peixe e frutas, as mais viçosas, para oferecer-lhe.
O tempo foi passando, passando. No enlevo do amor, eles não perceberam quantas vezes a lua viajou pela arcada azul do céu, quantas vezes o sol veio e se escondeu na sua casa do horizonte. Floriram os ipês. Caíram as flores. Amareleceram as folhas, que o vento levava em loucas revoadas pelos campos. Os vermelhos cajus arcavam de fartura e beleza os galhos dos cajueiros. As castanhas escondiam-se no seio da terra boa. Rebentavam-se em brotos, e novos cajueiros despontavam. As cigarras enchiam as matas com sua forte sinfonia e sua vida evolava-se, aos poucos, em cada nota de seu canto. Nascimentos, mortes, transformações e os dias andando, andando.
Após três anos de casamento, numa noite bonita, em que o rio era um calmo dorso de prata à luz do luar e os bichos noturnos cantavam fundas tristezas e medos, Maluá encostou a cabeça no peito de Tainá-racan e apertou-a com ternura. No olhar de ambos, há muito, havia uma sombra. Nenhum deles tinha a coragem de falar. Uma palavra de mágoa, temiam, poderia quebrar o encanto de seu amor. A beleza da noite estremecia o coração sensível de Tainá-racan. Ela ajuntou a alma dos lábios e perguntou com a voz trêmula em sussurro:
- Estás triste, amado meu? Nem é preciso que respondas. Há tempo vejo uma sombra nos teus olhos.
- Sim, respondeu o valente guerreiro. Tu sabes que eu estou triste e tu também estás. A dor é a mesma.
- Onde está nosso filho que Cananxiué não quer mandar?
- Sim, onde está nosso filho?...
Maluá alisou com carinho o ventre da formosa esposa. " E o nosso filho não vem ", murmurou. Dois pequeninos rios de lágrimas deslizaram pelas faces coradas de Tainá-racan. Um vento forte perpassou pela floresta. Uma nuvem escura cobriu a lua, que não mais tornava de prata as águas mansas do rio. trovões reboaram ao longe. Maluá envolveu Tainá-racan nos braços e amou-a. " Nosso filho virá sim. Cananxiué no-lo mandará. "
Quando os ipês voltaram a florir, no ano seguinte, numa madrugada alegre, nasceu Uadi - o arco-íris. Era lindo, gordinho, tinha os olhos cor da noite estrelada como os da mãe e era forte como o pai. Mas, havia algo diferente, algo que espantou o pai, a mãe, a tribo inteira: Uadi tinha os cabelos dourados como as flores do ipê. Maluá recebeu o nascimento do filho como um presente de Cananxuié. Seu coração, contudo, estremeceu com a singularidade dele. Começou a espalhar pela tribo a lenda de que o menino era filho de Cananxiué. O menino crescia cheio de encanto, alegria e de uma inteligência incomum. Fascinava a mãe, o pai, a aldeia, a tribo toda. Com rapidez incrível aprendeu o nome das coisas e dos bichos. Sabia cantar as baladas tristes e alegres que a mãe ensinava. Era a alegria e a festa da mãe, do pai, da tribo.
Um dia, Maluá, com outros guerreiros, foi chamado para a luta. Os olhos pretos de Tainá-racan encheram-se de lágrimas. O rostinho vivo de Uadi se ensombreceu. À despedida, seus bracinhos agarraram-se ao pescoço do pai e ele falou: " Papai, vou-me embora para a noite, depois, chegarei à casa de Tainá-racan, a mãe, lá no céu. " E seu dedinho róseo apontou o horizonte. O corpo de bronze do guerreiro se estremeceu. Seus lábios moveram-se, mas as palavras teimavam em não sair. Ele apertou, com força, o menino nos braços e, por fim, falou: " Que é isso, filhinho, tu não vais para lugar nenhum, nenhum deus te arrancará de mim. A tua casa é a casa de tua mãe, Tainá-racan, aqui na terra, e a de teu pai. Se for preciso, não partirei para a guerra. Ficarei contigo. "
Nesse momento, Cananxiué, o senhor de todas as matas, de todos os animais, de todos os montes, de todos os vales, de todas as águas e de todas as flores, desceu do céu sob a forma de Anderurá, a arara vermelha, e gritou forte: " Vim buscar meu filho! " Agarrou-o e levou-o pelos ares. Tainá-racan e Maluá caíram de joelhos. O guerreiro abriu os braços gritando: " O filho é nosso, sua casa é a casa de sua mãe, Tainá-racan, aqui na terra! Devolve meu filho, Cananxiué! " O grito de Maluá ecoou pela mata, ferindo de dor o silêncio. O peito do guerreiro palpitava de sofrimento como uma montanha ferida pelo terremoto. O velho chefe guerreiro aproximou-se dele, bateu-lhe no ombro e bradou: " Teus companheiros já partem. Maior que tua dor é tua honra de guerreiro e a glória de nossa tribo! Vai, meu filho. Cananxiué buscou o que é dele. Muitos outros filhos ele te dará. Tainá-racan é jovem. Vai, guerreiro, não deixa a dor matar tua coragem! "
Maluá partiu. Tainá-racan encostou a fronte na terra, onde pouco antes pisavam os pezinhos encantados de Uadi. Chorou. Chorou. Chorou três dias e três noites. Então, Cananxiué se apiedou dela. Baixou à terra e disse: " Das tuas lágrimas nascerá uma planta, que se transformará numa árvore copada. Ela dará flores cheirosas que os veados, capivaras e lobos virão comer nas noites de luar. Depois, nascerão os frutos. Dentro da casca verde, os frutos serão dourados como os cabelos de Uadi. Mas a semente será cheia de espinhos, como os espinhos da dor de teu coração de mãe. Seu aroma será tão tentador e inesquecível que aquele que provar do fruto e gostar, amá-lo-á para jamais o esquecer. Como também amará a terra que o produziu. Todos os anos, encherei, generosamente, sua copa de frutos, e os galhos se curvarão com a fartura. Ele se espalhará pelos campos, irá para a mesa dos pobres e dos ricos. Quem estiver longe e não puder comê-lo, sentirá uma saudade doida de seu aroma. Nenhum sabor o substituirá. Ele há de dourar todos os alimentos com que se misturar e, na mesa em que estiver, seu odor predominará sobre todos. Ele há de dourar também os licores, para a alegria da alma. "
Tainá-racan ergueu o olhar, aquele olhar onde brilhou a primeira estrela da consolação. E perguntou ao deus:
- Como se chamará, Cananxiué, esse fruto bom, cujo coração são os espinhos de minha dor, cuja cor são os cabelos de ouro de Uadi e cujo aroma é inesquecível como o cheiro dessa mata, onde brinquei com meu filhinho?
- Chamar-se-á Ramauó, pequi, minha filha. Quero ver-te alegre de novo, pois te darei muitos filhos, fortes e sadios como Maluá. E teu marido voltará cheio de glória da batalha, pois muitos séculos se passarão até que nasça um guerreiro tão destemido e tão honrado! Ele comerá deste fruto e gostará dele por toda a vida!
Tainá-racan sorriu. E o pequizeiro começou a brotar.
Este conto faz parte do livro " Antologia do Conto Goiano II - o conto contemporâneo ", organizado pelas professoras Vera Maria Tietzmann Silva e Maria Zaira Turchi, de 1994 e lançado pela Editora UFG.
Maluá partiu. Tainá-racan encostou a fronte na terra, onde pouco antes pisavam os pezinhos encantados de Uadi. Chorou. Chorou. Chorou três dias e três noites. Então, Cananxiué se apiedou dela. Baixou à terra e disse: " Das tuas lágrimas nascerá uma planta, que se transformará numa árvore copada. Ela dará flores cheirosas que os veados, capivaras e lobos virão comer nas noites de luar. Depois, nascerão os frutos. Dentro da casca verde, os frutos serão dourados como os cabelos de Uadi. Mas a semente será cheia de espinhos, como os espinhos da dor de teu coração de mãe. Seu aroma será tão tentador e inesquecível que aquele que provar do fruto e gostar, amá-lo-á para jamais o esquecer. Como também amará a terra que o produziu. Todos os anos, encherei, generosamente, sua copa de frutos, e os galhos se curvarão com a fartura. Ele se espalhará pelos campos, irá para a mesa dos pobres e dos ricos. Quem estiver longe e não puder comê-lo, sentirá uma saudade doida de seu aroma. Nenhum sabor o substituirá. Ele há de dourar todos os alimentos com que se misturar e, na mesa em que estiver, seu odor predominará sobre todos. Ele há de dourar também os licores, para a alegria da alma. "
Tainá-racan ergueu o olhar, aquele olhar onde brilhou a primeira estrela da consolação. E perguntou ao deus:
- Como se chamará, Cananxiué, esse fruto bom, cujo coração são os espinhos de minha dor, cuja cor são os cabelos de ouro de Uadi e cujo aroma é inesquecível como o cheiro dessa mata, onde brinquei com meu filhinho?
- Chamar-se-á Ramauó, pequi, minha filha. Quero ver-te alegre de novo, pois te darei muitos filhos, fortes e sadios como Maluá. E teu marido voltará cheio de glória da batalha, pois muitos séculos se passarão até que nasça um guerreiro tão destemido e tão honrado! Ele comerá deste fruto e gostará dele por toda a vida!
Tainá-racan sorriu. E o pequizeiro começou a brotar.
Este conto faz parte do livro " Antologia do Conto Goiano II - o conto contemporâneo ", organizado pelas professoras Vera Maria Tietzmann Silva e Maria Zaira Turchi, de 1994 e lançado pela Editora UFG.
quarta-feira, 27 de junho de 2012
Borboleta
Marcelo Jeneci/Arnaldo Antunes/Alice Ruiz/Zélia Duncan
Música é que nem borboleta
Ela voa pra onde quer
Ela pousa em quem quiser
Não é homem nem mulher
Música que sai da gaveta
Se traveste na voz de alguém
Quando entra dentro da cabeça
Não é sua e nem de ninguém
Te invade, te assalta e te faz refém
Se a rima não vem, já sabe
Bater palma com a mão
E quando chegar o refrão
Bater com os pés no chão
Se não decorar a letra
Pode cantar o " nananananáa "
A melodia pode assoviar
Pode até dar um berro, pode berrar
Às vezes ela é como um ladrão
Ou como um convidado trapalhão
Depois que entra não quer mais sair
Quer repetir, repetir, repetir
Verde, branca, azul ou vermelha
Também tem música de toda cor
De acalanto, de baile, de amor
De restaurante, de elevador
Música é que nem borboleta
Sai do casulo do auto-falante
Do carrossel e da roda gigante
Pra que você e todo mundo cante
Música do CD Pelo Sabor do Gesto/Em cena, gravado ao vivo em 2011. Esta e outras três canções fazem parte do álbum, mas gravadas em estúdio.
Música Música
Sueli Costa/Abel Silva
Música, Música
Companheira do quarto dos rapazes
Entre revistas e fumaça
Confidente do quarto das meninas
Entre calcinhas e sandálias
Música, Música
Farol na cerração dos grandes medos
A força que levanta os bailarinos
Elétrica guitarra entre os dedos
Aflitos e quentes dos meninos
Música, Música
Irmã, imã, irmã
Feroz como a ira do Irã
Ou mansa como o último carinho
Quando já chega a manhã
Música, Música
Música que abre o então LP de Simone de 1980...
A Iara
Ricardo Azevedo
Todo mundo sabe o que é um desejo proibido. São aquelas coisas que a gente sente vontade de fazer mas sabe que não deve.
É o caso, por exemplo, da pessoa gorda, pesando duzentos e tantos quilos, que passa diante da loja de doces e fica parada olhando a vitrine. A pessoa suspira. Aqueles bombons crocantes de chocolate. Aquelas tortas de massa folhada. A pessoa geme. Aqueles pasteizinhos. Aquelas balas recheadas de ovo. A pessoa sabe que precisa perder peso. Sabe que o melhor é dar o fora, mas aquelas delícias açucaradas parece que têm um canto sedutor, parecem uma espécie de ímã irresistível puxando e puxando.
Outro caso. O aluno precisa estudar matemática. A prova vai ser no dia seguinte, logo cedo. O menino, ou menina, chega da escola, almoça e vai para o quarto. Quando abre a janela, que dia maravilhoso! A criança pega o livro. Que céu azul! A criança tenta se concentrar. Os passarinhos cantam. A criança sabe que precisa estudar. Sabe que a prova não vai ser fácil. Escuta sua turma jogando bola lá fora, rindo, brincando... É quando vem o desejo proibido: atirar os livros para o alto, gritar: - dane-se o mundo! - e ir correndo brincar.
Último exemplo: quem resiste a passar diante de uma torta cremosa de chocolate e não tirar uma lasquinhazinha?
Tudo isso tem a ver com a Iara.
É que a Iara representa o desejo proibido, a tentação. Está ligada àquelas coisas que a gente tem vontade de fazer mas sabe que é melhor não.
Dizem que é uma mulher belíssima, um ser encantado, habitante do fundo das águas. Em certas regiões, é conhecida como Mãe-d'água, a dona das águas, dos rios, dos lagos, lagoas e igarapés. Graças a seu canto mavioso e a sua beleza inigualável, a Iara consegue atrair suas vítimas para, depois, levá-las para seu reino perdido no fundo das águas.
Uma lenda antiga conta que, certa vez, um índio chamado Jaguarari estava pescando tucunaré quando enxergou uma moça boiando no rio. Era a coisa mais linda que o rapaz já tinha visto na vida. Os cabelos da moça tinham a cor das flores e das plantas. Sua boca tinha o brilho do sol. Sua pele era cheirosa e macia. E seus olhos de jabuticaba? E sua voz? A lenda diz que os passarinhos ficavam em silêncio quando a moça cantava. Até as cachoeiras paravam de correr para não atrapalhar seu canto.
A tal moça bonita era a Iara.
Segundo a lenda, a Iara abriu os braços para Jaguarari, sorriu e desapareceu no escuro profundo. Desde aquele dia, Jaguarari nunca mais foi o mesmo. Não queria mais saber de conversa. Não tinha fome. Passava as noites andando sem rumo. Não conseguia arrancar aquela moça encantada do pensamento. Um dia, desesperado, pegou a canoa e partiu para o meio do rio. Dizem que a Iara apareceu, Jaguarari mergulhou com ela e nunca mais voltou.
Na verdade, em todos os cantos do mundo, existem histórias de mães-d'água.
Na Europa, elas são as famosas sereias, descritas como mulheres loiras e lindas, às vezes metade mulher, metade peixe, que vivem nos rios e nos mares penteando a cabeleira, admirando-se diante dos espelhos, cantando e fazendo os navegantes perderem o juízo.
Histórias muito antigas, vindas da África, contam que no fundo do mar habita uma deusa, Iemanjá, muito poderosa, capaz de influenciar as coisas e os rumos de nossa vida. Até hoje existe o costume de levar presentes, colares, pentes, sabonetes, essas coisas de que as mulheres gostam, à rainha do mar. Muitos pescadores garantem que é essa deusa quem determina se sua rede vai voltar vazia ou cheia de peixes. Tal como a Iara e as sereias, a poderosa Iemanjá, se quiser, também pode levar homens embora para sempre.
Na Grécia Antiga, contava-se a história do astuto Ulisses, o herói de mil ardis. Durante sua viagem de volta à Ítaca, onde morava, viu-se obrigado a cruzar a perigosa Terra das Sereias. Acontece que Ulisses era atrevido. Resolveu que ia conhecer o canto daquelas verdadeiras feiticeiras aquáticas e, para isso, seguiu os conselhos de sua amiga Circe: primeiro, tapou com cera os ouvidos de seus companheiros de viagem. Depois, pediu a eles que o amarrassem, bem amarrado, no mastro do navio. Assim, graças a esse estratagema, o guerreiro dos mil disfarces passou pertinho das sereias e, maravilhado, quase enlouquecido, pôde admirar suas maravilhas e ouvir seu canto indescritível, sem correr o risco de ser levado, antes do tempo, para o abismo inevitável da morte.
Iaras, sereias, mães d'água.
Pensando bem, talvez representem algo presente na alma de todo ser humano: a vontade secreta de experimentar o novo, mesmo correndo riscos. O sonho de encontrar, no desconhecido, o paraíso e a felicidade perdida.
O mito de Ulisses, em todo caso, nos ensina que existe um meio-termo: é possível, sim, experimentar e sobreviver ao canto extraordinário da sereia. Basta ter coragem e, claro, saber usar a cabeça.
Histórias muito antigas, vindas da África, contam que no fundo do mar habita uma deusa, Iemanjá, muito poderosa, capaz de influenciar as coisas e os rumos de nossa vida. Até hoje existe o costume de levar presentes, colares, pentes, sabonetes, essas coisas de que as mulheres gostam, à rainha do mar. Muitos pescadores garantem que é essa deusa quem determina se sua rede vai voltar vazia ou cheia de peixes. Tal como a Iara e as sereias, a poderosa Iemanjá, se quiser, também pode levar homens embora para sempre.
Na Grécia Antiga, contava-se a história do astuto Ulisses, o herói de mil ardis. Durante sua viagem de volta à Ítaca, onde morava, viu-se obrigado a cruzar a perigosa Terra das Sereias. Acontece que Ulisses era atrevido. Resolveu que ia conhecer o canto daquelas verdadeiras feiticeiras aquáticas e, para isso, seguiu os conselhos de sua amiga Circe: primeiro, tapou com cera os ouvidos de seus companheiros de viagem. Depois, pediu a eles que o amarrassem, bem amarrado, no mastro do navio. Assim, graças a esse estratagema, o guerreiro dos mil disfarces passou pertinho das sereias e, maravilhado, quase enlouquecido, pôde admirar suas maravilhas e ouvir seu canto indescritível, sem correr o risco de ser levado, antes do tempo, para o abismo inevitável da morte.
Iaras, sereias, mães d'água.
Pensando bem, talvez representem algo presente na alma de todo ser humano: a vontade secreta de experimentar o novo, mesmo correndo riscos. O sonho de encontrar, no desconhecido, o paraíso e a felicidade perdida.
O mito de Ulisses, em todo caso, nos ensina que existe um meio-termo: é possível, sim, experimentar e sobreviver ao canto extraordinário da sereia. Basta ter coragem e, claro, saber usar a cabeça.
do livro " Armazém do Folclore ".
terça-feira, 26 de junho de 2012
Cabelos Negros
Eduardo Dusek/Luís Antônio de Cássio
Eu quero seus cabelos negros
Nas minhas mãos
Eu quero esses olhinhos ciganos
Nos meus sonhos
Eu quero você
Minha vida inteira
Como doce mania
Fosse qualquer maneira
Eu queria você
Assim como é
Sem mentir, nem dizer
O que não quiser
Eu quero você criança
Caída no chão
Eu quero você brilhando
Brincando de mim
Pois eu quis você
Como o sol e as estrelas
Noites de lua
Nostalgia
Eu vou ter você
Mesmo só pra pensar
Nessas coisas de amar
Na alegria
Eu começo a descobrir
Que em meu coração
Tá nascendo um jardim
Pensando em plantar
Você dentro de mim
Pois preciso
Lhe ver várias vezes florescendo
Nas luas crescentes
Sentir seu perfume
Pra encontrar
Você
Música que abre o lado B do então LP de Eduardo Dusek de 1982 intitulado Cantando no Banheiro.
Faltando Um Pedaço
Djavan
O amor é um grande laço
Um passo pr'uma armadilha
Um lobo correndo em círculo
Pra alimentar a matilha
Comparo sua chegada
Com a fuga de uma ilha
Tanto engorda quanto mata
Feito desgosto de filha, de filha
O amor é como um raio
Galopando em desafio
Abre fendas, cobre vales
Revolta as águas dos rios
Quem tentar seguir seu rastro
Se perderá no caminho
Na pureza de um limão
Ou na solidão do espinho
O amor e a agonia
Cerraram fogo no espaço
Brigando horas a fio
O cio vence o cansaço
E o coração de quem ama
Fica faltando um pedaço
Que nem a lua minguando
Que nem o meu nos seus braços.
O difícil facilitário do verbo ouvir
Arthur da Távola
Um dos maiores problemas de comunicação, tanto a de massas como a interpessoal, é o de como o receptor ouve o que o emissor falou.
Numa mesma cena de telenovela, notícia de telejornal ou num simples papo ou discussão, observo que a mesma frase permite diferentes níveis de entendimento.
Na conversação dá-se o mesmo. Raras, raríssimas, são as pessoas que procuram ouvir exatamente o que a outra está dizendo.
Diante desse quadro, venho desenvolvendo uma série de observações e como ando bastante entusiasmado com a formulação delas, divido-as com o competente leitorado que, por certo me ajudará passando-me as pesquisas que tenha a respeito.
Observe que:
1- Em geral o receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que o outro não está dizendo.
2- O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que quer.
3- O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que já escutara antes e coloca que o outro está falando aquilo que se acostumou a ouvir.
4- O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que imagina que o outro ia falar.
5- Numa discussão, em geral, os discutidores não ouvem o que o outro está falando. Eles ouvem quase só o que estão pensando para dizer em seguida.
6- O receptor não ouve o que o outro fala. Ele ouve o que gostaria de ouvir ou que o outro dissesse.
7- A pessoa não ouve o que a outra fala. Ela apenas ouve o que está sentindo.
8- A pessoa não ouve o que a outra fala. Ela ouve o que já pensava a respeito daquilo que a outra está falando.
9- A pessoa não ouve o que a outra está falando. Ouve o que confirme ou rejeite o seu próprio pensamento. Vale dizer, ela transforma o que a outra está falando em objeto de concordância ou discordância.
10- A pessoa não ouve o que a outra está falando: ouve o que possa se adaptar ao impulso de amor, raiva ou ódio que já sentia pela outra.
11- A pessoa não ouve o que a outra fala. Ouve da fala dela apenas aqueles pontos que possam fazer sentido para as ideias e pontos de vista que no momento a estejam influenciando ou tocando mais diretamente.
Esses pontos mostram como é raro e difícil conversar. Como é raro e difícil se comunicar! O que há, em geral, ou são monólogos simultâneos trocados à guisa de conversa, ou são monólogos paralelos, à guisa de diálogo. O próprio diálogo pode haver sem que necessariamente haja comunicação. Esta só se dá quando ambos os polos ouvem-se, não é claro, no sentido material de " escutar " mas no sentido de procurar compreender em sua extensão e profundidade o que o outro está dizendo.
Ouvir, portanto, é muito raro. É necessário limpar a mente de todos os ruídos e interferências do próprio pensamento durante a fala alheia.
Ouvir implica uma entrega ao outro, uma diluição nele. Daí a dificuldade de as pessoas inteligentes efetivamente ouvirem. A sua inteligência em funcionamento permanente, o seu hábito de pensar, avaliar, julgar e analisar tudo interferem como um ruído na plena recepção daquilo que o outro está falando.
Não só a inteligência a atrapalhar a plena audiência. Outros elementos perturbam o ato de ouvir. Um deles é o mecanismo de defesa. Há pessoas que se defendem de ouvir o que as outras estão dizendo, por verdadeiro pavor inconsciente de se perderem a si mesmas. Elas precisam " não ouvir " porque " não ouvindo " livram-se da retificação dos próprios pontos de vista, da aceitação de realidades diferentes das próprias, de verdades idem e assim por diante. Livram-se do novo, que é saúde, mas as apavora. Não ouvir, é, pois, um sólido mecanismo de defesa.
Ouvir é um grande desafio. Desafio de abertura interior: de impulso na direção do próximo, de comunhão com ele, de aceitação dele como é e como pensa. Ouvir é proeza. Ouvir é raridade. Ouvir é ato de sabedoria.
Depois que a pessoa aprende a ouvir ela passa a fazer descobertas incríveis escondidas ou patentes em tudo aquilo que os outros estão dizendo a propósito de falar.
segunda-feira, 18 de junho de 2012
A Centopéia
Um cara vivia sozinho, até que decidiu que sua vida seria melhor se ele tivesse um animalzinho de estimação como companhia. Assim, ele foi até uma loja, falou com o dono que queria um bichinho que fosse incomum.
Depois de um tempo, chegaram à conclusão de que ele deveria ficar com uma centopéia. Centopéia seria mesmo um bichinho incomum...
Um bichinho tão pequeno, com cem pés... é realmente incomum!! A centopéia veio dentro de uma caixinha branca, que seria usada para ser a sua casinha...
Bem, ele levou a caixinha para casa, achou um bom lugar para colocar tão pequenina caixinha, e pensou que o melhor começo para sua nova companhia seria levá-la até o bar, para tomarem uma cervejinha... Assim, ele perguntou à centopéia, que estava dentro da caixinha: - Gostaria de ir comigo até o Frank's tomar uma cerveja? Mas não houve resposta da sua nova amiguinha.
Isto deixou-o meio chateado. Esperou um pouco e perguntou de novo: - Que tal ir comigo até o bar tomar uma cervejinha, heim? Mas, de novo, nada de resposta da nova amiguinha... De novo ele esperou mais um pouco, pensando e pensando sobre o que estava acontecendo... Decidiu perguntar de novo, mas desta vez, chegou o rosto bem perto da caixinha e gritou: - EI, VOCÊ AÍ!!! QUER OU NÃO QUER IR COMIGO ATÉ O FRANK'S TOMAR UMA CERVEJA?
Uma pequena voz veio de lá de dentro da caixinha: - Eu já ouvi desde a primeira vez, CARA! Estou calçando os sapatos, PORRA!
autoria desconhecida
Assinar:
Postagens (Atom)