quinta-feira, 19 de abril de 2012

História de um Rio


Certa vez, havia um rio. Um rio muito bonito. Ele começava de um pontinho, dançando e cantando descia da montanha. Quando chegava ao lado da cidade, tornava-se um rio muito largo. Ele era jovem, bonito e cheio de energia. E sua preocupação, todo dia, era correr atrás das nuvens. Nuvens são, frequentemente, de diferentes tipos e formas. Algumas vezes as nuvens são rosas, algumas vezes violetas, algumas vezes brancas. E o rio passava todo o seu dia correndo atrás das nuvens. Mas como vocês sabem, as nuvens são impermanentes. Suas formas mudam a cada minuto e elas não querem ficar paradas em um só lugar. O rio não podia aprisionar nenhuma nuvem. E por isso sofria muito. Algumas vezes ele se sentia muito cansado. Outras, desapontado. Um dia, o rio percebeu que o sofrimento causado pelas nuvens era enorme. E nesse dia houve uma grande tormenta, o vento soprou muito forte e levou todas as nuvens do céu. O rio, então, pensou que a vida dessa forma não valia mais a pena ser vivida. Não havia mais nuvens para ele correr atrás. A vida não tinha mais nenhum significado e ele quis cometer suicídio. Mas como poderia um rio cometer suicídio?

Já aprendemos que nada surge do nada e que algo que já existe não pode se tornar nada. O que podemos dizer é que o rio perdeu toda a esperança de viver, todo o gosto pela vida. Certa noite, voltou-se para si mesmo e escutou o seu próprio choro, pela primeira vez. Vocês sabem que é durante a noite que nós melhor escutamos o som das águas correndo. O rio estava sempre ocupado perseguindo as nuvens, e por isso nunca havia escutado o seu próprio som. Então, nesta noite, em que estava apto para voltar para si mesmo, ele escutou sua própria voz! E por causa deste tipo de serenidade, descobriu uma coisa muito importante: a água que nele corria eram as nuvens. Eram uma coisa só. Ele não precisava correr atrás de nada.

Este é um tipo de iluminação súbita. Ele sentiu que não precisava correr atrás de coisa alguma. Na manhã seguinte, o céu ainda estava vazio, mas ele descobriu uma coisa muito, muito nova, que era a cor azul do céu. Aquele azul estava refletido nele, durante todo esse tempo, por anos e anos. Que estranho ele nunca haver percebido o azul do céu! Ele via muitas nuvens flutuando no céu mas nunca havia percebido que o céu era tão azul, grande e sem limites! E o céu azul era a casa de todas as nuvens. Então, quando percebeu o céu refletido dentro dele, experimentou um sentimento de realização. Ficou muito calmo e tranquilo.

A tempestade passou naquela manhã. E de tarde, as nuvens voltaram. Todas as nuvens. Ele deu boas-vindas às nuvens, mas agora, não mais as perseguia. O rio havia se modificado bastante. Podia ainda perceber a beleza das nuvens sem, por isso, estar apegado à elas. Então, mesmo que as nuvens venham e vão embora, ele não fica mais infeliz. Ele agora não é mais capaz de desfrutar de uma só nuvem, mas pode desfrutar de todas as nuvens no céu. Ele perdeu a sua discriminação e todas as nuvens agora são ele.

Nessa noite, algo de maravilhoso aconteceu. Quando ele abriu o seu coração para o céu, recebeu um lindo luar. Assim, o rio, a lua e as nuvens deram-se as mãos e foram fazer meditação andando no oceano.

Cada um de nós é um rio, e devemos ser capazes de aprender com o nosso sofrimento, com as nossas frustrações. Nós já somos aquilo que queremos ser. Não precisamos correr atrás de nada mais. Abrimos o nosso coração e temos tudo. Nós somos tudo. Este é o tipo de despertar que temos que realizar e não é um trabalho muito longo. O rio ganhou isto com um dia e uma noite.

trecho do livro Respirando e Sorrindo de Thich Nhat Hanh

Nenhum comentário:

Postar um comentário