domingo, 10 de julho de 2022

Ti, o pica-pau avisador

Antigamente, quando o senhor Santo Ildefonso andava por aqui fazendo os trabalhos de Deus na Terra, ficava temeroso de que acontecesse alguma coisa aos seus filhos quando estivesse longe. Por isso, encarregou o pica-pau Ti de ficar tomando conta deles e avisá-los dos perigos.

O passarinho passou a fazer isso muito bem. Por qualquer coisa, voava para junto dos meninos, pousava no ombro de um deles e cantava:

- Ti-ti-ti-ti...

Eles já sabiam. O passarinho não estava só dizendo seu nome. Estava era avisando de algum risco. Então, tomavam cuidado e se defendiam. Por isso, nunca tinham problemas.

Santo Idelfonso ficou muito satisfeito. Para recompensar o passarinho Ti, fez que ele tivesse uma plumagem bonita. E também o ajudou para que nunca lhe faltasse comida. Ensinou-o a bater com o bico na casca das árvores, cavando buraquinhos para poder pegar lagartas e outros insetos que se escondessem lá dentro.

Então, o passarinho passava os dias nas árvores apanhando comida para os filhotes:

- Toque-toque-toque...

Mas, quando era preciso avisar os filhos de Santo Ildefonso, já sabe. O pássaro Ti ia lá, pousava no ombro de um deles e cantava:

- Ti-ti-ti-ti...

E eles se preveniam contra os problemas.

O pica-pau fazia seu trabalho tão bem que o santo resolveu ser generoso e dividir os avisos de perigo com todo mundo. Disse ao passarinho:

- Ti, você agora fica encarregado de voar por perto das estrelas e veredas, avisando aos caminhantes quando houver algum perigo. Assim, eles podem se cuidar.

O pássaro Ti passou a fazer isso, sempre muito bem. Pousava no ombro de quem passava e cantava:

- Ti-ti-ti-ti...

Era só o caminhante tomar cuidado e não acontecia nada de mau.

Mas os filhos do senhor Santo Ildefonso não gostaram nada da novidade. Não queriam dividir com ninguém os avisos do pica-pau. Por isso, um dia, quando Ti chegou, os meninos cuspiram nele.

O passarinho voou até a casa onde estava Santo Ildefonso e contou:

- Senhor santo, veja só o que seus filhos me fizeram. Maltrataram-me e cuspiram em mim. E cuspe de gente deixa passarinho manchado. Olhe só como minhas penas ficaram todas salpicadas de saliva.

Santo Ildefonso olhou e disse:

- Não posso fazer nada para consertar sua plumagem. Mas vou castigar meus filhos. De hoje em diante, eles não vão mais se livrar de nenhum perigo e vão ter muitos problemas. E você pode cuidar só da sua vida e de seus filhotes. Nunca mais precisa avisar ninguém de nada.

Por isso, até hoje, o pica-pau Ti tem as penas bonitas, mas sarapintadas. E sabe muito bem procurar comida debaixo da casca das árvores

Por isso, também, as pessoas correm riscos e têm problemas. Mas, às vezes, o passarinho se lembra de seus tempos de avisador e canta, embora nunca mais tenha pousado no ombro de ninguém. E até hoje, pelas estradas de Chiapas, o caminhante atento e devoto toma cuidado quando ouve o pica-pau Ti no meio de uma viagem, pois sabe que pode ter contratempos pelo caminho.


Conto inspirado numa lenda do povo Tzeital, de Chiapas, no México, adaptado por Ana Maria Machado. Retirado da Revista Nova Escola, Agosto de 1997.Fundação Victor Civita, Editora Abril.

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