domingo, 3 de setembro de 2023

Masculino e Feminino: Plural

AO REPRODUZIR PRECONCEITOS DE GÊNERO, ESCOLA PREJUDICA FORMAÇÃO E DESEMPENHO DE MENINOS E MENINAS


Eis uma das missões primordiais à condição humana: aprender a ser menino ou menina. Tarefa determinante na formação de cada um deles e que, às vezes, pode causar desencontro e frustração. Segundo uma facção de cientistas, comportamentos e aptidões por determinadas áreas do conhecimento seriam inerentes ao sexo. Por outro lado, correntes defendem que tais características são construídas a partir do modo como cada sociedade interpreta o sexo - o que é conceituado de gênero. O fato é que, a partir do momento em que as diferenças biológicas se convertem em desigualdade, estereótipos e preconceitos são gerados. Em uma análise distante do sexismo, estudiosos afirmam: meninos e meninas sofrem igualmente com a maneira como o masculino e o feminino são ensinados na escola, que poderia se tornar um ambiente de encontro entre eles e transformá-los em pluralidade.

As consequências da imagem do que é ser mulher ou homem afetam a vida escolar dos alunos e, por isso, vêm se tornando motivo de estudo. Segundo pesquisas, as meninas estão em maior número na escola e apresentam melhor desempenho. Mas, ainda assim, para educadores, elas são consideradas "invisíveis" nas instituições de ensino. Isso porque, salvo exceções ocupam um espaço intermediário entre os alunos brilhantes e os péssimos. Numericamente, são meninos os frequentadores mais assíduos das salas de reforço e protagonistas de uma cena em que, para ser bom ou inteligente, não é permitido se mostrar esforçado.

O sucesso de um não implica o fracasso do outro e vice-versa. O gênero, dizem os especialistas, tem influência sobre esses resultados. De acordo com o que é esperado de cada sexo, às meninas caberia o papel de "boazinhas": mais quietas, organizadas e esforçadas. Deveriam ter cadernos impecáveis e jamais voltar sujas e suadas do recreio. Já os meninos poderiam se mostrar mais agitados e indisciplinados. Espera-se que eles gostem de futebol, e é tolerado que tenham o caderno menos organizado e o material incompleto. Qualquer deslize nesses padrões de comportamento seria sinal de alerta de uma inversão do que se espera de uma atitude feminina ou masculina.

A mesma distinção acontece quando se justapõem características biológicas e aptidões para determinados campos de conhecimento. Um consenso na área médica, que se alastrou na educação, é o de que meninos dominariam com mais facilidade conceitos das ciências exatas e noções geográficas, ao passo que meninas teriam mais desenvoltura nas áreas de expressão, como linguagem e artes. O que determina isso seria o funcionamento do cérebro, segundo Luiz Celso Vila Nova, professor-adjunto de neurologia infantil da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro do Departamento Científico de Neuropediatria da Academia Brasileira de Neurologia.

Cérebros diferentes - Vila Nova explica que o motivo não é conhecido, mas as regiões do cérebro envolvidas nas habilidades de linguagem se formam mais cedo no cérebro das meninas, que têm um número maior de conexões entre os hemisférios esquerdo e direito. Já os meninos, acrescenta, têm as áreas envolvidas em habilidades geométricas e espaciais amadurecidas mais cedo. "São tendências, mas não são determinantes. Posso ter uma tendência muito grande para ser um esportista, mas não significa que vou ter oportunidade", ressalta.

Para a antropóloga Maria Luiza Heilborn, professora do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e coordenadora do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, tais interpretações científicas também são construídas socialmente. " O papel que a biologia desempenha na determinação e na definição dos comportamentos sociais é fraco, pois a espécie humana é essencialmente dependente da socialização", argumenta Maria Luiza. "Prova disso é que as mulheres diferem muito umas das outras em diferentes sociedades."

Como a escola não é uma ilha isolada do mundo, tais expectativas não são só incitadas pela instituição, mas emergem do olhar da sociedade sobre o gênero. Exemplo disso é maneira com as mulheres aparecem nos livros didáticos.

Segundo Daniela Auad, professora titular da Universidade Paulista (Unip) e visitante no Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), dificilmente as mulheres são retratadas, por exemplo, em áreas como ciências ou engenharia, profissões consideradas masculinas. Quando ilustradas nos livros didáticos, são apresentadas, majoritariamente, em atividades ligadas as cuidado ou prestando algum tipo de assistência: são donas-de-casa, secretárias, enfermeiras, professoras. "Nem é verdade que as mulheres só ocupam esses cargos e nem é certo que os homens não estão neles", analisa Daniela, autora do livro Educar Meninas e Meninos - Relações de Gênero na Escola.

Outros tipos de preconceito, de acordo com a Daniela, assolam as meninas: a falta de liberdade para movimentar-se, o espaço que ocupam no pátio, geralmente nos cantos, e a pouca palavra que lhes é concedida. "Tomar a palavra é sinal de poder no mundo. É mais do que comum encontrarmos um homem orador numa turma de pedagogia que tem 60 mulheres e três ou quatro homens", conta.

Ainda assim, um fenômeno internacional vai de encontro ao que seria uma relação hostil da escola com as meninas. Pesquisas mostram que as mulheres estão em maior número nas instituições de ensino, alcançam maiores graus de escolaridade e melhores notas em testes de avaliação quando comparadas aos homens. No Brasil, dados do estudo Trajetória da Mulher na Educação Superior, do Instituto Nacional de Estados e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), indicam que, embora a população de homens até 20 anos de idade seja maior, as mulheres são maioria a partir da 5ª série do fundamental. De acordo com o resultado da pesquisa, que analisa a participação feminina no período entre 1996 e 2004, a diferença entre meninos e meninas aumenta no decorrer da vida escolar: vai de apenas 1% nas séries do EF para cerca de 13% na graduação universitária.

São números relevantes sobre o ensino público, mas que podem se esgotar neles mesmos e não refletir no mercado de trabalho e na representação política das mulheres. Para Cláudia Vianna, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), pesquisas qualitativas apontam que o fato de as meninas estarem em maior número na escola não demonstra, necessariamente, que elas estão indo bem. "Levando em conta a baixa expectativa dos professores e esse conceito de feminilidade, que estimula muito pouco a agressividade, acho ainda preocupante a relação da escola com as meninas", diz.

Para Cláudia, a escola não ensina as garotas a lutar pelo que querem e as poupa de tomar atitudes que lhes serão impostas pelo mundo. "Elas são invisíveis tanto como boas quanto como más alunas. Sempre tem um 'mas' na opinião das professoras. É estudiosa, mas muito calada ou pouco participativa. Ora, se isso é verdade, por que não se estimula uma reação delas?", critica.

O modelo de feminilidade comum na escola, como se pode perceber, não corresponde nem ao comportamento real das meninas nem ao que a escola espera dos alunos. Sabe-se que as meninas também têm suas formas de fazer bagunça, participar ou desobedecer. E há de se acreditar que as instituições de ensino não queiram formar crianças passivas, caladas e sentadas. Mas, então, por que toleram menos comportamentos considerados espontâneos e agressivos entre as meninas? Ou mesmo a exibição da sexualidade feminina?

"Se dois alunos se beijarem no pátio, provavelmente, a menina é que vai para o diário de indisciplina da escola", afirma a pesquisadora Marília Pinto de Carvalho, também professora da Faculdade de Educação da USP, que teve conhecimento desse fato verídico por meio de uma pesquisa feita por uma aluna dela. "Há um certo tipo de padrão de mulher e homem que a escola não consegue romper", lamenta.

Claro que a indisciplina é um problema e o professor precisa manter a ordem, completa Marília, mas as meninas só se tornam visíveis na escola quando comparadas aos meninos. É impressionante ouvir que elas são terríveis, iguais aos garotos, e averiguar que representam meia dúzia entre 300 alunos que fazem a mesma coisa", analisa.

Na avaliação de Marília, "a consequência de tal invisibilidade pode gerar revolta, passividade ou ser uma profecia que se autorrealiza: elas acabam se tornando, de fato, invisíveis". Melhor seria que as diferenças entre os sexos se tornassem desigualdades, pois o suposto fracasso masculino abrange questões igualmente complexas e prende os meninos a um modelo de masculinidade também preconceituoso.

Entre as explicações de especialistas para o pior desempenho e menor número de garotos na escola, está o fato de terem uma relação conflituosa com a instituição: maiores índices de reprovação, de evasão, seja ela definida ou não. São também os maiores protagonistas da indisciplina escolar e vítimas da violência social. Por isso, não se pode separar a discussão  de gênero das de classe social, raça e geração a que o aluno pertence.

Uma tendência comum, mas simplista, é atribuir ao trabalho infantil a culpa de os meninos terem uma relação difícil com a escola. Além de as estatísticas não serem capazes de captar o trabalho doméstico das meninas e seu efeito sobre a escolaridade delas, a causalidade pode não ser necessariamente essa.

"A gente pensa os pobres como se para eles apenas a questão econômica tivesse importância. Só que as pessoas são muito mais complexas que isso. Elas têm uma série de valores e a educação é um deles", afirma Marília. O menino que sai da escola definitivamente e ingressa no mercado de trabalho já tem um histórico de problemas com a instituição. "Não é só o trabalho que tira o menino da escola, mas a má relação entre ele e a escola também o empurra para o trabalho. No mínimo, as duas coisas atuam juntas", pondera.

Segundo a pesquisadora, os meninos têm uma trajetória escolar muito mais difícil e cheia de obstáculos, e a própria tolerância com a indisciplina deles os acaba atrapalhando. "Eles precisam ter certo grau de agitação, agressividade, no mínimo ser meio malandro, crítico, ou terá, então, sua própria identidade sexual colocada em questão. Pode ser bom aluno, desde que mostre que faz muito esforço por isso. É um grau de exigência tremendo", ressalta Marília.

Ao mesmo tempo em que há uma cobrança acentuada não só da escola, mas também dos adultos e dos próprios colegas sobre a imagem da masculinidade, os meninos estão carentes, de certa forma, de um modelo sólido de figura paterna, em vista da dissolução das famílias nucleares e tradicionais.

Concentração de mulheres - Como a escola é um ambiente majoritariamente feminino, não é fácil encontrar professores do sexo masculino, principalmente no ensino infantil ou nas séries iniciais do ensino fundamental. Até meados do século XX, a única oportunidade que as mulheres tinham de permanecer nos estudos eram os cursos normais, formadores de professores. Aos poucos, houve uma identificação da profissão com a feminilidade, e as mulheres foram autorizadas a frequentar esses ambientes. "Esse espaço foi conquistado com ambiguidade, colocando essa profissão como algo menos profissional, ligado ao instinto maternal", explica Cláudia Vianna. Essa concepção, que concretizou a tríade mãe-mulher-professora, é ainda mais forte na educação infantil, o que resultou "em uma ideia de trabalho voluntário ou mal-remunerado".

Sandro Ribeiro Chagas compõe o quadro dos raros professores das séries iniciais do EF e já lecionou em uma escola pública na periferia da capital paulista em que era o único homem entre os docentes. Ele conta que os alunos  estranhavam a sua presença. "Com o tempo, se acostumaram. Percebi que os meninos gostavam de conversar sobre assuntos extraclasse, como futebol. Já as meninas demoraram mais tempo para se adaptar."

Rodrigo Cordeiro Galvão, também professor das séries iniciais do EF, é o único homem da escola em que trabalha, na zona oeste de São Paulo (SP), e concorda que os meninos sentem falta da figura masculina na escola, principalmente quando estão na educação infantil. Ele já se acostumou a trabalhar só com mulheres e tem um bom relacionamento com elas, mas não esconde que gostaria de ter mais colegas do sexo masculino na escola. "Acho que seria muito interessante e importante para a criança", afirma.

Se para alguns as dificuldades na vida escolar dos meninos são socialmente construídas, há quem acredite que elas são biológicas. É o caso do terapeuta Steve Biddulph, radicado na Austrália, e que vendeu milhares de exemplares de Criando Meninos na França, Inglaterra e Austrália. No livro, mostra que os garotos têm reações diferentes a um mesmo estímulo colocado também às meninas.

Biddulph propõe que os meninos entrem na escola um ano mais tarde do que as meninas porque acredita, seriam mais lentos no desenvolvimento da coordenação  motora e cognitiva. Ele exemplifica outra diferença, como o fato de os meninos serem mais estimulados a se movimentar por terem 25% a mais de músculos. "Seria bom que ficassem em salas de aulas separadas das meninas até o início da adolescência, pois eles se desenvolvem de maneira tão diferente que podem acabar incomodando e distraindo uns aos outros", diz. 

É aí que entra mais um dos pontos discutíveis da questão de gênero. Será que o convívio na escola entre meninos e meninas é contraproducente? Voltar a separar os alunos por sexo poderia ajudá-los? No Brasil, a grande maioria dos estudiosos é a favor da escola mista e considera um atraso a volta da escola separada por sexo. "Pode até ser que controlem melhor a questão da disciplina, mas não adiantaria. Não são as meninas que atrapalham os meninos e nem vice-versa", defende Cláudia Vianna. Para ela, a separação empobreceria a formação dos alunos e poria a perder o que há de melhor no convívio escolar: as trocas. Não é preciso negar as diferenças entre os sexos e nem exaltá-las, o que não significa abandonar as crianças e deixar que se tornem meninos e meninas por conta própria - educação é justamente uma intervenção sistemática no processo de formação. O próprio conceito de gênero nasceu indiretamente com o movimento feminista e representou a forma mais bem acabada de as mulheres lutarem por condições de vida semelhantes às dos homens, demonstrando que não deveria existir uma prevalência da condição masculina sobre a feminina e nem vice-versa.


Texto de Lívia Perozim retirado da Revista Educação, Editora Segmento, São Paulo, Ano 10, nº 9, Maio de 2006.

sábado, 2 de setembro de 2023

No Campo da Mente

Canaliza as tuas forças mentais para a ideação do bem em preparativos de materialização.

As energias da mente são o potencial de força que estrutura a vida.

Jogadas a esmo, perdem a finalidade superior para a qual existem, concretizando irrisão e desequilíbrio.

Assim, cuida do direcionamento dos teus pensamentos, evitando os devaneios que te incendeiam de paixões perturbadoras, que anelas e, certamente, não se consumarão.

Mesmo que aconteçam, sustentadas pelo teu desejo ardente, são fogos-fátuos que logo desaparecem.

Exercita a tua mente, fixando ideias otimistas de saúde e de trabalho.

Insiste com essas formas ideais, e elas se consubstanciarão, mantidas pelo fluxo do anelo, condensando-se no plano da realidade objetiva.

Quando saibas comandar a mente, alternar-se-á, em profundidade, o ritmo da tua existência.

O cenho contraído cederá lugar à alegria espontânea; a ira fácil dará campo à benevolência; a exigência será substituída pela compreensão, e experimentarás o prazer de ser bom, pelo bem que faças, que te fará bem.

Insiste no pensamento gentil, edificante.

A mente, que se faz leviana, exorbita na alucinação e padece a hipertrofia das aspirações felizes.

A formulação de propósitos saudáveis faculta a viabilidade deles, que se convertem em realização.

O homem se torna aquilo que cultiva na mente.

A usina mental é dínamo gerador de que o espírito se utiliza para a viagem carnal e,  fora dela, para expressar a sua identidade e valor, que exterioriza no processo da evolução.

Se embalas pesadelos, defrontarás sempre sofrimentos.

Se vitalizas esperanças de paz, encontrarás tranquilidade.

Triunfo e insucesso são termos iguais de qualquer empresa: aquele que elejas, merece a tua fixação e o teu trabalho, mediante os quais o lograrás.

No bloco de pedra dorme a estátua, que o artista e de lá a arranca, a esforço e dedicação.

No solo adusto se oculta a seara, que o agricultor descobre a contributo de adubação, irrigação e semeação.

No barro imundo repousa a peça de cerâmica, que o oleiro modela com carinho e habilidade.

Ne mente vigem o ideal, a forma, a vida.

Aplica com sabedoria as tuas forças mentais e não as perturbes com os desvios da ilusão.

Jesus, que as conhecia em profundidade, usou-as, convidando-nos a aplicá-las bem, quando enunciou que podemos fazer tudo quanto Ele fez, se quisermos, se tivermos fé e valor de lutar contra as imperfeições, e extrair, do bloco de granito que ainda somos, a centelha divina que dorme em nós.


Retirado do livro Momentos de Felicidade; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 5ª Edição, 2014.

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

O ambiente terrestre e a água

 A PRESENÇA DA ÁGUA NA NATUREZA


Um casamento perfeito entre energia e água foi que se deu na Terra e, pelo que se conhece até agora, somente na Terra, entre todos os componentes do sistema solar. Corpos celestes mais distantes - como alguns satélites de Júpiter e de Urano - possuem água, mas a energia que lhes chega do Sol é insuficiente para proporcionar o ciclo nos diferentes estados, o que é importante para garantir a sua mobilidade. Outros planetas, mais próximos do Sol, perderam a água, decomposta ou expulsa pelo excesso de energia e de mobilidade. Por isso, só na Terra o ciclo se observa.


MOBILIDADE, CARACTERÍSTICA PRINCIPAL


A característica principal da água, na Terra, é a mobilidade. E ela requer energia. Energia para passar do estado sólido ao líquido, do líquido ao gasoso e, assim, circular por todos os ambientes e ecossistemas terrestres. Graças à mobilidade, a água participa de quase todos os processos que ocorrem na natureza. Ela entra na composição das rochas, permanece reservada, nos seus interstícios, constituindo os lençóis subterrâneos, ou age como elemento degradador e transformador, responsável pelos fenômenos de transporte, erosão, formação de sedimentos e uniformização do relevo terrestre.


O CLIMA DA TERRA E A ÁGUA


O elevadíssimo calor específico da água tem importância decisiva no estabelecimento do clima terrestre. Da totalidade das radiações térmicas lançadas pelo Sol sobre o nosso planeta no decorrer do dia, uma parte considerável é absorvida pelas grandes massas de água que constituem o oceano, mas sem provocar elevação significativa de suas temperaturas, o que contribui para amenizar o clima terrestre durante as horas de insolação. À noite, ao contrário, quando o solo e o ar perdem rapidamente a temperatura, a água cede calor ao ar, impedindo um resfriamento mais drástico. Planetas que praticamente não possuem água, como Marte, ou mesmo a nossa Lua, apresentam temperaturas variando em mais de 90°C, entre o dia e a noite.

Essa interessante propriedade - o alto calor específico da água - consiste em consumir grandes quantidades de calor sem praticamente elevar a sua temperatura. Em outras palavras, ela não se aquece muito ao retirar calor de outro corpo e não se resfria demais ao ceder calor. É por isso que a utilizamos para nosso conforto (uma bolsa de água quente fornece calor durante muito tempo sem entretanto, perder muita temperatura), no resfriamento de um carro, ou qualquer objeto muito quente.

Mas há outros efeitos da água sobre o clima. Quando evapora, consome grandes quantidades de calor. Por isso, a água se mantém fresca dentro de um pote de barro poroso, que "transpira". É também disso que decorre, em parte, o frescor da mata ou mesmo de uma rua densamente arborizada. A evaporação de grandes volumes de água sobre os oceanos, lagos, grandes rios e densas florestas contribui muito para tornar o clima ameno, especialmente nas regiões tropicais.


ÁGUA E O TRANSPORTE DE MATERIAIS


A grande mobilidade da água faz dela um importante elemento transportador de materiais e de energia. Nos vegetais, a água dissolve os elementos essenciais do solo e os transporta, na forma de seiva, desde as raízes até as folhas e para todas as células da planta. Nos animais, é o componente principal do sangue, transportador de alimentos e oxigênio a todas as partes do corpo.

A água é também a principal responsável pela forma atual da superfície terrestre. Ela desgasta as rochas das regiões montanhosas e, seja como geleiras, seja como rios, cachoeiras e corredeiras, transporta continuamente o material resultante desse desgaste para as regiões mais baixas, depositando-o nos vales, fundo de lagos ou do oceano. Todas as rochas sedimentares que conhecemos, e que recobrem a maior parte da superfície terrestre - com exceção de algumas originadas pela ação dos ventos - têm essa origem. Essa "força" da água para transportar materiais de superfície, em seu movimento de queda de uma região mais elevada para uma mais baixa, há século tem sido utilizada pelo homem na movimentação de máquinas como roda d'água, monjolos e turbinas.


A ÁGUA NOS ANIMAIS E VEGETAIS


A água está presente nos vegetais, constituindo uma proporção, muito significativa de sua composição: 80% das folhas, 60% do caule, 95% do fruto, como no tomate. Os animais podem possuir até mais de 90% do corpo formado de água, como uma medusa marinha, ou cerca de 70% como no caso do ser humano.

O homem constitui o elo final de todas as cadeias de alimentação terrestres. Mas ele também - embora nem sempre se lembre - faz parte dos ciclos da natureza, devendo devolver ao meio o que dele foi retirado. Se admitirmos que cada habitante consome em média 50 litros de água por dia para alimentação e higiene, e que a água circulante nos rios representa cerca de 100 trilhões de litros por dia, teremos que a água que é potabilizada em todo o mundo constitui apenas 0,02% do total disponível na superfície. Quantidade bem maior que esta, entretanto, encontram-se nos solos e subsolos.

Os 0,02% de água utilizados pelo homem são, na maior parte, devolvidos aos rios, carregados de imundícies. Acrescenta-se a essa uma outra parcela, significativa, resultante das operações industriais, agrícolas, comerciais e urbanas que, igualmente, concorrem para a poluição e, portanto, para a perda de disponibilidade de água. Essa situação é fortemente agravada pelo fato de as grandes cidades não estarem situadas às margens de grandes rios, como o Amazonas ou o Nilo, mas sim  daqueles relativamente pequenos, como o Sena, o Tâmisa, o Tietê. Daí, a fatal interrupção do mais importante ciclo da natureza, afetando não só a vida dos peixes e outros seres aquáticos, mas também a das cidades e do homem que as habita.


Texto de Samuel Murgel Branco retirado do encarte "Água", publicado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.

sábado, 26 de agosto de 2023

Água - Conflito entre os diferentes usos

 PLANEJAMENTO


Os rios são "indisciplinados": seguem a sua vocação natural de drenar as áreas encharcadas pelas chuvas. Por isso, enchem-se de água na época chuvosa e secam - às vezes completamente - nos períodos de estiagem. Para o homem, sempre interessado no uso permanente dessa água, essa indisciplina pode constituir um verdadeiro transtorno. Nas épocas de grandes chuvas, os volumes de água transportados inundam a várzea, provocando a submersão de casas, cidades e plantações situadas em local que antes constituía a "reserva natural" de espaço para as cheias. Na seca, cumprida a missão de drenar o terreno, o rio estanca ou fica com uma vazão muito reduzida, não permitindo o uso para abastecimento, irrigação ou geração de eletricidade. Além disso, o homem agrava a situação ao "impermeabilizar" os solos com suas casas, ruas, praças e terrenos cimentados ou asfaltados. Em vez de absorver a água que depois seria drenada lentamente, esses solos passam a conduzi-la diretamente ao rio, provocando maiores inundações.

Há vários séculos que o homem descobriu o meio de "domesticar" o rio indisciplinado. Ele usa o represamento, que talvez tenha aprendido com os castores. Com a construção de uma barragem, o rio é transformado em lago, que se enche na época de cheias, armazenando a água que será usada também na época da seca. Assim, é possível dispor de vazões regularizadas durante todo o ano, evitando as inundações (uma vez que a água das enchentes fica armazenada) e garantindo o abastecimento, a irrigação de terras ou o funcionamento das turbinas durante todo o período que não chove.


GRANDES REPRESAS PARA USO ENERGÉTICO


Para gerar grandes quantidades de energia, utiliza-se grandes quedas, ou grandes volumes de água. O sistema Billings, em São Paulo, emprega um volume de água relativamente pequeno, mas uma queda de 740 metros de altura da Serra do Mar é diferente. Já a Represa de Itaipu, apesar de ter uma queda relativamente pequena, produz muita energia porque conta com a excepcional vazão do rio Paraná, um dos maiores do mundo.

Por sua vez, o armazenamento de grandes volumes de água exige extensas áreas de terra principalmente em terrenos planos. É o caso das represas construídas nas planícies da região amazônica. Áreas imensas de solo, recobertas por densas florestas, são inundadas ao se formar o lago, afogando e destruindo massas consideráveis de matéria vegetal, com a aniquilação dos ambientes florestais, animais e espécies características, chegando a influir no clima da região. E o que é pior, para produzir, às vezes, quantidades irrisórias de energia, como é o caso da barragem de Balbina, construída no Estado do Amazonas, que inundou uma área de 2.400 km2 de florestas. Esse lago, muito raso - não mais que sete metros de profundidade média - transformou-se num  verdadeiro pântano, infestado de mosquitos e desprendendo um cheiro nauseabundo, derivado do apodrecimento dos vegetais afogados.

Barragens para a regularização de rios devem ser projetadas em função de um perfeito planejamento, que leve em conta a situação geográfica e ecológica, bem como os diversos usos possíveis da água, para permitir o seu aproveitamento máximo, em lugar de gerar conflitos e incompatibilidades. Um exemplo pioneiro desse tipo de projeto, realizado muito antes da existência de legislação e movimentos ambientais em nosso país, foi o da represa de "escadas para peixes" (que entretanto, não chegou a ser construída), eclusas para o trânsito de embarcações e outras instalações destinadas a garantir a possibilidade de usos múltiplos das águas represadas, minimizando os prejuízos da mudança do regime natural do rio.


Texto de Samuel Murgel Branco retirado do encarte "Água", publicado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.

Mansuetude

A afabilidade e a abnegação do sentimento refletem as conquistas éticas do ser, exornando-o com os louros da paz.

Mediante a afabilidade, a criatura exterioriza a emoção superior que lhe irrompe espontânea, abençoando todos aqueles que dele se acercam.

A abnegação é o meio pelo qual se disciplinam os valores morais no exercício da paciência e da bondade, abrindo espaços para que se expanda a doçura, que logra sensibilizar os mais empedernidos sentimentos.

A mansuetude do coração é resultado da plena vivência da afabilidade e da abnegação.

Valores muito desconsiderados, e tidos, às vezes, como debilidade de caráter, são, não obstante, reflexos da têmpera vigorosa, da resistência para a luta e superação das paixões mais fortes, na área do primitivismo emocional.

Ser afável é possuir segurança moral e emocional, que sobrepaira no terreno alagadiço dos compromissos inferiores.

Esta não se corrompe, nem anui ao erro, em razão de possuir o conhecimento e a direção dos deveres do amor em relação a Deus, ao próximo e a si mesmo.

A abnegação elege o trabalho como forma  segura de externar os objetivos a que se propõe. Engrandece o homem, porque o faz devotado ao bem geral e à construção de melhores e mais seguras condições de vida.

Há quem confunda a afabilidade com a hipocrisia e o medo moral, crendo que o indivíduo oculta, sob o disfarce da conduta, estados de timidez e de pusilanimidade.

Para ser-se afável, no entanto, é necessário possuir-se grandeza de propósitos e firmeza de ideal.

Seguir a correnteza da insensatez e do vício, isto sim, representa empobrecimento interior e vileza espiritual.

Acredita-se que a abnegação ainda não encontra entendimento onde se exterioriza, servindo de recurso que a astúcia explora e a leviandade perturba.

Pelo contrário, o homem abnegado eleva-se do chavascal, sem deixar perceber a estrutura íntima, aparentemente no mesmo nível daqueles a quem socorre.

Escasseiam a afabilidade e a abnegação, como consequência do imediatismo, da conduta individualista, do egoísmo ainda dominante entre os homens.

Sem embargo, encontram-se em germe em todos os indivíduos, essas virtudes, que aguardam oportunidade para se desvelarem e crescer.

Faze-te afável, seja qual for a circunstância.

Torna-te abnegado, em todo momento.

Enquanto outros se comprazam em preservar a brutalidade e o azedume, que se lhes tornam sistemáticos, eleva-te pela afabilidade e a abnegação ao patamar da mansuetude, recortando-te que, mesmo incompreendidos, conforme expôs Jesus, os "mansos herdarão a Terra".


Retirado do livro Momentos de Esperança; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

O homem e a água no ambiente rural

 O AMBIENTE RURAL E A SECA


Certamente o homem que vive no campo está muito mais sujeito aos caprichos da natureza que o habitante das cidades. Sendo as populações do campo mais rarefeitas que as populações urbanas, fica mais difícil e oneroso construir redes de abastecimento de água, devido às distâncias entre as moradias. O mesmo ocorre em relação à remoção dos esgotos e águas servidas em geral. Ambos os benefícios têm de ser providenciados individualmente, cada moradia deve ter o seu próprio poço e sistema de esgoto. Frequentemente vemos um sítio, distante de qualquer cidade, com luz elétrica, mas sem água tratada: é que a condução da corrente elétrica por fios metálicos é muito mais fácil e barata que a distribuição de água por tubos.

Mas, se por um lado as necessidades de água para uso doméstico no meio rural são bem menores que no meio urbano, por outro lado a lavoura e, indiretamente, a pecuária exigem disponibilidade muito maiores. Quando as chuvas não ocorrem com regularidade, é preciso instalar sistemas de irrigação para as plantações e pastagens, das quais depende o gado. A água para irrigação não é submetida a um processo de tratamento e desinfecção e, muitas vezes, corre por canais abertos (quando não há necessidade de elevação de nível por bombeamento), o que a torna mais barata. Porém, as quantidades necessárias são muito maiores - por área abastecida - do que no saneamento das cidades. E as áreas de plantio são, geralmente, gigantescas. Por causa das quantidades necessárias, há riscos ambientais graves, relacionados com os sistemas de irrigação.


OS RISCOS DE IRRIGAÇÃO


No Cazaquistão, em plena Ásia Central, e na Califórnia, na Costa Oeste dos Estados Unidos, dois exemplos podem ser citados para caracterizar o risco que se corre em não considerar o papel relevante que desempenham as águas do ponto de vista puramente ambiental.

O primeiro é representado pelo imenso Lago de Aral, que já foi considerado o maior lado do mundo depois do Mar Cáspio e, no entanto, está morrendo. Não só pelo recuo de suas águas (dos 80 mil km2 que possuía já perdeu 25 mil), como pelo aumento de sua salinidade, que já atinge 26g por litro, três vezes maior que antes. Antes do quê? Antes que se iniciasse um gigantesco programa de irrigação das terras da Ásia Central, que transformou um imenso deserto nos maiores campos de algodão, cereais e vinhas do mundo: uma área de 68 mil km2 de terras férteis! Mas a irrigação foi feita com a construção de canais que desviaram os rios Amudaria e Sirdaria, que contribuíam com mais de 50 milhões de m3 de água por ano para o Lago. A retirada dessa água vem causando não só o desaparecimento da pesca como da flora e fauna típicas do lago e até mesmo de terras vizinhas - e ainda severas alterações no clima local. A gazela do deserto e muitas outras aves também desapareceram. E não é só: a irrigação intensiva provoca o fenômeno da laterização, isto é, subida de sais para a superfície do solo, por evaporação excessiva, que aumenta a  salinidade e reduz a fertilidade. Fenômeno, aliás, muito comum nas terras do Nordeste brasileiro.


O CASO DO MONO LAKE


O Mono Lake, situado no interior da Califórnia, atrás das montanhas de Sierra Nevada, aproximadamente na mesma latitude de San Francisco, é um lago bem mais modesto, com apenas 170 km2, mas que há 50 anos já teve 220 km2. É que, dos seus tributários principais, quatro foram desviados desde 1941, para abastecimento e irrigação de áreas distantes, como San Francisco e Los Angeles. Esse lago já era salgado, em consequência dos altos índices de evaporação naquela região árida, com salinidade duas vezes e meia maior que o próprio Oceano Pacífico. Mesmo assim, possui uma flora e fauna típicas, perfeitamente equilibradas, que permitem a alimentação de um imenso número de aves migratórias e residentes durante o ano todo. O aumento de salinidade já ocorrido estava em vias de produzir drásticas reduções na produção de algas, o que levaria à eliminação progressiva de insetos, crustáceos e peixes, com consequente perda das aves. Os estudos realizados levaram o Departamento de Águas e Energia do Estado a reconhecer, em 1988, que o lago constitui um "recurso ambiental único, de valor significativo". Em 1991 e nos anos subsequentes, uma Corte da Califórnia estabeleceu que o lago deve ter a sua profundidade estabilizada, cassou as licenças até então concedidas para uso das águas da bacia e determinou o restabelecimento do regime de escoamento antes existentes nos quatro rios que haviam sido desviados.


POSSIBILIDADES NO BRASIL


No Brasil, como se sabe, existem enormes áreas em que, embora não ocorra um regime desértico verdadeiro, as chuvas mal distribuídas sugerem a utilização de sistemas de irrigação. No Nordeste são construídos açudes com essa finalidade, que retêm as águas dos períodos chuvosos para distribuição na seca. Muitos desses açudes se transformaram em lagos salgados, por falta de manejo adequado. A irrigação de áreas a partir do Rio São Francisco vem dando excelentes resultados, criando terrenos férteis, de grande produtividade, onde antes só se via caatinga. Os pôlders para plantio de arroz na bacia do Rio Paraíba do Sul têm sido bem-sucedidos, o que torna atraente investir nesse tipo de empreendimento. Mas tais iniciativas devem ser precedidas de estudos detalhados de solo e condições ecológicas, para que não se repitam aqui as situações desastrosas que ocorreram na Ásia e nos Estados Unidos.


Texto de Samuel Murgel Branco retirado do encarte "Água", publicado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.

domingo, 20 de agosto de 2023

O homem e a água no ambiente urbano

 A FUNÇÃO BIOLÓGICA DA ÁGUA


Se não contivesse água, o corpo de um ser humano adulto não teria mais que 60 cm de altura e pesaria cerca de 25 quilos. Mas isso seria completamente impossível, porque a água no corpo humano - assim como em outros animais e vegetais - não desempenha somente um papel estrutural, como componente obrigatório das células. Ela tem um papel relevante como veículo, no transporte de substâncias dissolvidas para dentro e fora do organismo e de todos os órgãos. Em virtude da extraordinária capacidade que possui, de dissolver todo tipo de substância, bem como sua incrível mobilidade, a água executa funções como elemento preponderante no sangue e na seiva dos vegetais. Na forma líquida, ela atravessa facilmente as membranas de todas as células, conduzindo substâncias na excreção ou, ainda, regulando a temperatura corporal através da transpiração, ou passando ao estado gasoso. O nosso hipotético ser humano de 25 quilos de peso viveria constantemente com febre.

A água é necessária não só em quantidade, mas com a qualidade adequada. Ela não pode conter substâncias dissolvidas que sejam estranhas ou que perturbem o bom funcionamento dos órgãos e células do organismo. E não pode transportar, em suspensão, micro-organismos patogênicos. Quando a água de um manancial não é adequadamente protegida, pode se tornar contaminada e transmitir várias doenças. Dizemos, então, que a água ficou contaminada. E de onde vem a contaminação?


O RETORNO DA ÁGUA


Depois de usada, a água retorna aos rios. Isso faz parte dos fenômenos cíclicos que caracterizam a natureza. O caminho de volta pode ser mais longo ou mais curto, mas é inevitável.

Até meados do século passado, as águas servidas das residências - especialmente as de uso sanitário - eram reservadas em poços ou fossas, no interior das casas. Daí eram periodicamente removidas para reservatórios públicos, denominados pelos franceses de voiries - essa função era executada pelos vidangeurs -, onde permaneciam secando até que a massa resultante pudesse ser utilizada na lavoura, como adubo.

A partir de 1847 ocorreu, na Inglaterra, uma grande reforma sanitária, promovida por Chadwick, um conceituado sanitarista. Essa verdadeira revolução constituiu, sobretudo, na obrigatoriedade por lei da ligação de todos os esgotos domésticos aos coletores urbanos, mediante a instalação da " descarga hídrica ", uma inovação tecnológica. Assim, os esgotos públicos, que até então eram destinados, exclusivamente, a receber as águas das chuvas, passaram a receber cargas enormes de matérias poluidoras, incluindo as matérias fecais dos sanitários. Era a inauguração da lei do tout à l'égout que, se por um lado representou um grande benefício, removendo as matérias contaminadas do interior das casas, por outro iniciou o processo de contaminação dos rios, e,  em pouco tempo, a situação ficou intolerável, não só na Inglaterra, mas em todos os outros países que logo seguiram o exemplo.

Na verdade, os seres patogênicos causadores de doenças como febre tifoide, cólera ou hepatite não surgem espontaneamente na água, como se supunha antes de Pasteur. Eles provêm de pessoas doentes, através das excreções. Em poucos anos, os rios da Inglaterra, da França, da Alemanha e dos Estados Unidos tornaram-se fontes de epidemias de cólera e febre tifoide que dizimaram populações. Somente com o desenvolvimento de técnicas de tratamento de esgotos, que passaram a ser obrigatórios nos vários países da Europa a partir de 1875 e, sobretudo, com a introdução do uso da cloração das águas de abastecimento, esse terrível flagelo pôde ser debelado.


PAPEL DO ESTADO X PAPEL DO CIDADÃO


Às vezes é difícil entender e aceitar a exigência de pagar impostos e tarifas pelo uso de recursos que a natureza coloca à disposição de todos. Pagar para beber água de chuva?

O princípio que rege o imposto é, na verdade, a outorga, ou transferência de responsabilidade do cidadão para o Estado. Isso é feito em favor de maior uniformidade, perfeição e segurança das soluções a serem dadas, principalmente nas questões de saúde, educação e segurança da comunidade. A obtenção de água de boa qualidade é uma delas. Em lugar de soluções individuais, de eficácia duvidosa e que, eventualmente, possam prejudicar o interesse e a segurança de terceiros, cada cidadão transfere ao Estado essa função, pagando pelo serviço executado.

Essa outorga pressupõe algumas coisas. Em primeiro lugar, que o Estado é suficientemente competente para executar a função da maneira mais eficaz e econômica. Além disso, que ele seja "bem-intencionado" no procedimento, seguindo sempre uma doutrina consensual, coerente com os anseios de prosperidade e de qualidade de vida da Nação. Cada cidadão tem a obrigação de cumprir com a sua parte no contrato social, que todos mantêm com o Estado e os demais cidadãos. Ele estará infringindo esse preceito se ligar na rede de águas pluviais - que lança, sem qualquer tratamento, as águas de chuvas ao rio mais próximo - os esgotos sanitários de sua residência ou indústria. Porém, da mesma forma, o Estado estará lesando a população se os esgotos da rede sanitária forem lançados diretamente em rios ou mananciais  potenciais - como, por exemplo, na Represa Billings, de São Paulo - prejudicando seu uso como local de lazer ou como reserva de água potável. Da mesma forma, o Estado não estará merecendo a confiança que a população lhe transferiu - mediante pagamento de impostos -, à tarefa de prover o ensino público, se este não for de boa qualidade.

 

Existe uma curiosa coincidência entre a quantidade de água existente no planeta e no corpo humano: 70%. 

Na criança pode haver mais, no velho pode haver menos. É a falta de água que enruga a pele. 

Qualquer perda tem de ser reposta e o organismo sinaliza através da sede. 

O homem pode ficar até 28 dias sem alimento, mas apenas três dias sem água.


Texto de Samuel Murgel Branco retirado do encarte "Água", publicado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.

sábado, 19 de agosto de 2023

Água

 "Porque os espelhos são rios os homens podem se reconhecer através das águas. Se algo os impede de chegar ao mar é porque homens já não há que os possam navegar."

(Arthur Werbeck)


A ÁGUA NA TORNEIRA


Abra a torneira e lave...

Difícil imaginar quanta história e quanto desenvolvimento técnico existe por trás desse simples comando. E quanta reação já houve à inovação. Conta-se, por exemplo, que quando o grande engenheiro Teodoro Sampaio projetou e construiu o primeiro sistema de distribuição de água na cidade de Salvador, o povo baiano, indignado, saiu às ruas com faixas contendo os dizeres: "Água de cano nós não bebe." E as instalações foram depredadas.

Ainda hoje se ouvem histórias de que as empresas de saneamento encontravam resistência à instalação da "água encanada". Muitos moradores que não contavam com o benefício relutavam e até reagiam energicamente quando intimados a fazer a ligação domiciliar no momento em que a rede de água era estendida até sua rua. Preferindo continuar usando o poço do quintal, assim como a população de Salvador preferia beber a água que comprava dos "aguadeiros" que perambulavam com burricos pela cidade.

Provavelmente a tarifa a ser paga no fim de cada mês era a principal razão da revolta. E há mesmo motivo para estranhar o valor tão elevado das tarifas. É que elas não se destinam apenas a cobrir os custos de uma pequena "correção" na qualidade natural da água do rio ou represa próximos, mas sim a tornar potável um caldo cheio de impurezas. Isso acontece pelo descaso que fazem tanto dos recursos hídricos quanto dos recursos naturais em geral.


COMO A ÁGUA CHEGA À TORNEIRA


É fácil: a água vem pelo cano. Difícil é fazer a água chegar ao cano.

Em primeiro lugar, é preciso que exista um manancial capaz de suprir toda a população da cidade a ser abastecida. E isso com folga, prevendo o crescimento natural da população. Frequentemente, para contar com a quantidade necessária de água em todas as épocas do ano, independente da ocorrência de chuvas, é indispensável construir uma barragem, que irá reservar águas das cheias para ser usada nas secas.

Em seguida, vêm as obras de captação, um sistema destinado a retirar a água do rio ou da represa criada pela barragem. O que pode ser muito simples, quando se tem sorte de encontrar um manancial localizado acima da cidade e a água pode escoar por gravidade. Caso contrário, será necessário construir um sistema elevatório, constituído de bombas de recalque no próprio local da captação - como acontece, por exemplo, no sistema que capta águas da Represa do Rio Grande, para abastecer o ABC, em São Paulo - ou distribuídas em pontos estratégicos da cidade. Muitas vezes um manancial que poderia ser captado por gravidade, situado a montante da cidade, é abandonado por estar muito poluído, em favor de outro, à grande distância e em ponto mais baixo, onerando extraordinariamente o custo da captação. Isso mostra que não é só o tratamento da água que encarece a tarifa quando não cuidamos da qualidade original dos rios.

A água captada tem de passar por tratamento, que se destina não só a remover substâncias nocivas e micro-organismos patogênicos, dando toda a segurança à saúde da população, como também garante o aspecto da água, eliminando sua turbidez, cor e cheiros eventuais. Caso contrário, a população vai preferir beber água de poço da nascente próxima, transparente e fresca, possivelmente povoada de vírus e bactérias transmissores de doenças como hepatite e febre tifoide. É evidente que esse tratamento, realizado por processos físicos como decantação e filtração, emprego de compostos químicos - como coagulantes, desinfetantes, adsorventes e outros - será mais complexo e caro, dependendo das impurezas existentes na água.

Finalmente, chega-se à fase de distribuição, realizada com auxílio de adutoras, tubulações, reservatórios de distribuição (caixas d'água dos bairros) e rede de pequenos tubos que levam a água até as casas.


É PRECISO PERSISTÊNCIA PARA A ÁGUA SAIR DO MANANCIAL, ENTRAR PELO CANO E CHEGAR ATÉ UMA TORNEIRA


O complemento necessário a tudo isso é um trabalho contínuo de conservação de equipamentos e tubulações, para que na quantidade necessária ao consumo da população e, principalmente, um serviço de vigilância, com a tomada de amostras em diversos pontos do sistema, diariamente, e análises físicas, químicas e biológicas realizadas em laboratórios altamente especializados, para garantir a qualidade sanitária da água consumida. E essa vigilância deverá ser tanto mais rigorosa - e onerosa - quanto mais impura for a água no rio ou represa de onde foi captada. Tudo isso está embutido na conta a ser paga.


QUANTA ÁGUA É NECESSÁRIA PARA O MEU CONSUMO?


Ninguém bebe muita água. No máximo, um litro por dia, talvez um pouco mais no verão. Mas uma quantidade muito maior é usada no preparo do feijão, da sopa, do macarrão. De dois a três litros por pessoa, ou dez a 15 litros por casa, por dia. Mas há o banho, que consome muito mais. E a lavagem dos pratos, das roupas, do carro, do quintal, do cachorro. E é preciso regar o gramado e os canteiros de flores ou de frutos.

O consumo é muito variável, dependendo do número de pessoas de cada casa, do tamanho do jardim, dos hábitos, da estação do ano. Há alguns anos, as autoridades britânicas estavam escandalizadas com um hábito muito tropical que alguns usuários londrinos estavam adquirindo. Diziam os especialistas: "Se a população começar a tomar banhos todos os dias, não haverá água que chegue..."

A quantidade mínima para assegurar condição sanitária com baixa probabilidade de contaminação patogênica é 50 litros por dia, por habitante. A média, entretanto, oscila entre 75 e 200 litros diários. Mas, na avaliação do suprimento de uma cidade, é necessário estimar ainda o consumo comercial - escritórios, postos de serviços etc - além dos jardins públicos, incêndios e outras necessidades. E ainda o uso industrial, que pode ser muito significativo. Tudo isso, somado e dividido pelo número de habitantes, resulta no consumo per capita da cidade, que para uma de grande porte é estimado em cerca de 500 litros por dia por habitante. E essa água deverá ter ótima qualidade sanitária, independente do uso que dela será feito. Mesmo a água usada para apagar incêndios ou regar os jardins públicos poderá ser bebida sem provocar doenças ou despertar repulsa.


Texto de Samuel Murgel Branco retirado do encarte "Água", publicado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.

Anjos Guardiães

Os anjos guardiães são embaixadores de Deus, mantendo acesa a chama da fé nos corações e auxiliando os enfraquecidos na luta terrestre.

Quais estrelas formosas, iluminam as noites das almas e atendem-lhes as necessidades com unção e devotamento inigualáveis.

Perseveram ao lado dos seus tutelados em toda circunstância, jamais se impacientando ou os abandonando, mesmo quando eles, em desequilíbrio, vociferam e atiram-se aos  despenhadeiros da alucinação.

Vigilantes, utilizam-se de cada ensejo para instruir e educar, orientando com segurança na marcha de ascensão.

Envolvem os pupilos em ternura incomum, mas não anuem com seus erros, admoestando com severidade quando necessário, a fim de lhes criarem hábitos saudáveis e conduta moral correta.

São sábios e evoluídos, encontrando-se em perfeita sintonia com o pensamento divino, que buscam transmitir, de modo que as criaturas se integrem psiquicamente na harmonia geral que vige no Cosmo.

Trabalham infatigavelmente pelo Bem, no qual confiam com absoluta fidelidade, infundindo coragem àqueles que protegem, mantendo a assistência em qualquer circunstância, na glória ou no fracasso, nos momentos de elevação moral e naqueloutros de perturbação e vulgaridade.

Nunca censuram, porque a sua é a missão de edificar as almas no amor, preservando o livre-arbítrio de cada uma, levando-as após a queda, e permanecendo leais até que alcancem a meta da sua evolução.

Os anjos guardiães são lições vivas de amor, que nunca se cansam, porquanto aplicam milênios do tempo terrestre auxiliando aqueles que lhes são confiados, sem se imporem nem lhes entorpecerem a liberdade de escolha.

Constituem a casta dos Espíritos Nobres que cooperam para o progresso da Humanidade e da Terra, trabalhando com afinco para alcançar as metas que anelam.

Cada criatura, no mundo, encontra-se vinculada a um anjo guardião, em quem pode e deve buscar inspiração, auscultando-o e deixando-se por ele conduzir em nome da Consciência Cósmica.

Tem cuidado para que te não afastes psiquicamente do teu anjo guardião.

Ele jamais se aparta do seu protegido, mas este, por presunção ou ignorância, rompe os laços de ligação emocional e mental, debandando da rota libertadora.

Quando erres e experimentes a solidão, refaze o passo e busca-o pelo pensamento em oração, partindo de imediato para a ação edificante.

Quando alcances as cumeadas do êxito, recorda-o, feliz com o teu sucesso, no entanto preservando-te do orgulho, dos perigos das facilidades terrestres.

Na enfermidade, procura ouvi-lo interiormente sugerindo-te bom ânimo e equilíbrio.

Na saúde, mantém o intercâmbio, canalizando tuas forças para as atividades enobrecedoras.

Muitas vezes sentirás a tentação de desvairar, mudando de rumo. Mantém-te atento e supera a maléfica inspiração

O teu anjo guardião não poderá impedir que os Espíritos perturbadores se acerquem de ti, especialmente se atraídos pelos teus pensamentos e atos, em razão do teu passado, ou invejando as tuas realizações... Todavia te induzirão ao amor, a fim de que te eleves e os ajudes, afastando-os do mal em que se comprazem.

O teu anjo guardião é o teu mestre e amigo mais próximo.

Imana-te a ele.

Entre eles, os anjos guardiães e Deus, encontra-se Jesus, o Guia perfeito da Humanidade.

Medita nas Suas lições e busca seguir-Lhe as diretrizes, a fim de que o teu anjo guardião te conduza ao aprisco que Jesus levará ao Pai Amoroso.


Retirado do livro Momentos Enriquecedores; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 2ª Edição, 2015.

sábado, 12 de agosto de 2023

Perseverar com Deus

Quando estiveres a ponto de sucumbir, dá-te outra oportunidade e chama por Deus.

No momento amargo da deserção, concede-te a esperança e ora a Deus.

No açodar da revolta, quando te encontrares a ponto de explodir, transfere o gesto louco e confia em Deus.

Diante da áspera ingratidão que te agride, sentindo-te enlouquecer, pensa em Deus e aguarda.

Desolado, em face das várias tentativas fracassadas, quando já quase não acreditas em nada e pretendes o aniquilamento da razão, intenta outra vez e espera a ajuda de Deus.

Se tudo em volta veste-se de escuridão e o dia claro já passou, substituído pela noite pavorosa do desalento e das mágoas, sentindo-te à borda da loucura, grita por Deus e acende uma débil chama para iluminar a treva.

Insiste, ainda, um pouco mais.

Não desistas com facilidade.

Faculta-te uma nova tentativa.

O deserto imenso é feito de grãos de areia em movimento.

A tempestade avassaladora se constitui de moléculas invisíveis que se aglutinam.

(...) E o Universo é o resultado de partículas infinitamente imperceptíveis que o amor de Deus reúne mediante as "leis de atração e repulsão" geradoras de equilíbrio.

Assim, os teus momentos difíceis de agora estarão transpostos logo mais, se souberes reunir as forças combalidas e perseverar na irrestrita confiança em Deus.


Retirado do livro Momentos de Coragem; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 8ª Edição, 2014.