quarta-feira, 26 de agosto de 2020

As Formiguinhas

Marcinho perdeu aula na primeira semana. Estava no primeiro ano e a professora tinha dado avisos importantes. Um deles é que, às terças-feiras, a classe teria que levar as formiguinhas. E explicou que a formiguinha era um saquinho com alguns legumes, ovos ou verdura. Alguma coisa, para reforçar a merenda. As formigas trabalham juntas. Juntos, todos melhorariam a merenda escolar.

Terminada a aula da segunda-feira, na segunda semana, a professora avisou:

- Não vão se esquecer das formiguinhas! Amanhã é dia das formiguinhas da 1ª série C. Ouviram bem?

Marcinho levantou cedo no outro dia. Fez os exercícios, como a professora mandou. Depois, lembrou-se da formiguinha. Foi uma sorte o pai estar de férias. Tanto pediu que lá foram os dois com um vidro de remédio lavadinho, para procurar formiguinhas na horta. Quase desanimado, o pai tentava convencer o menino:

- Marcinho, leva formigas grandes mesmo. Vai ser difícil catar formiguinhas...

Marcinho teve uma ideia e foram para a cozinha colocá-la em prática. Despejaram mel na pia e deu resultado. Em poucos minutos, havia uma fila de formiguinhas, muito pequenas e espertas. O duro era apanhar as formiguinhas sem amassá-las. O pai queria que o menino levasse as formigas e o mel juntos. Poria mel no vidro e elas entrariam. Ele não quis. A professora não ia aceitar assim. Com muito jeito, o pai catou pedaços de algodão e foi apanhando as formiguinhas. Marcinho não queria algodão no vidro e foi um drama aceitar. O pai tentava convencê-lo:

- Deve ser pra estudar ciências. Todo cientista pega bichos com algodão, com medo de apanhar doenças...

- Mas isso só acontece com bicho que tem doença. Formiguinha é limpa. Só pode ter um pouco de doce...

- Então põe você. Eu não consigo.

Vendo que não conseguia pôr as formiguinhas vivas no vidro, Marcinho cedeu.

À tarde, Marcinho voltou da escola. O pai quis saber se as formiguinhas chegaram bem. Ele começou a chorar e não respondia. Demorou a dar explicação para tanto choro:

- Não quero ir mais pra aquela escola! Lá, a professora não fala as palavras direito. Formiguinha lá é coisa de comer.

Os pais não entenderam. E o menino explicou o que a diretora lhe disse, quando a professora mandou que ele conversasse com ela no gabinete. Ela explicou tudo. Depois começou a dar pito. A mãe quis saber o porquê, pois só aconteceu um engano à-toa.

Mas o pior foi o que ele falou, recomeçando o berreiro:

- Fizeram tanta gozação e a professora não fez nada. Só se eu tivesse sangue de barata pra não reagir... Quebrei o pau, gritei, xinguei, mas só estou chorando agora!...

- Tá certo, filho. Só se tivesse sangue de barata ou de formiguinha!

E rindo os três se abraçaram. Só que nunca mais se esqueceriam da luta que foi caçar as formiguinhas. E seria tão fácil abrir a geladeira e apanhar os legumes...

Conto de Elias José retirado do livro O Furta-Sonos e Outras Histórias, Atual Editora, 4ª Edição, 1991, Coleção Era Uma Vez.

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