domingo, 1 de abril de 2012

Pulsações (fragmento)

                             Clarice Lispector


A vida com letra maiúscula nada pode me dar porque vou confessar que também eu devo ter entrado por um beco sem saída com os outros. Porque noto em mim, não um bocado de fatos, e sim procuro quase tragicamente ser. É uma questão de sobrevivência assim como a de comer carne humana quando não há alimento. Luto não contra os que compram e vendem apartamentos e carros e procuram se casar e ter filhos mas luto com extrema ansiedade por uma novidade de espírito. Cada vez  que me sinto quase um pouco iluminado vejo que estou tendo uma novidade de espírito.

Toda vez que eu faço uma coisa com intenção não sai nada, sou portanto um distraído quase proposital. Eu finjo que não quero, termino por acreditar que não quero e só então a coisa vem.

O que me atormenta é que tudo é " por enquanto ", nada é " sempre ". A vida - a partir do momento em que se nasce - é guiada, idealizada pelo sonho.

Os brilhantes são pequenas alegrias em chuveiro de risos de crianças. São cascatinhas de água gelada em gargalhadinhas de tremor. Ai que frio. Eu prefiro brilhantes a diamantes. Não sei bem por quê: talvez porque a palavra " brilhante " parece brilhar mesmo com suas faíscas de luz oblíqua, é palavra que parece não se resumir a si mesma, a um brilhante, mas conter um chuveiro de brilhantes, como olhos iluminados e transparentes. Brilhantes são uma alegria da terra, são saltitantes e quando imóveis parecem estrelas. Aliás, brilhantes nunca são imóveis: sua luz cristalina é refratária à imobilidade. Um brilhante ilumina um ambiente e os olhos se tornam docemente aclarados. Mas um diamante é algo preso à terra, é sólido, e a palavra " diamante " é um pouco opaca apesar das duas primeiras sílabas: " dia ". E o final " amante " denuncia um amor carnal e imperecível. O brilhante é poeticamente irresponsável, enquanto o diamante-pedra é circunspecto e estável.

trecho do livro " Um Sopro de Vida " (Pulsações) de Clarice Lispector.

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