domingo, 9 de agosto de 2020

Severino e seu chapéu

 Pois ele tinha um chapéu.

Muita gente tem um chapéu, a até tem muita gente que não tem chapéu, mas Severino tinha um chapéu fantástico.

Cada dinheirinho que Severino ganhava, lá na feira de Maceió, era reservado, em grande parte, para o seu chapéu.

E nas festas de fim de ano, Severino se apresentava e cantava, batendo com os pés. As fitas esvoaçavam... e a cabeça de Severino usava, com grande pompa, orgulho e distinção, o seu chapéu.

No início, o chapéu era mais comum, meio igual aos outros. Mas o tempo foi passando, e Severino economizava para o chapéu.

Na verdade, Severino continuava muito pobre, vendendo docinhos na feira. Vez por outra, levava umas blusas de rendendê, tecidas por Madalena, sua mulher. As blusas faziam sucesso, sobretudo para as gringas turistas do Rio e de São Paulo.

Madalena reclamava:

- Eu faço renda para enfeitar o chapéu de Severino! Às vezes passamos necessidade, que vida de pobre é isso... Mas podia ser mais fácil, se não fosse o chapéu! Tudo o que ganho vai pro chapéu!

Severino tomava um trago, tomava outro, mais um, que era pra esquentar do frio, ou pra esfriar do calor. Depois, ia ensaiar pra festa.

Maceió foi deixando de ser um lugar desconhecido, virou atração turística. Madalena vendia que vendia rendas, as mãos doídas, os olhos cansados de prestar atenção dos fios.

Ganhava-se um dinheirinho a mais. Severino, por causa do chapéu, guardava toda sobrinha e comprava espelhos, contas, vidrilhos.

As danças de fim de ano viraram de ano inteiro, pra turista ver, enquanto comia sururu. E Severino, com seu grupo, fitas, cores e o chapéu de Severino, que tinha um feitio de igreja, capelinha de espelhos.

No final, todo turista tinha que ir ver o chapéu de Severino, ali, no meio dos outros chapéus-capelinhas, os palhaços, o compasso de fitas e cores. O chapéu de Severino já não era capela, era uma igreja, uma catedral. Pois Severino, tudo que ganhava, metade era pra pinga, metade pro chapéu... e Madalena que não se arrependesse de ter casado com ele, o mais famoso chapéu de Maceió!

O nome da dança? E isso interessa? Era folclore, chapéu e Severino, espelhando.

- Espelho, espelho meu, existe no mundo um chapéu-catedral mais reluzente do que o meu?

E o chapéu de Severino virou cartaz de turismo.

Naquele dia, pra comemorar, Severino, em frente do cartaz, bebeu uma garrafa inteira. Será que foi uma inteira? E qual o tamanho da garrafa? E eu sei? Só sei que Severino abusou, caiu e dormiu, bem debaixo de um coqueiro.

Na manhã seguinte, quando acordou, deu por falta do chapéu.

- Um ladrão levou meu chapéu!

Nunca houve tristeza maior em toda Maceió! Ninguém achou o chapéu de Severino, que continuou a beber, a beber... a acabou se metendo num caminhão pro sul, largando Madalena, que fazia rendas.

Severino prometeu:

- Madalena, vou trabalhar no Rio de Janeiro; lá eu ganho um sustento melhor, depois a gente arruma a vida, volto a construir um chapéu. Disseram que no Rio tem pagamento melhor. Vou trabalhar de ajudante de pedreiro, que disso sei um pouquinho e o motorista do caminhão garantiu.

Mas no Rio não foi tão fácil. Até que Severino arranjou o  emprego e trabalhava em obras. A cachaça ajudava a esquecer.

Severino contou do seu chapéu para os colegas. Mas riram, zombaram. Aí Severino encheu a cara, bebeu, saiu pela avenida Rio Branco, virou para a direita, deu com a igreja da Candelária. Estava toda iluminada. Severino entrou e caiu de joelhos:

- Obrigado, Jesus Cristinho!

Depois, Severino olhou em volta e disse para as paredes douradas da igreja:

- Puxa, chapeuzinho, como você cresceu! Benza-o Deus!


Conto de Sylvia Orthof retirado do livro Papos de Anjo, Editora Record, 1987.

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