terça-feira, 11 de agosto de 2020

A Paz Primitiva (2)

No ano 10000 a. C. o gelo começou a recuar para o Norte, modificando o clima e, com isso, a vegetação. No Oriente, surgiram campos naturais de trigo e cevada. Na ausência da roda e de animais de carga, era impossível para os homens transportar os alimentos colhidos. Decidiram, então, mudar-se para perto das plantações, fazendo surgir, assim, as primeiras aldeias. Além de colher, passaram também a plantar cereais. Do VIII ao VI milênio, houve uma transformação radical na vida das populações. É a chamada Revolução Neolítica.

A agricultura estabeleceu-se definitivamente em 6500 a. C. Presume-se ter sido uma invenção da mulher, devido às constantes ausências do homem. Com o passar do tempo, os homens foram-se dando conta de que, matando sistematicamente os animais, poderiam provocar sua extinção. Começaram, então, a domesticá-lo, e foram abandonando a caça; assim, a agricultura ganhava mais importância. Acreditava-se que a fecundidade da mulher influenciava a fertilidade dos campos. Tal associação fez com que ela alcançasse um prestígio nunca antes vivenciado. A mãe era a personagem central nessa sociedade. A mulher, assim como a Deusa, tornava-se poderosa no imaginário da época.

Entre 6500 e 5600 a.C., na Anatólia do Sul, atual Turquia, surge a maior e mais antiga cidade conhecida: Çatal Huyuk. Nela forma encontradas casas decoradas com relevos femininos: mulheres grávidas e figuras com pares de seios. A Deusa de Çatal Huyuk, Pótnia, é representada com uma pantera de cada lado, em cujas cabeças ela coloca as mãos, demonstrando seu poder de mãe e, ao mesmo tempo, de senhora da natureza. Origem de inúmeras divindades femininas que reinaram durante muito tempo, mais tarde foi sendo personificada, adquirindo características próprias.

Apesar de múltipla, a Deusa manteve a universalidade. Após a invenção da escrita, em 3000 a. C., foi venerada com o nome de Inanna, na Suméria; Ishtar, na Babilônia; Anat, em Canaã; Astarte, na Fenícia; Isis, no Egito; Nukua, na China; Freya, na Escandinávia; e Kunapipi, na Autrália. Era sempre reverenciada como fonte de vida, como a força que proporciona a existência das plantas e da fertilidade.

O Neolítico foi um longo período pacífico. As cidades não possuíam defesas. Na arte Neolítica, em vez da representação de guerras, sepultamento de chefes de grupos ou fortificações militares, há a presença de símbolos, admiração e respeito pela beleza e pelo mistério da vida.

Não mais tendo que arriscar a vida como caçador, os valores viris do homem não eram enaltecidos, daí a ausência de deuses masculinos. As súplicas e os sacrifícios eram dirigidos à Deusa e toda atividade econômica estava ligada ao seu culto. Os homens não tinham motivos para se sentir superiores ou exercer qualquer tipo de opressão sobre as mulheres. Continuavam ignorando sua participação na procriação e supunham que a vida pré-natal das crianças começava nas águas, nas pedras, nas árvores ou nas grutas, no coração da terra-mãe, antes de ser introduzida por um sopro no ventre de sua mãe humana.

Trecho 2 do capítulo 1 O Passado Distante, do livro A Cama na Varanda, de Regina Navarro Lins, Editora Best Seller, 5ª edição, 2005.

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