quinta-feira, 30 de julho de 2020

O Começo das Coisas 3

O CAOS, GÉIA E EROS

A terceira história do princípio das coisas vem do Hesíodo, lavrador e poeta ao mesmo tempo e que, na mocidade, pastoreava carneiros na montanha divina do Hélicon. Eros e as Musas tinham santuários. Os discípulos do cantor Orfeu prestavam uma reverência especial a essas divindades e talvez tivessem trazido o seu culto de regiões mais setentrionais. A história de Hesíodo soa como se ele tivesse omitido simplesmente o ovo da história da Noite, o Ovo e Eros, e  tivesse procurado, como o faria um lavrador, atribuir a posição de deusa mais velha a Géia, a Terra. Pois o Caos, citado em primeiro lugar, não era para ele uma divindade, mas tão-somente um "bocejo" vazio - o que sobra do ovo vazio depois da retirada da casca.

Como o relata Hesíodo: primeiro surgiu o Caos. Surgiram depois Géia, a dos vastos seios, firme e eterna morada de todas as divindades, tanto as que moram no alto, no monte Olimpo, quanto as que moram dentro dela, na terra; e surgiu, da mesma forma, Eros, o mais belo dos deuses imortais, que liberta os membros e governa o espírito de todos os deuses e homens. Do Caos descendem Érebo, a escuridão sem luz das profundezas; e Nyz, a Noite. Nyz, apaixonada por Étebo, deu à luz Éter, a luz do céu, e Hêmera, o dia. Géia, por seu turno, deu à luz, primeiro de todos e seu igual, o Céu estrelado, Urano, de modo que ele pudesse cobri-la completamente e ser uma firme e eterna morada dos deuses bem-aventurados. Ela deu à luz as grandes Montanhas, cujos vales são residências favoritas de deusas - as Ninfas. E deu à luz o desolado Mar espumante, o Ponto. E deu-nos todos à luz sem Eros, sem casar.

De Urano ela deu à luz, além dos Titãs e das Titânidas (entre as quais Hesíodo inclui Oceano e Tétis), também três Ciclopes: Estéropes, Bronteu e Argeu. Estes têm um olho redondo no meio da testa e nomes que significam raios e trovões. De Urano ela também deu à luz três Hecatônquiros - gigantes, cada um dos quais tinha uma centena de braços e cinquenta cabeças: Coto, "o que bate"; Briareu, "o forte"; e Gias, "o lembrado". Mas toda a história do casamento de Urano e Géia - embora deva ter sido originalmente uma das histórias relativas ao princípio das coisas - já nos leva à dos Titãs. É a primeira desse tipo especial em nossa mitologia. Passarei a relatar as outras na devida ordem.

Trecho 3, Capítulo 1 do livro Os Deuses Gregos, de Karl Kerényi, série Mitologia Grega, Editora Cultrix, tradução de Otávio Mendes Cajado, 1998.

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